Novidades na locação de imóveis quanto aos deveres das partes e o novo fiador

Por Iman Said Kozman Ferreira El-Kems | 16/06/2017 | Direito

RESUMO 

O contrato de locação de coisas é disciplinado pelo Código Civil de 2002, porém, o contrato de locação de imóveis é abordado de maneira mais especifica pela Lei do Inquilinato (Lei n. 8.245/18-10-1991). Inicialmente, será traçado um paralelo entre as obrigações e direitos do locador e do locatário determinados por essa lei. Em um segundo momento, cabe analisar sobre as alterações realizadas pela Lei 12.112/2009 na Lei do Inquilinato, analisando especialmente a respeito das regras da “nova fiança”, que surgiu justamente com as mudanças provocadas por essa lei de 2009.

1 INTRODUÇÃO

Os romanos estipulavam a existência de três espécies de contratos, locatio conductio rerum (locação de coisas), locatio conductio operarum (locação de serviços) e locatio conductio operis (locação de obras). Essa divisão era adotada até no século passado, inclusive o Código Civil de 16 utilizava-se dessa divisão.

Entretanto, criar um conceito único para definir todas esses tipo de locações ao mesmo tempo é uma tarefa muito difícil, já que se referem a contratos diferentes.

“Assim, desde a codificação de 1916, a locação de obra passou a ser denominada empreitada, com regras próprias e específicas para as suas peculiaridades.

Nessa esteira, a antiga locação de serviços passou a ser chamada formalmente, no Código Civil de 2002, de contrato de prestação de serviço, também com disciplina particular, adotando-se expressão que já vinha sendo utilizada na doutrina e na prática das relações jurídicas.”. (GAGLIANO, 2011, p. 190)

A locação de coisa possui um capítulo próprio dentro do Código Civil de 2002 a fim de disciplinar os procedimentos dessa relação. Entretanto, nem tudo se encontra determinado pelo CC/2002, por exemplo, a locação de bens imóveis urbanos é regida pela Lei do Inquilinato ou Lei de Locações (Lei n. 8.245/91) e a locação de imóveis rurais pelo Estatuto da Terra (Lei n. 4.504/64).

Destarte, a fim de buscar aprofundamento na locação de imóveis urbanos para fins residenciais serão analisados todos os deveres e direitos do locador e do locatário, descrevendo todas as situações que lhes obrigam ou lhes garantem diante deste contrato.

Recentemente, a Lei das Locações sofreu algumas mudanças pela Lei 12.112/2009 aperfeiçoando algumas regras que dizem respeito a locação de imóveis. Com isso, a fiança no contrato de locação sofreu algumas alterações, o que será, no presente trabalho, avaliado, sobretudo o que mudou em relação ao fiador. 

2 LOCAÇÃO DE IMÓVEIS

O contrato de locação de coisas encontra-se disciplinado pelo Código civil de 2002, sendo nele encontrado o seu conceito: Art. 565. Na locação de coisas, uma das partes se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso ou gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição.

Quanto a sua natureza jurídica, o contrato de locação de coisas é bilateral porque exige obrigações de ambas as partes            , envolve reciprocidade. É oneroso devido ao fato que uma das partes deve retribuir a prestação dada pela outra parte. A onerosidade é uma característica essencial do contrato de locação, já que sem ela receberia o nome de comodato. É consensual uma vez que exige o acordo da vontade entre as partes. É comutativo, isso porque as prestações são certas, recíprocas e não aleatórias.  É não solene porque pode ser admitido na modalidade escrita ou verbalmente, porém vale frisar que para haver algum acessório formal, como a fiança, é necessário que ele seja realizado na forma escrita.

Para que haja locação de coisa, três elementos são essenciais, sendo eles o tempo, pois esse tipo de contrato tem duração e embora esse prazo não seja expresso não pode ser considerado vitalício. O objeto que pode ser móvel ou imóvel, e indispensavelmente deve ser bem fungível, isso porque a própria coisa que foi alugada deve ser devolvida.  E por fim deve haver a retribuição que pode ser chamada de preço, aluguel ou renda e é acertada entre as partes no momento de elaboração do contrato.

O Código Civil não rege sobre a locação de imóveis urbanos, essa questão é disciplinada pela Lei do Inquilinato ou Lei de Locações (Lei n. 8.245/91). Essa lei dispõe acerca da locação de residência urbana, locação para temporada e locação para fins comerciais.

A classificação em imóveis urbanos não utiliza como critério a localização, mas a finalidade que é dada ao mesmo. Um imóvel urbano é aquele que não é usado com a finalidade de explorar atividade econômica rural, como fortalece Coelho (2013, p.190):

“Não será urbano o imóvel em que, independentemente da localização, o contrato de locação autorizar a exploração de atividade rural, como tal entendida a extração de produtos diretamente da natureza (agricultura, pecuária, granja, pesca, caça, extrativismo etc.)” 

  1. DAS OBRIGAÇÕES E DIREITOS DO LOCADOR

De uma forma mais abrangente, as obrigações do locador encontram-se disposta no art. 566 do Código Civil de 2002. O inciso I inicia descrevendo sobre a entrega da coisa. O locador deve prestar ao locatário a coisa junto com todos os seus acessórios.

O mesmo inciso determina que seja dever do locador manter a coisa no estado que permita o fim a que se destina enquanto perdurar o contrato, devendo para isso, realizar todos os reparos necessários para o uso ou gozo da coisa.

O inciso II do mesmo artigo chama atenção ao comportamento do locador diante do imóvel, no caso, deve ele garantir “o uso pacífico da coisa” como diz o código.

Na locação de imóveis urbanos, as obrigações do locador estão descritas nos incisos do artigo 22 da Lei n. 8.245/91. O inciso I trata sobre a entrega do imóvel, que deve estar em estado que permita o seu uso, ou seja, a entrega deve ser feita com todos os acessórios que são essenciais para o uso da residência.

O inciso II diz respeito ao uso pacífico do imóvel¸ por isso entende-se que o locador deve proteger o imóvel contra terceiros e deve respeitar o uso da posse cedido ao locatário (Monteiro, 2003, 5:161 in Coelho, 2013, p.192).

No inciso III esta explicita a obrigação do locador quanto à manutenção da forma e destino do imóvel, tomando como exemplo o mesmo dado por Gonçalves (2013, p.315) onde se um imóvel for destelhado devido a fortes chuvas é obrigação do locador arcar com o reparo, isso porque ele é responsável pela forma e pelo finalidade a que se destina o imóvel.

Quanto à responsabilização pelos vícios está disposta no inciso IV do mesmo artigo, e disciplina que cabe ao locador os reparos dos vícios que manifestarem-se após a realização do contrato, a não ser que o locatário seja o responsável por esse vício. Conforme Gonçalves (2013, p.316):

“Aplica-se a hipótese, portanto, a teoria dos vícios redibitórios. Se o locador conhecia os vícios ou defeitos restituirá o valor da locação mais perdas e danos. Se não os conhecia, somente restituirá o valor recebido, mais as despesas do contrato (CC, art. 443)”.

O inciso V obriga o locador a prestar descrição minuciosa do imóvel, isso para manter o locatário informado sobre o estado que se encontra o bem alugado. No inciso VI contem a obrigação de fornecer recibo com todos os recebimentos dos valores que foram pagos pelo locatário.

O locador é obrigado pelo inciso VII a pagar as taxas sendo elas administrativas ou de intermediação. As taxas de administração seriam aquelas resultantes da contratação feita pelo locador de profissional para organizar a contabilidade do imóvel, e as taxas de intermediações seriam as resultantes do trabalho de intermediação entre o locador e o locatário, como por exemplo, o corretor.

Ainda no artigo 22 da Lei do Inquilinato, o inciso VIII cabe ao locador o pagamento de seguros e tributos, como o IPTU. Normalmente, essa obrigação fica por cona do locatário e isso porque essa transferência é possível caso haja previsão expressa no contrato. O inciso IX aborta sobre a obrigação do locador de apresentar comprovantes de obrigações passadas, o que significa que nos casos em o locatário se compromete em reembolsar o pagamento de tributos realizado pelo locador, deve exigir o comprovante desse pagamento.

E, finalmente, o inciso X exige que o locador pague as despesas extraordinárias de condomínio. O parágrafo único desse artigo explica que essas despesas extraordinárias são aquelas que se referem “aos gastos rotineiros de manutenção do edifício” e exemplifica essas situações nas suas alíneas.

Quantos aos direitos garantidos ao locador, a Lei n. 8.245/1991 expressa em seu art. 17 que é livre a convenção do aluguel, desde que não use o salário mínimo como base, seja moeda nacional e não sofra com a variação cambial. 

Quando o locatário não oferecer nenhuma garantia (fiança, caução ou seguro de fiança locatícia) ao locador, esse último tem direito de exigir que o inquilino pague as prestações que estão por vencer e não as vencidas. O art. 42 da Lei do Inquilinato confirma que esse pagamento deve ser realizado até o sexto dia útil do mês vincendo.          

Por fim, o art. 13 da mesma lei determina que é direito do locador decidir sobre a cessão do aluguel, a sublocação e o empréstimo do imóvel, não podendo o locatário realizar nenhum desses atos sem consentimento do locador. 

  1. DAS OBRIGAÇÕES E DIREITOS DO LOCATÁRIO

Da mesma maneira que dispõe sobre as obrigações do locador, a lei n. 8245/91, no seu art. 23 traz o rol de deveres do locatário. O inciso I obriga o locatário a pagar o aluguel pontualmente no prazo estipulado, e nos casos em que não houver determinação de prazo, o pagamento deve ser efetuado até o sexto dia útil do mês vencido. Coelho (2013, p.201) diz que:

“Cuida-se, de longe, da obrigação mais importante do locatário. [...] Nenhum outro título legitima ou autoriza o uso do bem pelo locatário a não ser a remuneração devida ao locador. Descumprindo essa obrigação, caberá a resolução do contrato.”.   Pelo inciso II, o locatário deve obedecer a destinação da locação, portando se no contrato determinar que o imóvel será usado para fim residencial não pode ser utilizado com finalidade comercial. Ainda no inciso II, há uma segunda responsabilidade, que é conservar o imóvel, o próprio código diz que deve “rata-lo com o mesmo cuidado como se fosse seu.”.

O inciso III do art. 23, determina que o locatário deve restituir o imóvel ao término do contrato, sendo que ele deve encontrar-se no estado em que se encontrava, salvo os gastos normais do uso. O inquilino deve avisar o locador do surgimento de qualquer dado ou defeito, como expressa o inciso IV.

É obrigação do locatário consertar os danos que tenha sido causado por ele, por seus dependentes, familiares, visitantes e prepostos, como enfatiza o inciso V. O inciso VI preconiza que o locatário deve conservar a forma do imóvel, ou seja, não pode realizar reformas que modifiquem a forma do imóvel, a não ser que tenha autorização prévia e escrita do locador.

O locatário deve entregar ao locador documentos endereçados ao imóvel alugado, isso inclui qualquer tributo, citação, intimação ou cobrança, como esclarece o inciso VII. O inciso VIII obriga o inquilino a pagar as contas de consumo, nesse caso é sua a responsabilidade das contas de água, luz, telefone e gás.

O locatário deve permitir as visitas do locador, o que geralmente serve para inspeção do imóvel e essa visita deve ser realizada com data e hora previamente combinada como direciona o inciso IX. O inciso X determina que o locatário deve cumprir as regulações do condomínio, portanto deve seguir todas as normas impostas aos condôminos. O inciso XI, de maneira direta determina o locatário deve pagar pelo prêmio de seguro da fiança.

Finalizando, o último inciso do artigo, o inciso XII impõe que o locatário pague as despesas ordinárias do condomínio. Com o propósito de esclarecer o que são essas tais despesas ordinárias, o artigo ainda conta com algumas alíneas e parágrafos.

O locatário, em muitos casos é a parte mais fraca do contrato de locação, e dessa forma alguns direitos lhe são garantidos com a intenção de lhe prestar proteção. A primeira delas é a impossibilidade que o locador tem de desfazer o contrato sem nenhuma justificativa.

Antes de 1991, o locatário estava a mercê do locador que podia tirar-lhe o direito do uso ou do gozo do imóvel a qualquer momento. Porém, com a criação da Lei de locações o locatário ficou defeso contra essa atitude abusiva do locador.

“Nas locações residenciais contratadas por menos de trintas meses, o locador não tem direito de reaver o imóvel sem justa causa, mesmo após o vencimento do prazo contratual, enquanto não transcorridos cincos anos de vínculo. Já nas contratadas por trinta meses ou mais, vencido o prazo contratual, o locador pode retomar o imóvel sem justificativa.”. ( COELHO, 2013, p. 216)

O artigo 4º da Lei do Inquilino, ainda traz como direito do locatário que nos casos de contrato e locação com prazo determinado, o locador não pode reaver o imóvel antes do término desse período, porém essa disposição é permitida ao locatário desde que pague uma multa proporcional ao tempo de utilização que não foi cumprido.

O artigo 11 também dispõe como direito a sub-rogação do aluguel nos casos de falecimento do locatário, desta forma o cônjuge, os herdeiros necessários e os seus dependentes econômicos que moram no imóvel, podem assumir o contrato de locação com as mesmas condições auferidas ao antigo proprietário. Entre outros direitos, o art. 12 determina que nos casos de separação judicial, o contrato de locação fica sobre a responsabilidade daquele que continuar ocupando o imóvel. 

  1. EXTINÇÃO DO CONTRATO

A extinção do contrato de locação pode dar-se através de algumas maneiras. O art. 573 do Código Civil de 2002 e os art. 46 e 47 da Lei n. 8.245/91 tratam sobre a forma mais simples de extinção desse contrato. Conforme esses artigos, o contrato firmado por escrito e com tempo determinado, finda com o termino do prazo preestabelecido.

O art. 46 da Lei de Locações faz ainda mais uma ressalva, pois esse prazo deve ser igual ou superior a trinta meses. Caso decorra o prazo e o locatário continuar ocupando o imóvel por mais de trinta dias considera-se prorrogado o contrato porém a qualquer tempo o locador pode reclamar que o imóvel seja devolvido, dando um prazo de trinta dias para a desocupação.

Caso o contrato de locação seja escrito e por tempo determinado, porém o prazo sendo menor que trinta meses, ao terminar o prazo a locação se prorroga automaticamente com prazo indeterminado e nesses casos só poderá ser desfeito nos casos descritos nos incisos do art. 47 da Lei do Inquilinato:

“Art. 47. Quando ajustada verbalmente ou por escrito e com prazo inferior a trinta meses, findo o prazo estabelecido, a locação prorroga – se automaticamente, por prazo indeterminado, somente podendo ser retomado o imóvel: 

[...]

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