Novas relações entre Capital e Trabalho: quem perde?

Por Airton Rodrigues Moreira | 13/10/2010 | Direito

Novas Relações entre o Capital e Trabalho: quem perde?

No Direito do Trabalho as relações jurídicas tanto podem ser individuais, como aquelas geradas diretamente pela relação de emprego entre patrão e empregado, quanto podem ser coletivas, no caso das geradas em face das organizações sindicais e representações de empresas e trabalhadores.

Historicamente, o Direito do Trabalho foi uma reação social decorrente da revolução industrial, mas que paulatinamente o Estado encampou.

Reação esta em razão da ação do pensamento liberal econômico que fez surgir a exploração do homem pelo homem, tornando-o objeto necessário para a produção de riqueza e estabelecendo uma classe poderosa, a capitalista.

Essa classe decorre da acumulação de capital em detrimento de uma melhor distribuição de riqueza, pois, capitalistas são sempre os que acumulam mais capital.

Em alguns momentos da História, efetivamente ocorreu a intervenção do Estado na Economia, reorganizando a sociedade e sua industrialização, com o surgimento do trabalho elaborado, ajustado e contratado, aparece ora uma legislação mais forte e visível na regulação do contrato, ora atende-se aos reclamos de uma liberdade econômica em expansão, a desregulação da economia, passando isso pelo afrouxamento da rigidez da legislação trabalhista adotada.

Mozart Victor Russomano, em célebre comentários em obra que escreveu nos informa que essa desregulação é fruto de uma concepção neo-liberal, que na verdade, tinha por conceito o fato de "flexibilizar" as normas legais trabalhistas, para melhorar a oferta de salários e empregos através de redução de custos dos empresários.

Contudo, o que ocorreu em alguns lugares, não foi a melhora das condições de trabalho devido à flexibilixação. Não foi.

O Estado, continua sua façanha de regular a economia, não mais se atendo a uma idéia de flexibilização das leis trabalhistas, mas agindo no chamado balcões de negócios das bolsas e mercado financeiro, o qual deseja sua expansão controlada.

A Flexibilização, por sua vez, é um outro momento do controle, exatamente quando se reconheceu a legitimidade jurídica e no momento que se passou a usar largamente a negociação coletiva como modo de resolver alguns problemas e conflitos entre trabalhadores e seus empregadores e "como método de formulação de normas infra-legais disciplinadoras de suas relações" (*).

Mesmo que se reconheça a validade disso, o maior problema é que a idéia acaba sendo apropriada por um grupo antagônico e transformada em justificativa para os equívocos que cometem, pois como ensina o citado mestre, que o Direito do Trabalho "...possui natural tendência à uniformização e à universalização. Procurando atender as necessidades fundamentais do trabalhador como homem e como trabalhador, embora seus métodos variem de lugar para lugar e suas teorias sofram o tropismo invencível das realidades de cada nação, o Direito do Trabalho acaba encontrando, apesar das discrepâncias entre tradições locais, fórmulas análogas para problemas que, no fundo, se assemelham em todos os países" ? p. 16, autor citado, Curso de Direito do Trabalho, 5a, edição, Juruá, 1995.

De qualquer forma, o Direito do Trabalho a nosso ver, combate justamente as injustiças sociais, movidas por rescaldos cruéis do antagonismo econômico da luta de classes, em que sempre a classe economicamente forte leva vantagem, e que em alguns casos e momentos não satisfeita com sua vantagem, agride direitos fundamentais e elementares do homem e do trabalhador, procurando solapar o que a ele restou (vide: teoria da flexibilização).

Essa prática permanece e é sentida, porém, aceita com a mitigação da intervenção.

Flexibilização é um fenômeno gerado por processos econômicos e teóricos, segundo que é preciso desregular a economia e a legislação do trabalho, para que novos empregos sejam gerados, a partir de uma redução do custo do empresário e de seu empreendimento.

O exemplo ainda atual, pois no Brasil, como se fosse uma novidade, existe a grita dos empresários pelo fim da legislação protetiva do trabalho, taxando-a de responsável pelo desemprego e crise econômica. Como diriam muitos dos filósofos pré-sócráticos "escondem-se à sombra de seus sofismas".

Os ataques centram-se na CLT mais precisamente, que ainda é de fato o único sistema legal protetivo para os trabalhadores aqui.
Os donos de capital não estão sós. Recebem a ajuda de luminados do direito,e, por que não dizer, de juristas laborais.

Um deles, Octávio Magano, decano e professor, mas muito afeito ao Capital, advoga toda sua má vontade à CLT, como sempre fez, e visita sua oposição terrível ao trabalho em artigos, como no trecho parcialmente reproduzido para ilustrar:

"O modelo getulista, que persiste até os dias atuais, implica, pois, acentuado divórcio entre norma jurídica e realidade econômico-financeira, que não pode deixar de ser corrigido"

A suposta correção que parece ter em mente ao autor é dirigida muito mais ao trabalhador, que deve perder, do que ao meio empresarial ou pretenso modelo sofisticado de exploração que se pretende inovar. Diz mais o citado autor:

"Felizmente, a praga dos juízes classistas foi eliminada pela Emenda Constitucional 24, de 9.12.99. Contudo, ainda há muito a corrigir-se na nossa herança fascista"

Me tranqüilizo saber que li em outros livros e outros autores, para não paralisar-me diante de outros que pretendem abolir a defesa dos direitos ao menos aquinhoados, antes de tudo cidadãos, antes de tudo, trabalhadores, que sofrem a miséria do sistema de injustiças que ninguém quer saber ou lidar.

O Código Civil, patrimonialista, não ajusta os contratos às necessidades dos hipossuficientes, que a única coisa que possuem é a força de trabalho, uma das bases da força produtiva.

Apenas por falta de consenso, a legislação do trabalho, embora bastante modificada, não foi atirada ao precipício, pois ela como sistema de regulação do trabalho remunerado e direto, ainda é molde.

Outro fato que assustou inúmeros militantes da Justiça Laboral, foram as leis que modificaram a estrutura do Judiciário Trabalhista.

Inicialmente, o golpe de misericórdia com a adoção da emenda constitucional n. 24 de 1999, que extinguiu a chamada justiça classista, abolindo a presença dos juízes leigos de representação classista.

Em seguida, duas outras leis, a 9.957/2000, tratando do procedimento sumaríssimo, uma enorme agressão ao trabalhador, sob a roupagem de determinar e certificar os pedidos na Justiça trabalhista, alegando em prol da lei que havia abusos no ingresso e pedidos nas causas dessa natureza.

O sistema acima, cria dificuldade ao Reclamante para a prova, como se tivéssemos no país, um sistema puramente escrito, e todo documento resultasse em prova, sem levar em conta que o empregado contratado ou não por termo, tivesse acesso aos registros ou dados do seu empregador.

A lei 9.958/2000, foi outra tentativa de restringir o acesso ao judiciário e não deu muito certo.

Amauri Mascaro preconizava mesmo a adoção de liberdade de negociação para destacar o respeito à autonomia da vontade das partes.

Acontece que em um país onde até os direitos do cidadão e humanos, são direitos aceitos para uma cidadania regulada, ou seja só são direitos fundamentais aqueles que a legislação considerar, e cidadão é alguém que só ganha essa condição quando seus sentimentos e direitos se enquadrar nessa mesma legislação, a autonomia da vontade é presa à lei que declare a existência dessa vontade, e a lei, sempre declarará num patamar econômico e não legal.

Na verdade, existe como pano de fundo, o pedido por uma legislação que deixe a cargo das partes envolvidas no contrato, "resolverem" se desejam ou não, estes ou aqueles direitos, como oferta de emprego e salários, sendo isto apelidado de livre negociação.

O problema é que a classe trabalhadora, no Brasil, principalmente, não é muito diferente do que era há 20 anos atrás e o país, ainda igual ao que era nos anos sessenta, um marasmo. Os problemas persistem.

O Brasil mais parece aquela jovem que deseja ir a um baile chique, de qualquer maneira e com qualquer roupa, desde que possa dizer aos organizadores do baile, que fez o possível e o impossível para comprar uma roupa melhor, pois pensa que é isso que todos esperam dela como justificativa.

Ora, a classe empresarial brasileira, na verdade, se diz sufocada por várias razões que não a do trabalho subordinado em si, mas quando reivindica desaba sobre a classe trabalhadora o processo reivindicatório, e várias vezes recebe as benesses, por exemplo, a transformação do judiciário trabalhista em uma justiça técnica, formalista, morosa e com tendências patrimoniais.

O atual judiciário do trabalho, salvo raras exceções, se for transformado em justiça comum, não muda muito, está igual.

Já os empresários, dizem que é preciso desregular a economia, mas o que apresentam como proposta é a liberdade total de contratar sem regras, sem direitos básicos, apenas calculados na oferta, uma contradição, pois é sabido que a menos que não deseje escravizar mão de obra, ou explorá-la aviltadamente, o problema maior que enfrenta é a carga tributária excessiva, onde tudo é intensamente tributado, por um Estado de sanha de arrecadação a qualquer pretexto, prefere enfrentar a classe operária e combali-la, do que enfrentar o Estado, e em troca, solicita a "flexibilização" das leis trabalhistas para redução dos custos de suas empresas, em detrimento das condições de seus empregados.

O tema de "flexibilização", no sentido acima é um desrespeito à classe trabalhadora, pois a proposição de sua escravização paulatina. Sua exploração desmedida.

Esse tema, o da flexibilização, impende de nós atores do direito, cautela, análise e desafio às tendências meramente reformistas, no que aproveito sobre o tema, comentário de ALICE MONTEIRO DE BARROS, que nos diz:

"O grande desafio que se enfrenta é determinar o ponto de equilíbrio entre uma flexibilização sensível às preocupações legítimas das empresas e uma legislação que impeça um retrocesso ao antigo arrendamento dos serviços, norteados pela autonomia da vontade, que foge completamente dos ideais da justiça social" ? v. Curso de Direito do Trabalho, LTr, 3ª. Ed, pág. 180

A exposição da ilustre jurista deixa claro a diferença de tratamento do tema, pois nos conceitos de Octávio Magano quanto de Mascaro, o conteúdo é ideológico e politicamente perigoso.

Ademais, a busca incessante do bem estar social e moral de nossa gente passa pelo amplo respeito e reverência aos, direitos fundamentais e garantias constitucionais, como, a igualdade jurídica ( art. 5º "caput", e inciso I).

E a questão principal da resistência aos reformadores de plantão, mesmo os luminados que por equívoco imaginam que há razão para suprimir direitos. Não há.

O que de se entender com relação aos direitos sociais, como se encontram na Constituição, e mesmo os trabalhistas, que poderão ser aumentados, mas jamais suprimidos, pois a Carta Magna deu a eles "status" de disposição constitucional fundamental.

No Brasil, as emendas constitucionais, são a forma pela qual o poder constituinte derivado poderá alterar a Constituição e resguardadas aquelas condições práticas do texto, que permitem a alteração, sendo que onde o texto considerar imutável, não haverá alteração, como no caso da regra do art. 60, § 4º, incisos I, II, III e IV, CF/88, que impede deliberação de proposta de emenda constitucional tendente a abolir, forma de estado, voto secreto, direto e universal, poderes constituídos da república e sua separação e os direitos e garantis.

Mas, verseja correntes mais recentes atribuindo ao chamado Poder Derivado, poder de modificar via emendas a Constituição, subtraindo para si poder reformador antes apenas originário. Daí, muita confusão legislativa, por isso, o perigo de algum arauto propor reforma trabalhista, na Constituição, alterando-a, seria uma afronta ao art. 60 da Carta Magna.

Quanto ao engodo da livre negociação como produto de uma flexibilização legislativa torna-se necessário desconfiar, pois ate que se tenha, efetivamente, um sistema de liberdades democráticas plenamente asseguradas, e somente ele, poderá levar uma nação, um povo, ao resultado de negociações francas e justas, é preciso estar atento.

No nosso caso, onde o sistema de garantias constitucionais e de direitos fundamentais sofrem restrições e violações, e onde temos uma cidadania regulada, não livre, dificilmente permitirá que a livre negociação seja um avanço e nos leve a um sistema de igualdades e de desenvolvimento econômico e social satisfatórios, tem de ser pensado.

CONCLUSÃO

Admitir novas propostas, reformas, mudanças legislativas, sistemas protetivos, faz parte aos que têm abertura para o debate e a discussão, e todos devem participar, a sociedade, os trabalhadores e seus sindicatos, os juristas, juízes e advogados, parlamentares, todos enfim.

O importante, é que um novo sistema que se proponha substituir nossa antiga CLT, percorra ampla negociação para se estabelecer o que precisa existir no Brasil doravante.

Talvez, o encampe de um grande Contrato Coletivo de Trabalho, negociado e onde as regras estabelecidas sejam firmadas e correntes, seja a solução, pois adotado por grande categorias, será também espelho para as negociações setorizadas e de pequenas categorias. As regras, por suas vez, de consenso, e o consenso sim, a norma.

Para tanto, os envolvidos precisam abortar radicalizações, mas apresentarem novas fórmulas de entendimento até mesmo quanto ao funcionamento de uma nova Justiça do Trabalho. Assim, mudaremos sem rancor e ressentimentos setorizados.

Autor: Airton R. Moreira
Luziânia ? GO 2010
Artigo doutrinário