Nozin

Por Joacir Soares d'Abadia | 06/08/2009 | Contos

Joacir Soares d'Abadia

As histórias sempre existiram. Elas foram contadas para cada geração, de forma que, se atualizavam quando eram contadas. Porém, continuavam histórias. Isso, porque elas colocavam os homens em uma dimensão que transportavam de uma realidade à outra sem que o deixasse de estar vivendo o presente. Então, para tanto, existiram os homens que contavam as histórias as novas gerações. Eles falavam de algo já passado para tentar explicar o seu "agora". Deles, tem-se um homem chamado Domingos. Esse, pelas suas histórias que, às vezes, ele mesmo as inventava ou contavam as que já sabiam ficou conhecido como Nozinho. E, com a intimidade dos seus ouvintes, logo foi tido como Nozin. Ele que dava nó antes histórias que contavam, mas que, antes de dar um remate final nas mesmas fazia-as parecerem verdadeiras, quando não as eram.

Contudo, para se começar uma história, como bem se entende, precisa de alguns elementos especiais: tempo, espaço, lugar... No entanto, Nozin burlava esses subsídios. Mas, todavia, acrescentava seu próprio elemento, o qual via como sendo indispensável: "só se conta história de barriga cheia", afirmava.

Isso queria dizer que para haver uma atenção especial para algo de tamanha importância, não se poderia nada inquietar a pessoa, nem mesmo, e, jamais, a fome.

As histórias eram contadas como que em uma celebração litúrgica. Tinha, portanto, um rito. E olhando para o que seja celebração, pode-se dizer, sem querer ferir a sacralidade e o mistério que Nozin celebrava uma "missa". Suas histórias eram contadas com grande solenidade.

O rito... Seguia uma lógica. Após o jantar reuniam filhos, esposa, amigos, vizinhos... Para contarem "histórias de barriga cheia". Esse nome era somente pelo fato de ser logo depois do jantar? Não. O nome era dado por Nozin porque as crianças gostavam de ouvir histórias. Elas queriam as histórias a todo instante, então, Nozin dá nó nas crianças inventado o nome de suas histórias. Por outro lado, ajudava-as comerem, visto que algumas ficavam sem apetite facilmente. O ritual era, como se vê, simples, mas persuasivo. Todas tinham que se adaptar à forma colocada pelo contador de histórias...

Em uma noite, estando todos alimentados, Nozin contou uma história.ele dizia que aquela história tinha acontecido, porém,há muitos anos atrás.

A história é a respeito de São Pedro e Jesus Cristo... Assim, Nozin inicia...

Depois que Deus criou tudo... "Ele viu que tudo era bom" como diz o livro do Gênese. Então, passado milhões de anos, Jesus, depois de ter escolhido os Doze Discípulos, chama Pedro para saírem abençoando a Criação.

Jesus, passando perto de uns pés de uvas, as abençoa. São Pedro fica olhando as uvas e o seu caule... Mas nada diz a Jesus.

Então, chegam a uma plantação de milho e Jesus a abençoa. No mesmo plantio tinha alguns pés de melancias. Essas eram grandes e saborosas. Saborosas somente na idéia de São Pedro! Jesus, com efeito, abençoa-as. Com isso São Pedro se indignou com Cristo porque dizia que era errado abençoar uma planta daquela, visto que tinha uma rama fina com fruto grande. Ele dizia a Jesus que aquilo era desproposital. Contudo, Jesus com todo seu amor diz pra seu discípulo que naquele momento ele não compreendia, mas depois ele haveria de compreender tudo. Mesmo assim, São Pedro não gostou daquela atitude do seu Mestre.

Foram caminhando até chegar em um pé de pitombeira que estava amarelo de tanto fruto.ficaram descansando de baixo da árvore. Na sombra, São Pedro questiona Jesus sobre as coisas que Ele abençoava. Mas Jesus dizia para seu discípulo que as coisas de Deus não são do jeito que os homens querem. Deus sabe o que faz Ele é Deus.

Conversando ainda, cai uma pitomba na cabeça de São Pedro. Ela que caíra lá daquelas alturas que parecia não ter fim de tão alta que era a árvore, deixando por alguns segundos a São Pedro tonto. Suas vistas escureceram. Ele sentiu náusea. Logo, todavia, tudo aquilo tinha passado.

Então, Jesus diz a São Pedro: "Pedro, estou certo ou errado em abençoar a melancia que dá no chão?" Anda com as mãos na cabeça São Pedro diz que Jesus estava certo, porque uma pitomba, pequena como era, que caiu em sua cabeça lhe deixou tonto, imagine se fosse uma melancia!!!

Com isso, Jesus chama São Pedro para seguirem viagem, mas esse pede a seu Mestre para que abençoasse o pe de pitombeira. Seu Mestre, assim, o fez.

Com esta história ou conto como as crianças chamavam, Nozin catequizavam as crianças... Enquanto explicava o significado do conto uma criança disse se recordar de uma outra história que ele havia lhe contado e que era também sobre São Pedro e Jesus. Porém, São Pedro era um pouco diferente. Ele não discordava de Jesus quanto esta história que acabamos de ouvir, antes, ele fazia tudo com preguiça.

A criança começa a história dizendo que seu tio Nozin disse que São Pedro e Jesus saíram...

Eles andaram todo o dia. Somente ao entardecer que encontra uma fazenda grande e bela para poderem descansar.

Logo que chagaram na fazenda foram bem acolhidos por uma senhora, porém, o fazendeiro não estava gostando muito daquela visita porque tanto São Pedro quanto Jesus pareciam pobres. Ambos estavam com vestes molhadas de suor e com alguns rasgões.

Os viajantes pediram para dormir, somente aquela noite, na fazenda e diziam que ao romper da aurora deveriam seguir viagem. O rico fazendeiro disse que eles poderiam, desde que pagasse pela hospedagem. Jesus concordou e disse que pagaria o preço que fosse justo. Então, foram dormir.

Já deitados, a senhora disse a seu marido que não era justo cobrar, Poe uma noite, daqueles pobres homens. Mas seu esposo disse que o que falou estava dito e não voltava atrás.

No outro dia, estando o fazendeiro e sua esposa sentados para tomarem o café, chegam seus hóspedes. Jesus os saúda e vai logo perguntando quanto era a pensão juntamente com o café da manha, visto que iriam tomarem juntos. O fazendeiro disse que os dois ficariam por vinte reais. Isso dito, Jesus tira de sua bolsa uma enorme quantia de dinheiro. Era um pacote de dinheiro com cédulas de vinte, cinqüenta e cem reais.

No meio de tanto dinheiro, Jesus tira o que era justo e entrega ao fazendeiro dizendo que se fosse mais caro poderia falar pois Ele pagaria com amor.

O fazendeiro, olhando para tanto dinheiro, se arrepende de ter pedido somente vinte reais e ficava imaginando que deveria ter pedido cinquenta reais pela pensão e cinquenta pelo café. Mas nada diz. No entanto, Jesus percebendo que ele queria bem mais, ainda insiste dizendo que se aquela paga não fosse suficiente Ele pagaria mais. Com isso, a senhora disse que aquilo tinha sido até demais, visto que ela mesma não cobraria nada.

Eles se despedem e vão embora. Jesus e São Pedro iam caminhando e esse disse: "O Senhor viu como o rico ficou querendo mais dinheiro?" Jesus disse para São Pedro fazer silêncio e tirar um grande cipó, porque ele iria precisá-la. São Pedro, porém, em desobediência a Jesus, tirou um cipó pequeno. Mesmo com a insistência de Jesus para que ele tirasse um cipó maior, de nada adiantava, porque São Pedro articulava que aquele já estava bom.

Com o cipó na mão São Pedro quis saber pra que aquilo, Jesus disse para que Pedro levasse, somente isso.

Em uma curva da estrada Jesus disse pra Pedro que ele deveria usar aquele cipó. Então, São Pedro olhando por trás de uma moita, encontra o fazendeiro com uma espingarda apontada para eles. Jesus, com efeito, disse pra Pedro colocar o cipó no pescoço do fazendeiro. Quando São Pedro colocava o cipó, o fazendeiro se transformou em um cavalo. Assustado, São Pedro pergunta a Jesus o que está acontecendo e a resposta era porque aquele fazendeiro queria os matar porque ficou com inveja do dinheiro que eles levavam.

São Pedro foi puxando do o cavalo com um cabresto curto e as vezes era pisado nos calcanhares pelo cavalo. Dizia pra Jesus que daquele jeito não dava para levar o cavalo, então, Jesus disse que ele pudesse montar. Assim ele fez. Jesus preferiu ir a pe até que encontraram um sítio pequeno com alguns pobres trabalhando.

Os pobres do sítio estavam fazendo farinha e tinha que transportar as mandiocas, nas costas...

Assim que chegaram foram lhes servido lanche com caldo da cana. O lanche era beiju, feito de goma da mandioca. Comeram e agradeceram a cortesia. Porém, os pobres disseram para que eles ficassem para dormir, pois já era quase noite. Insistiram tanto que eles acabaram ficando.

Eles soltaram o cavalo no pasto formado onde ele passaria muito bem porque só estava ele ali para comer daquele pasto.

No dia seguinte, Jesus e São Pedro, após o café se preparam para seguir viagem. Desta forma, os pobres daquele sítio se entristecem e pedem para que Jesus e seu discípulo ficassem. dizendo que não podiam ficar, Jesus lhes deixam felizes ao dizer que irá deixar o cavalo para carregar as mandiocas, porém, Ele ressaltou que quando voltassem eles deveriam pagar o que fosse justo pelo trabalho do cavalo. Todos concordaram e ficaram felizes pelo gesto daquele homem que teve pena deles.

São Pedro e Jesus seguiram viagem, enquanto o cavalo ficou trabalhando...

Passaram apenas cinco dias da partida dos viajantes, eis que eles chegam. A festa não tardou pra começar. Festejaram pela volta dos amigos e porque já havia, naquele mesmo dia, terminado, graças a ajuda do trabalho do cavalo, a colheita da mandioca.

A festa foi terminar tarde da noite... Mas, de madrugada, os viajantes já se preparam para seguir viagem... Então, todos os pobres se levantam para despedir dos dois amigos. Isso feito,chega a hora de ver quanto se deveria pagar pelo trabalho do cavalo.

Os pobres disseram que o dia trabalhado custava vinte reais, porém, para pessoas e que eles não sabiam quanto se poderiam pagar pelo serviço do cavalo... Jesus respondeu que eles poderiam pagar o que entenderia ser justo. Deste modo, os pobres acharam por bem pagar a mesma diária que se paga para as pessoas. Assim, eles fizeram.

Os cinco dias trabalhados do cavalo renderam, aos viajantes, cem reais. Com o dinheiro na sacola, Jesus e São Pedro voltam...

Na volta, chega à mesma fazenda em que a senhora lhes acolhera muito bem. Não diferente da primeira vez, a senhora os acolhe, sem os reconhecerem, em sua casa ou fazenda.

Eles pediram para se hospedarem e foi acolhido. O cavalo foi solto em um pasto próximo da casa.

A senhora dizia para os viajantes que seu esposo tinha desaparecido a sete dias... ninguém tinha notícia dele. Ela, contudo, contou pra eles que na semana anterior tinha passado em sua residência dois homens com bastante dinheiro... Ela lhes contou toda a história...

Depois de terem dormido, Jesus e São Pedro levantam e vai até a cozinha onde a senhora já estava com o café pronto. Mas Jesus, dizendo pra mulher que estava com medo de atrasar a viagem pediu para que enquanto ele e Pedro tomassem o café, ela pagasse o cavalo pra eles. Com toda alegria foi a senhora buscar o cavalo.

Para surpresa da senhora, assim que ela jogou o cabresto no cavalo ele se transformou no seu esposo. Eles se abraçaram e choraram. Voltaram pra dentro de casa de mãos dadas... São Pedro e Jesus estavam sentados esperando os donos da fazenda chegar.

A senhora chega toda pasma e quer saber o que tinha acontecido com seu esposo. Jesus conta tudo e prepara para ir embora.

Antes de saírem Jesus pede a Pedro para pegar a bolsa... Seu Discípulo pega-a e Jesus pergunta à senhora quanto eles deveriam pagar pela pensão e ela responde que a volta do seu marido dinheiro nenhum paga. Com isso, Jesus entrega cem reais para o fazendeiro e diz pra ele que aquele dinheiro era junto, visto que o fazendeiro tinha trabalhado para adquiri-lo. Recordou ainda ao fazendeiro que no livro do Gênesis o Senhor disse: "Com suor de teu rosto comerás teu pão até que retornes ao solo, pois dele foste tirado. Pois tu és pó e ao pó tornaras". Ao ouvir tais palavras o fazendeiro quis seguir com os viajantes, mas esses o repreendeu dizendo que ele tinha uma esposa para cuidar e uma vida para ser salva...

Assim foi o conto que o senhor, tio Nozin, me contou, disse a criança.

Nozin nada disse naquele momento... Ele percebeu que seus contos estavam ficando mesmo na vida das crianças. Dessas, que já estavam dormindo no colo dos adultos, foram postas nas camas... As outras foram se recolhendo em seus quartos... Os vizinhos se despedindo e indo pra suas casa...

Nozin, em suma, sabia que as histórias deveriam ser contadas, atualizadas... De forma que as gerações futuras pudessem saber, ao menos, como se finda o dia de labuta dos trabalhadores campesinos.

Brasília, 18 de fevereiro de 2009.