O ''EFETIVO'' ESTABELECIMENTO PRESTADOR E A INCIDÊNCIA DO ISS

Por Rodolfo Schöntag | 26/11/2009 | Direito

O "EFETIVO" ESTABELECIMENTO PRESTADOR E A INCIDÊNCIA DO ISS

Rodrigo J. de Oliveira [1]

Rodolfo R. Schöntag [2]

resumo:

O presente artigo aborda o tema do local de incidência tributária do imposto sobre serviços de qualquer natureza – ISSQN e o entendimento doutrinário e jurisprudencial relativo ao assunto.

palavras-chave:

Imposto sobre serviços de qualquer natureza. ISSQN. Arrecadação municipal. Administração tributária.

Novembro de 2006.

1INTRODUÇÃO

Ainda persiste a guerra para a definição do local para o recolhimento do Imposto Sobre Serviços (ISS), ou seja, qual é realmente o Município competente para cobrar o imposto.

A polêmica é trazida pelas incertezas da legislação infraconstitucional, que não obedeceu ao princípio da territorialidade e trouxe divergências na definição do local onde o imposto é devido, além das teses defendidas pelas empresas instaladas nos chamados "paraísos fiscais".

A problemática trazida para os casos de difícil determinação de onde e quando ocorreu a efetiva prestação do serviço abre precedente para aumentar ainda mais a guerra fiscal existente entre os municípios.

O Superior Tribunal de Justiça adotou posicionamento que prestigia o local da ocorrência da efetiva prestação do serviço, mesmo após a vigência da Lei Complementar nº 116/2003, que apenas absorveu os casos já pacificados nos tribunais.

Referida lei ainda trouxe o conceito de estabelecimento prestador, afinando-se com a doutrina e jurisprudência para minimizar as estratégias adotadas pelos sujeitos passivos da obrigação tributária.

2REGRA CONSTITUCIONAL DO ISS E LEGISLAÇÃO VIGENTE

O artigo 156, inciso III, da Constituição Federal dispõe que é competência dos municípios instituírem o imposto sobre serviços (ISS):

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

  ...

III – serviços de qualquer natureza não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.

A regra constitucional determina que o imposto incida sobre os serviços não compreendidos na competência tributária dos Estados, devendo estar descritos em lei complementar.

Atualmente é a Lei Complementar 116 de 2003 que determina as regras referentes ao tributo em questão, determinando os sujeitos ativos do tributo, sujeito passivo na qualidade de contribuinte e na qualidade de responsável tributário.

Entretanto, a regra sobre o local e momento da incidência do ISS não foi totalmente resolvida, de maneira que a polêmica persiste. O certo é que, da análise dos elementos trazidos pela Lei Complementar 116/03, deve prevalecer a regra que prestigia o momento e o local da efetiva prestação do serviço.

3LOCAL DA INCIDÊNCIA DO ISS: O POSICIONAMENTO DO STJ E DA LEGISLAÇÃO

Independentemente da norma vigente sobre o ISS, o Superior Tribunal de Justiça - STJ posicionou-se de maneira a prestigiar a efetiva prestação do serviço, especialmente em virtude das lacunas criadas pela legislação infraconstitucional que deram azo às políticas de elisão, evasão e até sonegação fiscal.

O Decreto-Lei nº 406/68 tomou como regra principal a incidência em razão do estabelecimento prestador, considerando exceção a da incidência do ISS em razão do local da prestação de serviços. Assim dispõe referido decreto-lei:

"Art. 12 – Considera-se local da prestação do serviço:

 a) o do estabelecimento prestador ou, na falta de estabelecimento, o do domicílio do prestador;

b) no caso de construção civil, o local onde se efetuar a prestação;

c) no caso do serviço a que se refere o item 101 da Lista Anexa, o Município em cujo território haja parcela da estrada explorada."

 

A regra que nasceu com intuito de solucionar acabou criando uma problemática no sistema tributário dos municípios, prejudicados pela guerra fiscal que se instalou.

Utilizando-se do Decreto-Lei nº. 406/68 as empresas passaram a instalar "sedes de fachada" em municípios com alíquotas de ISS que beiravam a "isenção", determinando-os como locais do pagamento do tributo, mesmo que a prestação do serviço ocorresse em outros municípios, até em casos que não havia qualquer estrutura mínima que caracterizasse o "estabelecimento prestador".

Referida manobra distorceu o conceito de estabelecimento prestador, assim como o objetivo do legislador em resolver os casos excepcionais de difícil determinação do local e do momento da prestação do serviço. O que não poderia prevalecer era a incidência do tributo em local inexistente, de "fachada".

O Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento de que o local de incidência e do pagamento do ISS deve ser onde se dá a efetiva prestação do serviço, sendo irrelevante a localização da sede da empresa ou de qualquer outro equipamento que desvirtuasse a ocorrência do fato gerador. A vigência da Lei Complementar nº. 116/2003 em nada alterou o posicionamento do STJ.

A Lei Complementar nº. 116/2003 esclareceu alguns pontos controvertidos sobre o local da incidência e do pagamento do imposto, ao aumentar as hipóteses de recolhimento no local da prestação do serviço:

Art. 3o. O Serviço considera-se prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador ou na sua falta de estabelecimento, no local de domicilio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXII (...).

A lei atual manteve a regra geral do art. 12 do Decreto-Lei 406/68. Entretanto as exceções a essa regra foram ampliadas, não se limitando apenas aos serviços de construção civil.

O legislador relacionou os serviços até então objetos de questionamentos judiciais, determinando a incidência do tributo no local da prestação do serviço, de acordo com o posicionamento adotado pelos tribunais superiores.

O legislador poderia ter pacificado a questão de forma definitiva se fosse adotada a regra da competência do local em que o serviço é prestado. Outra inovação foi a da definição do que seria estabelecimento prestador:

"Art. 4° Considera-se estabelecimento prestador o local onde o contribuinte desenvolva a atividade de prestar serviços de modo permanente ou temporário, e que configure unidade econômica ou profissional, sendo irrelevante para caracterizá-los as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato ou qualquer outras que venham a ser utilizadas."

 

Analisando-se mais detidamente referido artigo, o conceito está intimamente ligado ao efetivo local do desenvolvimento da "atividade de prestar serviços", em consonância com a jurisprudência do STJ.  

Bernardo Ribeiro de Morais, ainda na vigência do Decreto-Lei nº. 406/68, já abordava o tema sob o enfoque da efetiva prestação do serviço:

"A lei faz referência a "estabelecimento prestador". Assim, qualquer estabelecimento do contribuinte poderá determinar o local de incidência do ISS, pouco valendo a importância do estabelecimento (sede, matriz, filial, sucursal ou agência), ou o local onde esteja centralizada a escrita. O essencial é que o referido estabelecimento seja o "prestador" do serviço e não outro (p. 489)."

Entretanto, várias interpretações foram desvirtuando o conceito do efetivo estabelecimento prestador que, como não poderia ser diferente, prestigia o local da efetiva prestação do serviço, o fato gerador determinante para a cobrança do tributo.

O certo é que as regras que determinam a competência para a cobrança do ISS não podem estar dissociadas do local e do momento da incidência.

O ISS é devido no momento da prestação de serviço, no instante em que ocorre a exteriorização do fato gerador.

O artigo 116, "I", do Código Tributário Nacional, determina a regra a ser seguida:

"Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos:

I - tratando-se de situação de fato, desde o momento em que o se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios;

Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.(Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001)"

Conforme estabelece a Lei Complementar 116/2003, o fato gerador ocorre com a prestação do serviço, o que determina por conseqüência o momento da incidência do tributo, independentemente de outros elementos que não exteriorizam o fato gerador, como, por exemplo, assinatura de contrato.

E para ajustar a ordem das coisas, os tribunais superiores posicionaram-se no sentido de garantir aos municípios o preceito de onde efetivamente ocorre a efetiva prestação do serviço e a competência de cobrar o ISS.

Mesmo em fatos havidos antes da vigência da Lei Complementar 116/2003, o STJ já prestigiava o local da efetiva prestação de serviço. Mudou o fato de alguns casos estarem expressos na lei atual:

Recurso Ordinário. Mandado de Segurança. Tributário. ISS. Local da Prestação do Serviço.

1. As duas Turmas que compõem a Primeira Seção desta Corte, mesmo na vigência do art. 12 do Dec-lei nº 406/68, revogado pela Lei Complementar nº 116/2003, pacificaram entendimento no sentido de que a Municipalidade competente para realizar a cobrança do ISS é a do local da prestação dos serviços, onde efetivamente ocorre o fato gerador do imposto.

2. Ademais, nos termos do art. 106 do CTN, em caso de situação não definitivamente julgada, a lei tributária aplica-se a ato ou fato pretérito quando deixe de defini-lo como infração.

3. No particular, não mais subsiste qualquer das penalidades aplicadas nos autos de infração baixados pelo Município da sede da empresa, pois a Lei Complementar nº 116/2003 estabelece em seu art. 3º, inc. XVI, que para os serviços de vigilância a competência para realizar a cobrança do ISS é do ente municipal do "local dos bens ou do domicílio das pessoas vigiadas".

4. Recurso ordinário provido[3].

O STJ continua com o entendimento de que o local da incidência do ISS é o da prestação do serviço e que a vigência da Lei Complementar 116/03 só veio pacificar o entendimento a respeito dos serviços questionados.

4CONSIDERAÇÕES FINAIS

Bernardo Ribeiro de Moraes já em 1975 entendia que "o critério genérico deveria ser o do ISS ser devido no local da prestação do serviço" (p. 494).

A Lei Complementar 116/03 ampliou o número de hipóteses em que o imposto deverá se recolhido no local da prestação do serviço, respeitando o que traduz o Princípio Constitucional da Territorialidade, mas não exauriu toda a problemática em torno do tema.                        

Trouxe também regras para pacificar o entendimento sobre o estabelecimento prestador ao apresentar o conceito, com a intenção de reforçar posição que prestigia o efetivo estabelecimento prestador associado à efetiva prestação do serviço.

Outro instituto que avançou foi o da substituição tributária, que determina os responsáveis pelo recolhimento do tributo, reforçando também o local da efetiva prestação do serviço.

Os mecanismos trazidos pela Lei Complementar nº. 116/2003 não garantem o fim da guerra fiscal entre os municípios, porém reforçam o entendimento de que a efetiva prestação do serviço é condição determinante para apontar o efetivo estabelecimento prestador. E a regra de determinação do local da incidência do ISS deve ser através da análise conjunta dos elementos postos na lei e não de acordo com a conveniência dos sujeitos passivos.

REFERÊNCIAS

BALLEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11 ed. Atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 1999. 

BARRETO, Aires F.. ISS na Constituição e na Lei. São Paulo: Dialética, 2003. 

CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2002.

COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional. São Paulo: Atlas, 2004. 

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2002. 

MARTINS, Sérgio Pinto. Manual do Imposto Sobre Serviços. São Paulo: Atlas, 2002. 

MORAES, Bernardo Ribeiro de. Doutrina e Prática do Imposto sobre Serviços. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1975. 

OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Manual do Imposto Sobre Serviço. Campinas: LZN Editora, 2004. 

PAULSEN, Leandro. Direito Tributário – Constituição e Código à luz da Doutrina e da Jurisprudência. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 997.

Endereços pesquisados: 

www.presidência.gov.br, acessado em 27/11/2006.
www.stf.gov.br, acessado em 04/12/2006.
www.stj.gov.br, acessado em 22/11/2006.
www/.tj.sc.gov.br, acessado em 17/11/2006.


[1] Advogado. Especialista em Direito Público pela Escola Superior da Magistratura Federal do Estado de Santa Catarina (2004). Graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC (2002).

[2] Advogado e Consultor. Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ), Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE/FGV) e Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (EBAPE/FGV). Obteve Habilitação Específica em Direito Mercantil e Graduação em Ciências Jurídicas e Sociais – Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - RS (2001). Tem experiência na área de Direito Administrativo, com ênfase em Direito Público Municipal.

[3] RMS-17156-SE. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança, 2003/0175003-5. Ministro Castro Meira. Segunda Turma. Data do julgamento: 10/08/2004.