Novas tendências e concepções sobre o Património Cultural

Por David Lutango | 03/07/2019 | Sociedade

1.  INTRODUÇÃO

A implicância sobre o que seria o conceito de Património Cultural vem abrangendo os espaços de discussão, dando visibilidade a diferentes abordagens relativas a este tema. Desde os tempos antigos que o património cultural se destaca nas discussões de nível cultural, tendo abordagens discursivas também na contemporaneidade, o que constitui um vasto campo de saberes bibliográficos relativos ao tema.

A cultura vem contribuindo para o crescimento das sociedades de todo mundo, expandindo os hábitos e costumes dos povos, o que resulta na promoção da identidade colectiva; assim, vale destacar o Património Cultural resultante do processo histórico-cultural das sociedades, o que compreende hoje um vasto campo de estudos e de conhecimentos.

A pesquisa compreende uma pesquisa científica, partindo para uma abordagem qualitativa para a apresentação dos elementos teóricos relativos ao tema em questão. Propôs-se ainda a recorrer no método de nível teórico, partindo para a análise documental, a pesquisa bibliográfica e o método histórico lógico para a compreensão das ocorrências que o Património Cultural teve no decorrer da história.

2.  HISTÓRIA E MEMÓRIA

Desde a concepção do primeiro homem na terra até aos nossos dias, sempre houve relatos sobre indivíduos e acontecimentos, daí que, a história, sempre foi um elemento presente e legítimo para ser analisado. Do ponto de vista conceitual, a história pode ser entendida como a descrição ou relato do percurso da vida humana ou de um dado real da realidade. Como a história concretiza-se na presença constante da vida dos indivíduos, também deve ser entendido como tudo aquilo que nos rodeia, relactivos aos acontecimentos passados (Merlo e Konrad, 2015, p.8). Outro elemento importante a ser destacado é a memória que acompanha as discussões relactivas à história, isto por serem extremamente ligados, sendo que, a memória constitui-se mediante aos acontecimentos históricos.

A abordagem conceitual sobre a memória, isto na percepção de Lima e Santiago (2011, p.2), pode ser formulada como um processo histórico e tradicional, que se destina na observação e análise das características culturais de um determinado povo. Deve-se ainda dizer que não há memória sem história; toda memória tem sua sustentabilidade nos acontecimentos passados sobre um aspecto ou sobre um determinado povo inserido em um lugar e em um período da história.

O Património Cultural é um elemento (material ou imaterial) que ajuda na preservação da memória e da história de um povo, isto mediante ao valor que lhe é atribuído; o que insiste a necessidade de se reflectir sobre a memória e a história.

3.  IDENTIDADE E MEMÓRIA COLECTIVA

A identidade sempre foi abordada como uma construção social, isto é,  aquilo que caracteriza o ser e o agir de um indivíduo e que é formada mediante ao meio por onde este está inserido; um elemento que o indivíduo constrói ao longo da sua vivência e que relaciona-se com questões como o hábito e a cultura (Borges, 2011); ou até, um conjunto de características que diferenciam os indivíduos.

A identidade assim pode ser a diferenciação em relação aos outros ou a identificação de certos atributos que diferenciam os indivíduos uns aos outros (Santos, 2011); ou mesmo um conjunto de aspectos idiossincráticos que cada indivíduo apresenta.

Como já se constatou anteriormente, a memória tem sua sustentabilidade em factos ou acontecimentos do passado e que é construída socialmente por pessoas que partilham um mesmo território e em um determinado período de tempo, isto pelo facto do homem ser um ser social que depende do outro para sua sobrevivência, de modo a dar sustento à sua natureza, criando laços, buscando afinidades, memórias comuns e criando uma identidade colectiva, uma memória social que acaba recebendo interferências de todos inseridos na colectividade (Izquierdo, 1989, apud Borges, 2011, p.1), firmando assim sua existência no mundo.

A memória colectiva então é um conjunto de elementos ou aspectos que um grupo de indivíduos constrói no decorrer da convivência, elementos estes que podem ser materializados e chamados de patrimónios culturais ou históricos, isto devido à sua construção em um percurso histórico e que de uma forma ou de outra, constituem a cultura e consequentemente, a identidade de uma colectividade.

4.  PATRIMÓNIO: DISCUSSÕES SOBRE O CONCEITO

A discussão sobre o conceito de património vem ganhando destaques devido à necessidade de se alargar o entendimento do termo. Desde o seu surgimento, a partir da Revolução Industrial, século XVIII, o património apenas abrangia os monumentos históricos, porém, actualmente, o termo vem se alargando não só para referir-se a monumentos, como também para referir-se aos aspectos naturais, culturais e mais recentemente, ao imaterial como aponta Ferreira (2011, p.4), emergindo assim a necessidade de se actualizar o entendimento sobre o património.

Ainda segundo o autor, as discussões relativas a este tema podem ser vistas por meio das convenções que foram se realizando nos últimos 50 anos, verificando que a mudança de paradigma sobre o que se entende por património tem sido uma preocupação crescente ao nível das principais orientações internacionais que têm-se mostrado nestas várias convenções, como a Convenção de Haia em 1954, a Convenção Cultural Europeia de 1954, a Convenção de Paris de 1970, a Convenção para a Protecção do Património Mundial, Cultural e Natural de  1972, passando  pela Convenção  para  a  Salvaguarda  do  Património  Arquitectónico  da  Europa  de  1985,  pela Convenção  de  Londres  de  1969,  pela Convenção  sobre  a  Protecção  do  Património  Cultural Subaquático  de  2001  e,  por  último, pela Convenção Relativa ao Valor do Património Cultural para a Sociedade de 2005. O autor realça também que, estas convenções são resultados da acção de organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU), a UNESCO, a Organização Mundial de Turismo (OMT), o Conselho Internacional dos Museus (ICOM) e a União Europeia.

Um património de modo geral, pode então ser concebido como um conjunto de bens ou heranças deixadas por pessoas que em um período da história, definiram os caminhos de uma sociedade. O património é então concebido como um bem ou herança móvel ou imóvel que devido ao seu valor histórico atribuído por um determinado grupo de pessoas, é preservado para servir de memória sobre a cultura e identidade deste mesmo grupo.

Verifica-se assim que o património é um elemento construído colectivamente. Feita esta observação constacta-se que o património é um aspecto que espelha a cultura, a história e a identidade de cada povo ou nação, ou seja, que espelha a memória colectiva de cada povo ou nação.

Pode-se assim conceber um Património Cultural que engloba todos os bens que, sendo testemunhos com valor de cultura, sejam portadores de interesse cultural relevante, mas também tudo que se constitua como herança nacional cuja continuidade unificará as gerações no decorrer da história, constituindo-se por aspectos que atendem a antiguidade, autenticidade, originalidade, raridade, singularidade e exemplaridade (Ferreira, 2011, p.9), definindo assim a identidade de um determinado grupo social de indivíduos.

5.  PATRIMÓNIO CULTURAL: EVOLUÇÃO DO CONCEITO

Primeiramente, o conceito de património é um conceito antigo, tendo suas raízes nos períodos compreendidos da Idade Média. Como apontam Funari e Pelegrini (2006, apud Silveira, 2017, p.2), este conceito tem sua origem na aristocracia da Roma Antiga, tendo originado do termo latino patrimonium e referia-se aos bens do pater, do pai de família. Os autores continuam dizendo que, tudo aquilo que estaria no testamento, constituiria o património do senhor, incluindo esposa, filhos, escravos, animais, casas, terras e outros empreendimentos. O termo seria assim, neste período, específico da aristocracia da época, baseado na detenção de bens privados, por parte dos aristocratas, possíveis de serem transmitidos a seus herdeiros.

Outro aspecto importante a ser realçado é que, até o ano de 1830, o património era percebido como restos da antiguidade, ou seja, o conceito inclinava-se na ideia de abarcar apenas os restos antigos, deixados pelos antepassados. Esta concepção de património era baseado em três tipos para sua justificação, tendo como primeiro tipo os Castelos, comos segundo tipo os Edifícios da Idade Média e, como terceiro tipo as Catedrais (Moreira, 2006, p.3). Percebe-se então que o conceito de património possui uma origem arcaica, para justificar a antiguidade ou elementos antigos, atendendo o critério da antiguidade.

Neste sentido, por décadas, a concepção sobre o património vem sido discutido desde a aurora da Revolução Industrial, ao final do século XVIII, tendo uma maior abrangência no ápice da Revolução Francesa, onde foi instituído novas ordens políticas, jurídicas, sociais e económicas relacionadas aos direitos fundamentais do homem (Torelly, 2012, p.3). Desde a Revolução Francesa sobretudo, é que o conceito de Património Cultural ganha um maior rigor de análise, tendo diferentes abordagens e evoluções do ponto de vista conceptual.

Como salientou-se anteriormente, a concepção do património delimitava-se em monumentos históricos, lugares que caracterizavam aspectos intrínsecos à identidade dos povos. Ao decorrer das décadas esta concepção delimitada foi se alargando mediante às mudanças culturais e sociais que foram acontecendo nas sociedades, onde Laraira (apud Torelly, 2012, p.14) salienta que

[…] cada sistema cultural está sempre em mudança. Entender esta dinâmica é importante para atenuar o choque entre gerações e evitar comportamentos preconceituosos. Da mesma forma que é fundamental para a humanidade a compreensão das diferenças entre povos de cultura diferentes, é necessário saber entender as diferenças que ocorrem dentro do mesmo sistema.

O autor lembra ainda que a cultura é dinâmica e mutante, e por esta razão, ao conceito de património cultural, por estar intimamente ligado à cultura, também será dinâmica e mutante. É neste sentido, difícil estabelecer limites para aquilo que ao decorrer dos anos tem-se recriado e se ampliado a medida que surgem novos povos, novas sociedades, novos costumes e novas culturas. A cultura e consequentemente o património cultural, passa a ser assim, um aspecto aberto e passível de novas reflexões sobre seus conceitos.

6.  PATRIMÓNIO CULTURAL: NOVAS TENDÊNCIAS E CONCEPÇÕES

Do ponto de vista contemporâneo, pode-se conceber o Património Cultural como um conjunto de bens ou heranças que por meio do valor histórico e cultural que lhe é atribuído por um grupo de indivíduos de um mesmo local histórico, constitui a cultura e a identidade deste mesmo grupo.

Reflecte-se ainda sobre a vida de uma colectividade dotado de costumes e hábitos, o que através destes, pode-se conceber o Património Cultural como todos os elementos intrínsecos ou extrínsecos que criamos, valorizamos e queremos preservar, como monumentos, obras de arte, músicas, danças, comidas, saberes ou falares (Londres, 2001, apud Bertagnolli, 2015), permitindo então a abrangência do conceito mediante às instâncias de convivência entre as pessoas.

Através das abordagens mencionadas, pode-se também enxergar o Património Cultual como todo um conjunto de manifestações dos aspectos culturais, sociais e históricos que definem a colectividade titular; ou ainda, como todo um conjunto de bens e lugares, concebidos como históricos e culturais por um determinado grupo social, protegidos para a transmissão de elementos identitários. Por esta via, torna-se fácil afirmar os objectivos do Património Cultural, como:

Incentivar e assegurar o acesso a todos à fruição cultural; b) Vivificar a identidade comum do povo angolano e fortalecer a consciência e a participação histórica do povo angolano em realidades culturais de âmbito regional e internacional; c) Promover o bem estar social e económico e o desenvolvimento regional e local; d) Defender a qualidade ambiental e paisagista. (Decreto Lei n.º 94/05, 2005, p.5)

É importante realçar que a consolidação da preservação e promoção da cultura e consequentemente da identidade, faz-se mediante a uma perpectuação das actividades culturais, de modo a consciencializar constantemente os indivíduos que compõem a sociabilidade do território.

7.  CONCLUSÃO

Constacta-se que o Património Cultural é um elemento construído no decorrer da história, envolvendo aspectos intrínsecos a um grupo de indivíduos pertencentes a uma mesma sociedade. Estes aspectos são elementos que definem seus hábitos, costumes, cultura e identidade.

Constacta-se ainda que, a concepção sobre o Património Cultural vem sido discutido desde a antiguidade, ganhando destaque no campo científico desde a Revolução Industrial, onde foram surgindo as concepções modernas sobre o assunto.

8.  BIBLIOGRAFIA

Bertagnolli, G. B. L. (2015). Processo de Construção de Identidades Regionais: Cultura, Identidade e Desenvolvimento. PERSPECTIVA, Erechim, 39(148), 47-54. Recuperado de http://www.uricer.edu.br/site/pdfs/perspectiva/148_532.pdf em 12 de Outubro de 2018.

Decreto Lei n° 94/05. (2005). Sobre o Orçamento Consolidado das Empresas Públicas. Diário da República I Série, Angola.

Merlo, F., & Konrad, G. V. R. (2015). Documento, História e Memória: A importância da preservação do património documental para o acesso à informação. 20(1), 26-42. Recuperado de http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/informacao/article/view/18705 em 11 de Outubro de 2018.

Lima, J. A., & Santiago, P. O. (2011). Preservação da Memória: resgatando vestígios históricos e culturais, do município de Frei Miguelinho. In: XIV Encontro Regional de Estudantes de Biblioteconomia, Documentação, Ciência da Informação e Gestão da Informação (p. 1-9). Pernambuco. Recuperado de http://rabci.org/rabci/sites/default/files/PRESERVA%C3%87%C3%83O%20DA%20MEM%C3%93RIA%20resgatando%20vest%C3%ADgios%20hist%C3%B3ricos%20e%culturais%20do%20municC3%ADpio%20de%20Frei%20Miguelinho%20-%20PE.pdf em 13 de Outubro de 2018.

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Silveira, J. P. B. (2017). Tendências da Produção Científica Brasileira Sobre Património Cultural na Ciência da Informação. 5(1), 1-23. Recuperado de http://lattes.cnpq.br/7332086882653591 em 20 de maio de 2019.

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