O Aborto Do Feto Anencefálico Versus A Possibilidade De Escolha Da Gestante E Suas Nuances

Por Dianna Ribeiro Lopes | 08/08/2008 | Direito

FACULDADES JORGE AMADO

 

CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO

 

 

 

DIANNA RIBEIRO LOPES

 

 

 

O ABORTO DO FETO ANENCEFÁLICO VERSUS A POSIBILIDADE DE ESCOLHA DA GESTANTE E SUAS NUANCES

 

 

Salvador

2008

DIANNA RIBEIRO LOPES

 

 

 

O ABORTO DO FETO ANENCEFÁLICO VERSUS A POSIBILIDADE DE ESCOLHA DA GESTANTE E SUAS NUANCES

 

 

 

Projeto de Pesquisa apresentado à disciplina de Metodologia, sob a supervisão do Docente Milton Bernardes Junior, como requisito parcial para avaliação.

 


 

Salvador

2008

 

1 INTRODUÇÃO

 

Este projeto tem como tema O ABORTO DO FETO ANENCEFÁLICO VERSUS A  POSSIBILIDADE DE ESCOLHA DA GESTANTE E SUAS NUANCES, cujo enfoque consiste na questão em que esse tipo penal incriminador, nestes moldes, vem despertar as paixões pelo debate, envolvendo aspectos da mais alta indagação, já que em derredor do assunto nenhuma discussão será completa senão tratar de assuntos relacionados ao campo da ética, da moral, da medicina, do direito, da religião e da filosofia.

 

Encontramos na Doutrina Médica a explanação de que a mulher tem o direito de dispor livremente do seu próprio corpo e, portanto, de recusar a maternidade, sendo que o feto, no período da gestação, é uma simples parte das entranhas maternas”.

 

Para o Código Penal Brasileiro, toda conduta que resulte na interrupção do processo de gravidez, que vai desde a concepção até o inicio do parto, isto é, até o rompimento da membrana aminiótica, será considerada como crime de abortamento. Porém, é necessário que a gravidez seja normal, uma vez que a interrupção da gravidez extra – uterina ou molar não configura o aborto.

 

Ante às ponderações acima epigrafadas, fora levantada a seguinte problemática:

 

Até que ponto o aborto anencefálico fere os direitos fundamentais do feto?   

 

O primeiro ponto a tratar é a busca das fontes da punibilidade do aborto, que pautará essa escolha.

 

Ocorre que o nosso Código Penal é de 1940, e o mesmo ao tipificar o delito de aborto considera somente como causa excludente da antijuridicidade, o aborto para salvar a vida da gestante e os casos onde a gravidez é resultante de estupro.

 

No entanto, tendo em vista a questão legal vigente, a gestante no caso em apreço, ainda não pode escolher por este tipo de abortamento. Na realidade, o fundamento pelo qual nosso Código não abriga a possibilidade da exclusão da antijuridicidade nas hipóteses de anencefalia deriva simplesmente da época de sua edição, quando a ciência médica ainda não avançara a ponto de oferecer um diagnostico seguro sobre a inviabilidade fetal em casos de anencefalia. Basta ver os comentários dos tratadistas da época, quando cuidavam da questão do aborto relacionado com problemas clínicos do produto da concepção.

 

Destarte, convém ressaltar que, como de regra, o direito culmina pela absorção, das razões sociais em constante e paulatina evolução. Temos assim que, uma vez já reconhecida socialmente e tecnicamente, como circunstâncias que justifica a prática interruptiva da concepção, a hipótese em apreço já é contemplada no anteprojeto de nova parte especial do Código Penal que atualmente tramita como projeto no Congresso Nacional. A situação é, portanto, de conhecimento comum, somente não figurando no mundo jurídico dados os tramites legislativos, que sempre vêm a reboque ou como resultado de um prévio posicionamento social.  

 

No entanto faz-se necessário demonstrar, que o direito da gestante dispor livremente de seu próprio corpo, no caso ora em tela, esta adstrita a norma, tendo em vista também que o nosso Estado, ainda que laico, abriga uma vasta gama da população vinculada aos dogmas religiosos, em especial os do catolicismo, motivo pelo qual, ainda atualmente com toda a evolução social, vige a proibição legal sobre o abortamento anencefálico.

 

 Faz-se necessário também demonstrar como buscar resolver o conflito entre o direito a vida do feto e a proibição do abortamento à luz da legislação penal pátria.

 

Ponderar, questionar e analisar a possibilidade iminente de se ter a permissão legal para essa modalidade de aborto, já que a hipótese em discussão já é contemplada no anteprojeto de nova parte especial do Código Penal.

 

Cogitar se a vedação da interrupção da gestação de um anencéfalo efetivamente constitui uma ofensa grave a um bem jurídico importante para o desenvolvimento de um individuo na sociedade e, por via de conseqüência, se existe, neste caso, tipicidade material.

 

Contudo o presente tema fora escolhido por saber que a questão do aborto, tem o condão de envolver uma discussão da mais alta indagação, por despertar as paixões pelo debate, uma vez que em derredor do mesmo, estão em pauta os assuntos mais comezinhos relacionados ao campo da ética, da moral, da religião, da medicina, do direito e da filosofia.

 

Desta forma, como exemplo da complexidade concernente à discussão do tema, urge frisar que nesses casos, não há duvida, de que a previsão legal deveria ser favorável ao abortamento, pois que não seria justo submeter a gestante ao intenso sofrimento de carregar consigo o feto sem a menor perspectiva de vida futura.

 

Por outro lado quando se levanta a discussão no campo da religião, e é por isso que se vislumbra a complexidade no tocante as tratativas que envolvem o tema, o entendimento contrasta com a previsão da Lei, ao inferir que a vida por menor que seja está inserida na vontade permissiva do Criador, e portanto mesmo no caso da anencefalia, não cabe ao homem dirimir regras de ordem legal que venham sobrestar ou não o nascimento do ser acometido por essa tão grave anomalia.

 

Destarte, demonstraremos ao longo deste trabalho que a nossa sociedade, ao contrário da distância legislativa que se guarda em relação a países mais avançados, e com aquela as exigências cidadãs, como efeito da intensa globalização de informações, já reclama um novo modelo de regulamentação jurídica da matéria. Se isso, por ora, não é possível, parece correto, no mínimo, admiti-lo sob a forma de uma causa supra legal de exclusão da ilicitude, ou crime impossível.

 

Para ratificar o pensamento do ultimo parágrafo é de bom alvitre confrontar duas situações de aborto extremamente semelhante, as quais, ambas produzem na mulher tamanha aflição psicológica, porquanto, uma é tida como permitida pela norma penal e a outra não, que é a do tema ora proposto . A primeira, que é a gravidez resultante de estupro, infere-se que os nove meses de gestação representam uma suprema exigência e sofrimento da mãe que a cada instante estará revendo as cenas horrendas que produziram esta gravidez. A segunda, que é a gestação de um anencéfalo, em saber que a cada dia estará vendo o desenvolvimento agônico de um ser que dá mais um passo no inexorável caminho da morte.

 

2  REFERÊNCIAL TEÓRICO

 

Durante grande lapso temporal, o crime de aborto não foi tipificado pelos sistemas jurídicos penal brasileiro, tendo em vista que o Estado considerava que a mulher era proprietária de seu corpo e poderia dispor deste, tendo a opção de interromper a gravidez a qualquer tempo sem que lhe fosse atribuída sanção.

 

O Código Criminal de 1830 não sancionava o aborto praticado pela própria gestante. Mas o mesmo tipificava o crime de aborto praticado sem o consentimento da gestante ou por terceiros. Conforme Bitencourt[1]:

 

O Código Criminal do Império de 1830 não criminalizava o aborto praticado pela própria gestante. Punia somente o realizado por terceiros, com ou sem consentimento da gestante. Criminalizava, na verdade, o aborto consentido e o aborto sofrido, mas não o aborto provocado, ou seja, o auto-aborto. A punição somente era imposta a terceiros que interviessem no abortamento, mas não há gestante, em nenhuma hipótese. O fornecimento de meios abortivos também era punido, mesmo que o aborto não fosse praticado, como uma espécie, digamos, de criminalização dos atos preparatório. Agravava-se a pena se o sujeito ativo fosse médico, cirurgião ou similar. 

 

A partir do Código Penal de 1890, observa-se, uma maior preocupação do Estado com tal tema, já que se fazia a distinção quando da pratica do aborto resultava na morte da mãe. Nesta vertente, o Código punia o auto-aborto, o que tinha a pena atenuada se tivesse a finalidade de ocultar desonra própria. Ainda, Bitencourt[2]   :

 

O Código Penal de 1890, por sua vez, distinguia o crime de aborto caso houvesse ou não a expulsão do feto, agravando-se se ocorresse a morte da gestante. Esse Código já criminalizava o aborto praticado pela própria gestante. Se o crime tivesse a finalidade de ocultar desonra própria a pena era consideravelmente atenuada. Referido Código autorizava o aborto para salvar a vida da parturiente: nesse caso, punia eventual imperícia do médico ou parteira que, culposamente, causassem a morte da gestante.

 

Vale ressaltar que atualmente o Código Penal vigente é da década de 40 e tipifica três figuras de aborto, prevista nos arts. 124, 125, 126 e 127, além do artigo 128 que trata das exceções deste crime, ou seja, refere-se às especialidades em que este crime não é punido. Como fora visto, o Direito Penal deve atualizar-se frente aos avanços sociais, médicos e científicos, buscando tipificar somente as condutas que ferem os bens jurídicos essenciais.

 

2.1 CONCEITO DE VIDA

 

Faz-se necessário conceituar o que seja vida, para que assim se torne mais fácil a compreensão do presente trabalho, no que tange ao crime de aborto. A palavra vida é originária do latim vita, podendo ser conceituado de acordo com o Dicionário Aurélio[3] como:

 

Conjunto de propriedades e qualidades graças às quais animais e plantas, ao contrário dos organismos mortos ou da matéria bruta, se mantêm em contínua atividade, manifestada em função orgânica tais como o metabolismo, o crescimento, a reação a estímulos, a adaptação ao meio, a reprodução, e outras; existência; o estado ou condição dos organismos que se mantêm nessa atividade desde o nascimento até a morte; o espaço de tempo que decorre desde o nascimento até a morte.

 

 

O conceito de vida tem relação direta com o conceito de aborto, já que para se definir de forma correta o conceito deste, é imperioso saber quando se inicia, tanto a vida intra-uterina como a extra-uterina. Segundo Hygino de C. Hercules[4]:

 

A vida pode ser encarada sob vários ângulos, conforme o ponto de observação que se proponha. Começando elo nível celular, temos que entender o que é uma célula viva e quando ela deixa de viver. É muito difícil definir o que, em essência, torna diferente a célula viva da que já morreu.

 

A definição de Hygino demonstra A dificuldade de se conceituar o momento em que a vida intra-uterina se inicia, visto que a literatura médica demonstra grandes controvérsias a respeito deste tema. Contudo, tem-se Jorge de Rezende[5], que adota um posicionamento mais objetivo:

O aborto consiste na interrupção da gravidez com a morte do feto. Para que isso ocorra. Necessário se faz o estado da gestação, que para os efeitos legais, inicia-se com a implantação do ovo na cavidade uterina, pois, a partir daí, o feto é viável. Do ponto de vista médico, a gestação se inicia com a fecundação, ou seja, quando um ovo se forma na trompa, pela união dos gametas masculino e feminino, a e partir daí de inicia a marcha do óvulo fecundado para o útero, com duração média de quatorze dias, dando-se a implantação no endométrio.

De acordo como autor supramencionado, existe diferença entre o entendimento da medicina no que tange ao início da vida intra-uterina com o que determina a meio jurídico. Tem-se que, segundo a literatura médica, a vida intra-uterina inicia-se com a formação do ovo na trompa, enquanto que para o Direito, com a implantação do ovo no útero. No mesmo sentido, tem-se a lição de Prado[6]:

 

 

O termo inicial para a prática do delito em exame é, portanto, o começo da gravidez. Do ponto de vista biológico, o início da gravidez é marcado pela fecundação. Todavia, sob o prisma jurídico, a gestação tem início com a implantação do óvulo fecundado no endométrio, ou seja, com a sua fixação no útero materno.

 

 

Depreende-se daí que, para o Direito, a partir do momento em que ocorre a implantação do óvulo fecundado no útero o sistema jurídico pátrio passa a resguardar os Direitos do nascituro, vez que esse possui expectativa de vida.

 

Neste sentido, tem-se o embasamento legal, que, apesar de não determinar quando se inicia a vida, concede certos direitos ao nascituro, conforme artigo segundo do Código Civil brasileiro: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.

 

Todavia, conforme entendimento de Rodrigues Warley[7]:

 

A interpretação lógico-literal deste artigo conduz-nos ao estabelecimento da personalidade civil do homem a partir do nascimento com vida, entretanto, os direitos do nascituro estão a salvo, não se trata de uma exceção ao artigo em estudo, pois é incontestável que a personalidade (aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações) é condicionada a dois requisitos: o nascimento e a vida.

[...]

Todavia, só o nascimento não basta. Para que o ser humano adquira a personalidade, isto é, para que seja juridicamente uma pessoa, faz-se mister a constatação de sinais inequívocos de vida, sejam esses por vagidos, movimentos próprios, a docimásia gastrointestinal, etc. A partir desse momento, afirma-se a personalidade civil.

 

Ao se analisar criticamente o entendimento do autor supracitado, conclui-se que se faz necessário dois requisitos pra que o nascituro seja possuidor de direitos. Valendo-se da doutrina do mencionado autor e a interpretando, pode-se, ainda, ir mais além afirmando que é necessário que o feto possua potencialidade de vida extra-uterina, ou seja, que sua vida seja viável fora do útero materno, para que adquira personalidade jurídica.

 

Jorge de Rezende[8] elucida de forma bastante objetiva distinções do aborto, de acordo como período de gestação em que este se deu, sendo que o aborto ovular é praticado nos dois primeiros meses de gestação; o embrionário, no terceiro e quarto meses; e o fetal, nos demais casos.

 

Em verdade, sabe-se que o nascituro não é uma pessoa, mas detentor de uma expectativa de personalidade jurídica, tanto que o crime de aborto não é confundido com o homicídio. Nesta vertente, o legislador buscou fazer essa diferenciação, exatamente porque o que se protege não é a vida, mas a expectativa desta.

 

Diferente das controvérsias que ocorrem quanto ao inicio da vida intra-uterina, quando se trata da vida extra-uterina os conceitos convergem: a via extra-uterina se inicia no momento do parto.

 

2.1 .1    MODALIDADES.

 

Para melhor compreensão deste projeto monográfico, torna-se imprescindível analisar o crime de aborto a partir de uma visão tradicional exposta pelos penalistas clássicos, pois é necessário que se elucidem todas as questões pertinentes a este crime.

 

A palavra aborto origina-se de ab que, traduzido, denota privação, juntamente com a palavra ortus que significa nascimento. Daí se entende a privação do nascimento como sendo o conceito simplório de aborto.

 

Atualmente se entende que o aborto é a interrupção da gestação, de forma natural ou provocada, ocorrendo a morte do produto da concepção, havendo a sua expulsão ou não do útero da gestante, pois há casos em que apesar de abortado o feto permanece no útero.

 

Ressalte-se que a morte deve ser resultado direto dos meios abortivos ocorridos. Este é o entendimento de Delmanto[9] :

 

Aborto é a interrupção do processo da gravidez, com a morte do feto, (...) A ação de provocar (dar causa, originar) tem forma livre e pode ser praticada por qualquer meio, tanto comissivo quanto omissivo. O crime de aborto pressupõe a gravidez (é elementar), que deve estar devidamente provada (vide jurisprudência) e é necessário que o feto esteja vivo (não configura crime a gravidez extra-uterina ou a molar). Quanto ao inicio da gravidez, as opiniões não são unânimes, dividindo-se por motivos não apenas científicos, mas também morais e filosóficos.

 

Neste diapasão, depreende-se que o fato de se omitir também incorrem na prática do crime, não ensejando somente no ato comissivo.

 

No mesmo sentido, tem-se o entendimento de Damásio de Jesus[10], afirmando que o aborto é a interrupção da gravidez com a conseqüente morte do feto (produto da concepção). Afirma ainda que o aborto pode ser natural, acidental, criminoso e legal ou permitido, sendo que o natural e o acidental não constituem crime.

 

Sendo que o aborto natural não configura como crime, assim como o acidental, assim como a própria denominação o apresenta, o permitido e o legal também são lícitos.

 

Ainda, seguindo a mesma linha de raciocínio, Mirabete[11]:

 

O aborto é a interrupção da gravidez com a morte do produto da concepção, que pode ser o ovo, o embrião ou o feto, conforme a fase de sua evolução. Pode ser espontâneo, natural ou provocado, sendo neste ultimo caso criminoso, exceto se praticado em uma das formas do art.128.

 

O autor trata ainda das formas pelas quais o aborto pode se dar[12]:

 

A primeira conduta típica é de provocar o aborto, por qualquer meio, ou seja, qualquer ato que possa produzir, promover, causar, originar o aborto, interrompendo a gravidez com a morte do produto da concepção, que pode ocorrer no útero ou fora dele. Admite-se a prática do crime por meios químicos, físicos mecânicos e elétricos, e ate por omissão. A gravidez se estende desde a concepção até o inicio do parto, exigindo-se a prova desse estado por meio de exame de corpo de delito direto, ou indireto quando desaparecido seus vestígios. Não exclui essa necessidade a confissão da agente. Além disso, é necessário a prova da relação de causalidade entre a conduta do agente e o resultado. O objeto material do delito é o produto da fecundação (ovo, embrião ou feto), não se exigindo que haja viabilidade fetal.

 

Atualmente entendem os penalistas que o crime de aborto visa proteger a vida intra-uterina, sendo este aborto causado com ou sem o consentimento da gestante, tanto que tal tipo penal está inserido, pela sistemática do Código Penal brasileiro, no Capítulo I, do Título I, da Parte Especial do CPB, denominado “Dos Crimes contra a vida”. O autor César Roberto Bittencourt[13] Traz duas definições que abarcam muito bem o conceito, elucidando ainda no que diz respeito á configuração deste crime:

 

Definição de aborto - 1. A destruição da vida até o inicio do parto configura o aborto, que pode ou não ser criminoso. Após iniciado o parto a supressão da vida constitui homicídio, salvo se ocorrerem as especiais circunstancias que caracterizam o infanticídio, que é figura privilegiada do homicídio (art.122).

Definição de aborto - 2. Aborto é a interrupção da gravidez antes de atingir o limite fisiológico, isto é, durante o período compreendido entre a concepção e o inicio do parto, que o marco final da vida intra-uterina.

Configuração do aborto. Para se configurar o aborto é insuficiente a simples expulsão prematura do feto ou mera interrupção do processo de gestação, mas é indispensável que ocorram as duas coisas, acrescidas da morte do feto, pois somente com a ocorrência desta o crime se consuma.

 

 

Conforme os conceitos apresentados, entende-se que para a configuração do crime de aborto é necessário a existência de vida intra-uterina e a ocorrência de um fato, provocado ou natural, que acarrete na morte do feto. Por questões obvias o aborto natural não se configura crime na legislação pátria, todavia o aborto provocado[14] é punido.

 

Visto os conceitos dos diversos autores, cabe transcrever os artigos. 124, 125, 126, 127 e 128, todos do Código Penal brasileiro, in verbis:

 

Art.124. Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:

Pena-detenção, de um a três anos.

Art.125. Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:

Pena-reclusão, de três a dez anos.

Art.126. Provocar aborto com o consentimento da gestante:

Pena-reclusão, de um a quatro anos.

Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência.

Art.127. As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.

Art.128. Não se pune o aborto praticado por médico:

I-se não há outro meio de salvar a vida da gestante.

II-Se a gravidez resultar de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

 

 

O artigo 124 tem em seu tipo a forma mais ampla do crime de aborto. Trata do aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento da gestante ou com o consentimento; os artigos 125 e 126 refere-se ao aborto provocado por terceiros, sem e com o consentimento da gestante, respectivamente; artigo.127 diz respeito á forma qualificada; e, por fim, o art.128 que trata das excludentes de ilicitude do referido crime, artigo este que será explorado neste trabalho, pois se busca incluir neste rol a hipótese do aborto de feto anencefálico.

 

Sendo assim, os artigos 124 a 127 do Código Penal referem-se ás formas de interrupção da gravidez que são punidos, constituindo crime de aborto, enquanto que o artigo 128 trata dos casos em que se pode interromper a gravidez, ou seja, o aborto permitido (aborto necessário ou terapêuticos e aborto no caso de gravidez resultante de estupro, denominado aborto ético ou humanitário).

 

A nomenclatura acolhida por BITTENCOURT[15] diferencia muito bem as modalidades do crime de aborto, bem como suas exceções, para o autor o artigo 124 trata do aborto provocado, o 125 aborto sofrido, 126 aborto consentido, e ainda as excludentes de ilicitude como aborto necessário (art.128 I) E ABOTO HUMANITÁRIO (128 II). Já Delmanto[16] leciona da seguinte forma:

 

Podem ser apontadas seis figuras: a. aborto provocado pela própria gestante ou auto-aborto (art. 124,1° parte); b. Consentimento da gestante a que outrem lhe provoque o abortamento (art.124, 2° parte); c. aborto provocado por terceiros sem o consentimento da gestante (art.125); d. Idem, com o consentimento ou consensual (art126); e. aborto qualificado(art127); f. aborto legal (art.128), que é impunível.

Verifica-se de plano que os autores não se diferenciam em relação ao conceito do crime nem sequer como ele se configura. A única diferença que pode ser vislumbrada trata das nomenclaturas adotadas por cada um.

 

Cabe agora verificar as modalidades de aborto, tanto as que configuram crime como as conhecidas por aborto permitido, constantes no artigo. 128 do Código Penal pátrio. São elas: se não houver outro meio de salvar a vida da gestante, chamado de aborto terapêutico ou necessário; e a segunda, se a gravidez resulta de estupro e o aborto é procedido de consentimento da gestante.

 

2.1.2   Aborto Terapêutico ou Necessário (art.128,I do C.P.)

 

Ab initio, vale atentar para o fato de que este tipo de aborto na legislação pátria configura-se como uma excludente de ilicitude, ou seja, é o chamado aborto permitido, aquele em que a prática não é punida.

 

O aborto terapêutico é aquele em que a gestante possui o direito de abortar. Ocorre quando a gestação traz perigo de vida á mulher. Vale atentar que este perigo deve se direto á vida e não somente á saúde da gestante. Um outro requisito é a inexistência de outro meio para salvar a vida mulher. Só atendendo esses requisitos é que se poderá praticar o aborto terapêutico  sem que tal conduta incorra como ilícito penal,conforme preceitua o mencionado art. 128,inciso I, do Código Penal brasileiro: “Art.128.Não se pune o aborto praticado por médicos: I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante.”

 

Lecionando sobre o tema, Delmanto[17] expõe da seguinte forma:

 

Aborto necessário (inciso I) também conhecido como terapêutico, é o aborto praticado quando não há outro meio de salvar a gestante. São, pois, seus requisitos: 1. Que corra perigo a vida (e não apenas de saúde) da gestante. 2. Inexistência de outro meio para salvar sua vida. Note-se que o CP, ao nosso ver, de forma errônea, não legitima o aborto chamado eugenesico, ainda que seja provável ou ate mesmo certo, que a criança, nasça com deformidade  ou deformidade incurável. No caso do inciso I, é indispensável a concordância da gestante ou de seu representante legal, se o perigo de vida for iminente.

 

 

 Além de conceituar as hipóteses em que o aborto é permitido, Delmanto, ao final da citação, demonstra sua opinião a cerca do aborto. Depreende-se desta afirmativa que ele também defende a interrupção da gravidez nos casos em que o feto padece de anencefalia. Contudo, tal assunto será vislumbrado posteriormente no momento oportuno. Seguindo o conceito do mencionando autor, porém divergindo quanto á necessidade de consentimento da gestante, tem-se BITTENCOURT[18]: “O aborto necessário pode ser praticado mesmo contra a vontade da gestante. A intervenção médico-cirúrgica esta autorizada pelo dispositivo nos artigos. 128, aborto necessário) e 24 (estados de necessidade).”

 

A mesma opinião é defendida por Hélio Gomes[19]:

 

Assim, para realizar este tipo de aborto, o médico deverá, documentar a evolução do caso por meios de registro periódicos dos dados da clinica e dos exames complementares, de modo a poder caracterizar a evolução desfavorável da paciente, apesar das tentativas de tratamento. Demonstrada a impossibilidade de manutenção da gravidez face o risco de vida da mãe, só então pode realizar a intervenção. A recusa da gestante em fazer o aborto não deve ser considerada se existir o iminente perigo de vida da mãe, a que alude o art.3° do art 146 do CP.

 

 

Depreende-se que a vida da gestante prepondera sobre a do feto, pois, uma vez que existe o risco de vida para a aquela, diretamente relacionado, tem-se o perigo deste alcançar o feto, pois há grandes chances da mulher não sobreviver á gestação. Deste forma, o feto também não sobreviveria. Por Motivos óbvios, não se põe em risco á vida da mulher e o aborto deverá ocorrer ainda que não consinta.

 

2.1.3  Aborto Sentimental ou Humanitário (Art.128, II do C.P)

 

O aborto humanitário, também chamado de sentimental não é considerado crime na legislação brasileira, pois se encontra inserido no artigo que trata das excludentes de ilicitude do crime de aborto.

 

Esse tipo de aborto tem sua justificativa no fato de que a gestação é conseqüência de estupro. Assim, nos casos em que a mulher for vítima de estupro[20] poderá abortar sem que lhe seja atribuída qualquer penalidade. desta forma, tem-se no inciso II do art.128 do Código Penal que “Não se pune o aborto praticado por médicos se a gravidez resulta se estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal”.

 

Segundo Celso Delmanto[21] esta modalidade de aborto inclui tanto o estupro praticado com violência real como presumida. Atualmente se entende que a permissão também alcança, por analogia, a gravidez resultante de atentado violento ao pudor. O autor afirma que se faz necessário o prévio consentimento da gestante ou de seu representante legal para interromper a gestação nesses casos, não sendo necessário a autorização judicial, in verbis:

 

A Lei não exige autorização judicial para a pratica do aborto sentimental, ficando a intervenção ao inteiro arbítrio do médico (...) Não é necessário que exista processo contra o autor do crime sexual; nem, muito menos, que haja sentença condenatória. O próprio médico deve procurar certifica-se da veracidade do alegado pela gestante ou seu representante[22].

 

 

Desse modo, tem-se como fundamento para não aplicação de sanção, neste casos, o fato de não obrigar á mulher uma maternidade que lhe é odiosa e que possa lhe trazer recordações  que acabam por abalar seu psicológico, tendo em vista que o estupro é um crime em que incide uma grande carga de violência, não só física como mental.

 

Porém, diferente do entendimento a respeito da gestação que traz risco de vida á mulher, no que tange á sua liberdade de escolha, nos casos de aborto sentimental fica a disposição da mulher, manter ou não, a gravidez resultante do crime de estupro. Neste diapasão, tem-se Hélio Gomes[23]:

 

Aspectos que poderíamos considerar de terapêuticos, já que a finalidade do aborto é poupar á mulher da tortura que seria manter viva a presente, por nove meses seguido, marca da violência. Poucas mulheres têm condições emocionais de enfrentar este problema sem abalo de saúde mental. Algumas até podem desenvolver surtos psicóticos. Entretanto, enquanto no aborto terapêutico o medico pode decidir até contra a vontade da mulher, neste ele só pode atuar após tácito assentimento da gestante, feito por escrito.

Conforme Cezar Roberto Bittencourt[24], para que não haja problemas para o médico que pratica o aborto nestes casos, é imperioso que o consentimento da gestante ou de seu representante legal se obtido por escrito ou na presença de testemunhas idôneas.

 

A questão referente ao aborto humanitário será vista mais profundamente em seguida, em momento oportuno, uma vez que se mostra necessário traçar um paralelo a respeito do aborto humanitário e do aborto de anencéfalo, sendo o primeiro pertencente às excludentes de ilicitudes previstas no art.128 do Código Penal brasileiro e o segundo considerado crime pelo ordenamento jurídico brasileiro.

 

Além das excludentes de ilicitude vista no artigo 128 do Código Penal, existem ainda outras modalidades de aborto que são lícitas em outros ordenamentos jurídicos, tais como o aborto honoris causa, o aborto social ou econômica, o aborto eugênico e a interrupção da gestante em caso de anencefalia, sendo este último, o ponto principal do presente trabalho. Todavia é imprescindível salientar que o Direito Penal brasileiro pune o aborto praticado com essas justificativas.

 

2.1.4   Aborto Honoris Causa

 

Antes de apresentar a definição, cumpre salientar, que esta modalidade de aborto é considerada crime no sistema jurídico brasileiro, vez que não participa do rol taxativo do artigo 128 do Código Penal.

 

O conceito de aborto honoris causa é bastante simplório, sendo aquele que permite que a mulher ponha fim á gestação para que não tenha sua honra abalada. Por motivo óbvios essa modalidade de aborto é punida no Brasil como em diversos outros paises isso ocorre, pois a mulher não pode levar um mero capricho sobre um bem jurídico valioso para a sociedade. Ademais, com as mudanças dos paradigmas sociais não há que se falar em desonra, atualmente, em decorrência de uma gravidez indesejada. Portanto, de modo inquestionável, o aborto honoris causa é punido.

 

2.1.5   Aborto Social ou Econômico

Assim como o aborto honoris causa, o aborto social ou econômico também é considerado crime segundo Código Penal.

 

O aborto social ou econômico seria aplicado nos casos de família numerosas, para não lhe agravar a situação social e econômica. Em outra palavras, se aplicaria nos casos em que as famílias passam pó diversas dificuldades financeiras e que o aparecimento de um novo ser somente traria mais miséria para aqueles membros, bem como para a nova vida que surgiria.

 

 

2.1.6  Aborto Eugênico

 

Deve-se vislumbrar que o termo eugenia foi criado por Francis Galton, cientista inglês, que a definiu como sendo um estudo de pessoas em busca de um melhoramento genético, tanto na forma física como mental.

 

O aborto eugênico, também conhecido como eugenésico é aquele que permite que a mulher interrompa gravidez quando há a possibilidade de que a criança nasça com taras hereditárias. Vale ressaltar que não é necessário que o feto não consiga sobreviver, bastando anomalias graves. Essa modalidade de aborto esteve em vigor na Alemanha no ano de 1933, na época de Hitler, em sua busca por seleção de raças superiores.

 

O aborto eugênico pretende não expor os pais ao sacrifico de ter um filho anormal, com deficiência que acabam por transtornar toda a vida dos progenitores, vez que precisariam de muitos recursos para que a vida de seus filhos pudesse ser prolongada. Em decorrência disso, teria a gestante o direito de decidir a respeito da interrupção ou não da sua gestação. Neste contexto, tem-se a lição de Hélio Gomes[25]:

 

A interrupção da gravidez para evitar o nascimento de um ser monstruoso, ou apenas deficiente, malformado, ampara na maioria dos códigos dos paises desenvolvidos, continua sendo considerada como crime em nosso meio. Mesmo que haja probabilidade de fetopatias graves, tal como ocorre na gravidez em que a mulher contrai rubéola no primeiro trimestre, a realização do aborto não é permitida no Brasil. Nossos legisladores entendem que a probabilidade de nascer um individuo defeituoso não autoriza o médico a eliminá-lo. Muito menos a sacrificar a vida dos que não nasceriam incapacitados.

 

 

De certa o aborto de feto anencéfalo se identifica e até se enquadra nos casos de aborto eugênico. Porém, vale frisar que este segundo é mais vasto, uma vez que engloba todas as possibilidades de taras hereditárias, incluindo casos em que o feto possui rubéola, síndrome de down e outras anormalidades. Todavia, faz-se necessário esclarecer que o enfoque do presente trabalho é somente o da descriminalização dos fetos que padecem de anencefalia, já que é sabido que não há chances destes sobreviverem fora do útero.

 

 

2.1.7 Interrupção da gestação em Caso de Anencefalia

 

Ante o exposto, vale ressaltar, inicialmente, que a nomenclatura utilizada não foi aborto de anencéfalo, mas sim, interrupção da gestação em caso de anencefalia fetal. Isto porque, para que configure o crime de aborto, se faz necessário a presença de expectativa efetiva de vida e, conforme será visto posteriormente, o feto que detém tal anomalia não possui dita potencialidade, tendo no máximo, uma sobrevida. Desta forma, não pode se falar em vida, já que o feto que padece de anencefalia, por certo, irá morrer em curto período de tempo, conforme será analisado em seguida.

 

Como já dito anteriormente, o presente trabalho não vislumbra a possibilidade de se conceder o direito à gestante o aborto nos casos em que o feto padeça de outras anomalias que não a anencefalia. Desta forma, pode-se fixar, de imediato, que a prática do aborto eugênico deve continuar configurando como ilícito penal, vez que este vai além da anencefalia, aceitando como justificativa para o abortamento qualquer doença hereditária que possa ocorrer ao nascituro, ainda que esta não o leve à morte.

 

Atente-se mais uma vez, ao fato de que a prática da interrupção da gestante nos casos de feto anencéfalo configura-se como ilícito penal no ordenamento jurídico brasileiro, contrariando, justamente, ao quanto sustentado no presente trabalho que como será visto, pretende oferecer a possibilidade à gestante de opção pela interrupção da gestação, nos casos em que sua prole possui tal enfermidade.

 

Merece destaque, mesmo que ainda superficialmente, o conceito de anencéfalo, tendo em vista ser imprescindível para o enfoque pretendido. Cabe agora elucidar de forma objetiva o que se entende atualmente como enencefalia. Assim, em síntese, pode-se dizer que é a má-formação cerebral do feto, tornando impossível a perpetuação da vida fora do útero.

 

É imprescindível atentar para o fato de que o Código Penal vigente no ordenamento jurídico brasileiro é de 1940, sendo certo que aquela época não existiam recursos médicos capazes de detectar se um feto possuía anencefalia. Assim, não por outro motivo, pode-se extrair que a tipificação, ou a não inclusão nas modalidades de excludentes de ilicitude, se deu, justamente, pelo fato anteriormente mencionado, qual seja, incapacidade médico-científica para detectar tal anormalidade fetal.

 

2.2  Direito à Vida

 

No entanto, a vida se inicia no momento do parto. Contudo, antes disso o ordenamento jurídico já protege o nascituro, sendo este detentor de expectativa de direito.

 

Pode-se afirmar, assim, que o feto possui potencialidade para a vida humana, o que não quer dizer que o feto seja uma pessoa, visto que seu potencial ainda não se realizou. Isso é o que se pode extrair do entendimento de José Afonso da Silva[26], vez que denota-se que o conceito de vida é aquele que não se pauta somente na questão biológica, mas, também, biográfica, ou seja, que depende da dinâmica vital e do respeito à dignidade da pessoa humana, tendo em vista não se contentar com uma vida inviável:

 

Vida, no texto constitucional (art.5°,caput), não será considerada apenas no seu sentido biológico de incessante auto-atividade funcional, peculiar à matéria orgânica, mas na sua acepção biográfica mais compreensiva. Sua rigidez é de difícil apreensão porque é algo dinâmico, que se transforma incessantemente sem perder sua própria identidade. É mais um processo (processo vital), que se instaura com a concepção (ou germinação vegetal),transforma-se progride, mantendo sua identidade, até que muda de qualidade, deixando, então, de ser vida para ser morte. Tudo que interfere em prejuízo deste influir espontâneo e incessante contraria a vida.

O pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, aprovado pela XXI sessão da Assembléia Geral das Nações Unidas, reza, na Parte II, art. 6° o seguinte: “O direito à vida é inerente à pessoa humana. Este direito deverá ser protegido pela lei, ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida”.

 

O Art. 5°, caput da Constituição Federal de 1988, assegura, a todos os brasileiros estrangeiros residentes no Brasil, o direito á vida. Diz a Carta Magna: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.

 

O direito à vida é intrínseco à pessoa humana, brotando com o nascer e acabando com a morte. Primeiro, faz-se necessário nascer para que lhe seja concebido a personalidade jurídica. Dessa forma, conclui-se que só tem direito à vida a pessoa humana que já nasceu e não o nascituro que detém expectativa somente.

 

Desse modo, o feto ainda não é detentor de vida biológica completa, mas possuidor de expectativa desta. Contudo, uma vez que o feto não demonstra possibilidade de permanecer vivo fora do útero materno, sequer existe o direito à expectativa e, assim, não há porque se falar em qualquer possibilidade de se conceder direito.

 

2.2.1. Anencefalia - Conceito

 

Inicialmente, para que se possa ter domínio sobre o tema abordado, mostra-se imprescindível a definição do que seja anencefalia. Esta não é a ausência de cérebro, como é erroneamente conceituada. Em verdade, e o feto que padece desta anomalia pode possuir resquícios do tronco encefálico, conforme expõem Sônia Garcia e Casemiro Fernandez[27]:

 

Anencefalia: nessa má-formação, ocorre falha no fechamento do neuróporo anterior durante a quarta semana  desenvolvimento. A porção cefálica do tronco neural permanece aberta e, em vez de cérebro, forma-se uma massa de tecido degenerado exposta à superfície, conseqüentemente a abobada craniana esta ausente. Essa má-formação pode ter continuidade com a medula espinhal, que se apresenta aberta na região cervical ou em maior extensão - os olhos apresentam-se saltados e o pescoço ausente.

 

Com feito, a anencefalia se dá durante a gestação ocorrendo um defeito no fechamento do tubo neural do feto. Desse modo, o nascituro acaba por não apresentar os hemisférios cerebrais e o córtex, existindo apenas, em raros casos, resíduo do tronco encefálico.

 

Desse modo, como não ocorre o fechamento da calota craniana, o feto não tem a composição encefálica ou, caso tenha, esta é amorfa, encontrando-se solta no liquido amniótico ou deste separada por uma membrana. Portanto, não existe a constituição dos hemisféricos cerebrais e nem do córtex cerebral (que constituem a estrutura cerebral). Nesse diapasão, tem-se o ensinamento de Sadler Langman[28]:

 

 

A encefálica caracteriza-se pelo não fechamento de parte cefálica do tubo neural. Em conseqüência, a calota craniana na se forma deixando exposto o encéfalo malformado. Posteriormente, este tecido degenera, deixando uma massa de tecido neurótico. Este defeito é denominado anencefalia, apesar de o tronco encefálico permanecer intacto.

 

 

Como dito anteriormente, existe certa parte do cérebro que possui chance de não ser danificada (tronco encefálico), localizado na parte inferior, já que não entrou em contato com o líquido amniótico. Ou seja, a estrutura encefálica mais interna fica protegida.

 

Conforme General Fenichel[29], a anencefalia é o resultado de um defeito de fechamento do neuróporo anterior, assim como a mielomeningocele[30]. No mesmo sentido, lecionam Keith Moore e Persaud[31]:

 

 

A meroanencefalia, ou anencefalia – ausência de encéfalo, é o defeito mais grave e também a anomalia mais comum que afeta o SNC[32] [...].Apesar do termo anencefalia (do gr. Na, sem; enkephalos, cérebro) ser comumente usado, ele é errado, pois o cérebro não está ausente. As evidencias disponíveis sugerem que o distúrbio primário (p. ex, uma droga teratogênica); afeta o neuroectoderma, levando á não fusão das pregas neurais formar o tubo neural na região do encéfalo. Isto leva á meroanencefalia (ausência de encéfalo anterior e encéfalo médio e ao desenvolvimento rudimentar do encéfalo posterior) e à espinha bífida cística.

Assim, pode-se considerar, de forma preliminar, que, como não existem as funções superiores do sistema nervoso central, o nascituro não possui potencialidade de vida extra-uterina, ou seja, sua morte é certa em curto período de tempo. É o que se pode extrair dos ensinamentos de Moore e Persaud[33]: “Com a placa neural, que constitui o primórdio do SNC, surge durante a terceira semana e origina as pregas neurais, os distúrbios de neurulão podem resultar em graves anormalidade do encéfalo e medula espinhal”.

 

O feto poderá, em raros casos, conseguir respirar sem auxilio de aparelhos, já que a parte do cérebro responsável pela respiração encontra-se no trono encefálico. Contudo, as outras funções do sistema nervoso central continuam prejudicadas, sendo certo que, mesmo nestes casos constitui-se inviabilidade de vida. Este mesmo entendimento é o que se vilumbra ao observar o ensinamento de Ricardo Nitrini e Luis Bacheschi[34]:

 

 

Os processos envolvidos na gêneses da anencefalia não ocorrem depois da 24° dia de gestação, sendo o poliidrâmnio um achado freqüente durante a gestação. Aproximadamente 75% das gestações resultam em abortamentos espontâneos e o restante em recém-nascido (RN) que falecem no período neonatal.

 

 

Desta forma, depreende-se que cerca de 25% (vinte e cinco por cento) das gestações de feto que padecem de anencefalia chegam ao final. Com tal índice, conclui-se que existe um grande risco às gestantes, vez que o abortamento, mesmo o espontâneo, gera risco à saúde da mulher.

 

Desta forma, observa-se ainda, que é, pacifico em todo o meio médico - cientifico, a impossibilidade de perpetuação da vida do feto, sendo que em 100% (cem por cento) dos casos o nascituro não sobreviverá. Neste sentido, tem-se Jorge Andalaft Neto[35]: “A orientação dada ao casal deve sempre ser esclarecedora, demonstrando que se trata de patologia fetal letal em 100% dos casos, e que o recém-nato poderá falecer minutos após o parto”.

Em resumo, por não possuir a parte superior do cérebro responsável por diversas funções como a consciência e cognição, o feto não conseguirá sobreviver por tempo razoável fora do útero. Afirmar-se, daí, que há inviabilidade da vida extra-uterina do feto.

 

Atualmente o ordenamento jurídico brasileiro entende que a interrupção da gestante mesmo em caso de anencefalia constitui crime, vez que não pertence às excludentes de ilicitude pertencentes ao Código Penal Brasileiro. Portanto, este mesmo ordenamento deve conceder o direito à gestante de interromper a gestação em caso de anencefalia, já que esta hipótese encontra-se coerente com os princípios constitucionais, bem como com algumas normas infraconstitucionais.

 

 

3  METODOLOGIA

 

     3.1 Método de Abordagem

           

Essa monografia aplicará o método empírico, tendo como base a análise da norma jurídica no contexto da realidade social em que se manifesta. Através da observação de fatores relacionados ao campo da ética, da moral, da medicina, do direito, da religião e da filosofia, os quais buscará a solução para a problemática abordada.

 

      3.2 Método de Procedimeto

 

Essa monografia utilizará como métodos de procedimento tanto a observação direta quanto a indireta. A primeira será realizada através de instrumentos como a coleta e análise da doutrina, bem como da legislação e da jurisprudência.  A observação indireta, por sua vez, é utilizada quando não é possível obter os dados de forma direta. Assim, serão utilizados dados encontrados na doutrina ou em outros meios, como artigos de algum autor referente a matéria.

 

    3.3 Tipo de Pesquisa

 

Bibliográfica, consubstanciada no cotejo do pensamento de alguns autores penalistas que escreveram sobre o tema tão atual e complexo, sobretudo no tocante a falta de tipificação da lei frente ao sofrimento da gestante em levar consigo um feto em que não viverá caso efetivamente venha a nascer.

 

 

 

4 CRONOGRAMA

 

 

 

Atividades/Períodos

D

E

Z

07

J

A

N

08

F

E

V

08

M

A

R

08

A

B

R

08

M

A

I

08

J

U

N

08

A

G

O

08

S

E

T

08

O

U

T

08

N

O

V

08

Levantamento

Bibliográfico

X

X

X

 

 

 

 

 

 

 

 

Leitura e fichamento do material bibliográfico

X

X

X

 

 

 

 

 

 

 

 

Capítulo 1

 

X

X

X

X

 

 

 

 

 

 

Capítulo 2

 

 

 

 

 

X

 

 

 

 

 

Capítulo 3

 

 

 

 

 

 

X

 

 

 

 

Introdução/Conclusão

 

 

 

 

 

 

 

 

X

 

 

Envio para revisão final do Orientador e correção ortográfica

 

 

 

 

 

 

 

 

 

X

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Encontros com o orientador

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0

1

1

2

2

2

2

1

3

3

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

 

 

ANDALAFT, Jorge Neto. Anencefalia: posição da febrasgo, Disponível em: http://www.febrasgo.org.br/anencefalia1.htm.

 

BELO, Warley Rodrigues. Aborto. Belo Horizonte: DelRey, 1999.

 

BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado. 2 ed; São Paulo: Saraiva, 2004.

 

BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal. Vol 2: 2 ed; São Paulo: Saraiva, 2002.

 

DELMANTO, Celso et al.. Código Penal Comentado. 6. ed.; Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

 

FENICHEL, Gerald M., Neurologia Pediátrica, Sinais e Sintomas; 3. ed.; Rio de Janeiro: Revinter, 2000.

 

GARCIA, Sonia Maria e FERNANDEZ, Casemiro Garcia, Embriologia: 2. ed.; Porto Alegre: Artmed, 2001.

 

GOMES, Hélio. Medicina Legal, 33: Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2004.

 

JESUS. Damásio E. de Direito Penal. Vol.2.24 ed.. São Paulo: Saraiva, 2001.

 

MIRABETE. Julio Fabrini. Código Penal Interpretado. 2° ed. São Paulo: Atlas Jurídico, 2001.

 

MOORE, Keith L.; PERSAUD, T.V.N..  Embriologia Básica, 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 2000.

 

NITRINI, Ricardo e BACHESCHI, Luis A.. A Neurologia que Todo Médico Deve Saber, 2. ed. São Paulo: Atheneu, 2003.

 

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Vol 2 – Parte Especial. 2 ed.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

 

REZENDE, Jorge de Obstetrícia, 10 ed. São Paulo: Guanabara, 2005.

 

SADLER, T. W. Langman, Embriologia Médica, 7. ed.; Rio de Janeiro: Guanabara, 1997.

 

SILVA, José Afonso. Curso de Constitucional Positivo. 28. ed.. São Paulo: Malheiros, 2007.

 

 

 

 

 

 



[1] BITTENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal. Vol. 2; 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 155

[2] BITTENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal. Vol. 2; 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2002; p. 155/156

[3] Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 3 ed; Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p435

[4] GOMES, Hélio. Medicina Legal, 33: Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2004, p 69Nova Fronteira, 1999, p435

[5] REZENDE, Jorge de Obstetrícia, 10 ed. São Paulo: Guanabara, 2005, p. 122/123

[6] PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Vol 2 – Parte Especial. 2 ed.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 97 (nota de rodapé n. 24)

[7] BELO, Warley Rodrigues. Aborto. Belo Horizonte: DelRey, 1999, pg 27

[8] REZENDE, Jorge de Obstetrícia, 10 ed. São Paulo: Guanabara, 2005, p. 178

[9] DELMANTO, Celso et al.. Código Penal Comentado. 6. ed.;Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p268.

[10] JESUS. Damásio E. de Direito Penal. Vol.2.24 ed.. São Paulo: Saraiva, 2001, p 119.

[11] MIRABETE. Julio Fabrini. Código Penal Interpretado. 2° ed. São Paulo: Atlas Jurídico, 2001, p 790.

[12] MIRABETE. Julio Fabrini. Código Penal Interpretado. 2° ed. São Paulo: Atlas Jurídico, 2001, p 791.

[13] BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal. Vol 2: 2 ed; São Paulo: Saraiva, 2002, p 158.

[14] Aborto provocado: Aquele em que houve atuação humana.

[15] BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal. Vol 2: 2 ed; São Paulo: Saraiva, 2002, p 156

[16] DELMANTO, Celso et al.. Código Penal Comentado. 6. ed.;Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p268.

[17] DELMANTO, Celso et al.. Código Penal Comentado. 6. ed.;Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p269/270.

[18] BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal. Vol 2: 2 ed; São Paulo: Saraiva, 2002, p 156.

[19] GOMES, Hélio. Medicina Legal, 33: Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2004, p 69Nova Fronteira, 1999, p 123.

20 Código Penal, art. 213: “Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça”.

21 DELMANTO, Celso et al.. Código Penal Comentado. 6. ed.;Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p269/270

22 DELMANTO, Celso et al.. Código Penal Comentado. 6. ed.;Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p270

23 GOMES, Hélio. Medicina Legal, 33: Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2004, p 69Nova Fronteira, 1999, p 123.

 

[24] BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado. 2 ed; São Paulo: Saraiva, 2004, p 439.

[25] GOMES, Hélio. Medicina Legal, 33: Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2004, p 417.

[26] SILVA, José Afonso. Curso de Constitucional Positivo. 28. ed.. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 197.

[27] GARCIA, Sonia Maria e FERNANDEZ, Casemiro Garcia, Embriologia: 2. ed.; Porto Alegre: Artmed, 2001 p. 394.

[28] SADLER, T. W. Langman, Embriologia Médica, 7. ed.; Rio de Janeiro: Guanabara, 1997, p. 250.

[29] FENICHEL, Gerald M., Neurologia Pediátrica, Sinais e Sintomas; 3. ed.; Rio de Janeiro: Revinter, 2000, p 405

[30] “Compeende todos os defeitos no fechamento do tubo neural e suas coberturas. Ocorre durante a terceira e quartas semanas de gestação. O mesoderma que circunda o tubo neural da origem ao crânio e às vértebras, mas não à pele. Portanto, os defeitos do fechamento final do tubo neural e seus envólucro não impossibilitam a presença de uma cobertura. (FENICHEL Gerald M., Neurologia Pediátrica, Sinais e Sintomas; 3. ed..; Rio de Janeiro: Revinter, 2000, p. 2000, p. 293.).

[31] MOORE, Keith L.; PERSAUD, T.V.N..  Embriologia Básica, 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 2000, p. 63

[32] Sistema Nervoso Central.

[33] MOORE, Keith L.; PERSAUD, T.V.N..  Embriologia Básica, 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 2000, p. 53

[34] NITRINI, Ricardo e BACHESCHI, Luis A.. A Neurologia que Todo Médico Deve Saber, 2. ed. São Paulo: Atheneu, 2003, p. 418.

[35] ANDALAFT, Jorge Neto. Anencefalia: posição da febrasgo, Disponível em: http://www.febrasgo.org.br/anencefalia1.htm.