NÓS, CIDADÃOS

Por NILTON RODRIGUES DE SOUZA | 29/01/2011 | Crônicas


Movimentando-me por uma trilha reflexiva, ponho-me na perspectiva de um cidadão brasileiro padrão, e tento juntar aqui o máximo que posso relacionar, nesses poucos minutos, de direitos e deveres que nós, enquanto cidadãos, devemos observar em nosso cotidiano, para fazermos jus ao título. Desejo entrar até em detalhes que certamente não constam das leis que regem a nossa vida civil, mas que, por conta do bom senso e da acuídade relacional de cada um, fazem parte de um viver civilizado em sociedade.
Primeiro vamos à emblemática obrigatoriedade do voto. Não sendo nós, brasileiros, em geral, suficientemente desenvolvidos e conscientes dos nossos direitos e responsabilidades, enquanto entes sociais, fomos agraciados com o imperativo do voto. Tudo bem, um dia nossa condição civilizatória evoluirá e seremos desobrigados desse mister, ficando ao nosso encargo procedermos a essa participação cívica por iniciativa própria, regidos por imenso orgulho e prazer.
Vejamos agora a questão dos impostos. Epa! Impostos. Como não somos de um modo geral bons pagadores no que se refere a este ítem, fazemo-lo de maneira veladamente obrigatória, embutida em tudo o que consumimos, como forma de se garantir simplesmente que o façamos, sem se ter que apelar, como os reis de séculos atrás faziam, para o expediente da força. Claro! Para que outros países ditos civilizados não venham a pensar que somos um monte de bárbaros, fica uma parcela para honrosamente pagarmos, nós mesmo, por livre e espontânea vontade, declarando todos os nossos rendimentos direitinho, como gente de boa estirpe. Tudo bem.
Não temos vários tipos de cidadãos no país, não. Essa coisa de uns terem direito a serviços de infraestrutura, como rede de esgoto, de drenagem, ruas pavimentadas, bem como outras coisas, como internet banda larga, segurança eficaz, saúde, educação, tudo de boa qualidade, nada disso justifica maledicentes comentários sobre o merecimento maior ou menor de cidadãos, a depender de onde eles residem, da sua classe social e outros pormenores. Pura especulação de desocupados.
Essa coisa de individualismo, egoísmo de muitos, de "farinha pouca meu pirão primeiro", e de curtir as desigualdades, quando se está na parte de cima da gangorra, e mais a satisfação de muitos, ao sentirem prazer desmedido quando passam com o seu carrão de luxo, modelo de ponta, e se deparam com um conhecido ? ou melhor, uma pessoa que já foi minha vizinha há muito tempo, nada a ver ? a pé, suando, é puro exagero. Também, não se dispensa nada. Povinho falador. Esse prazerzinho que dá uma sensação gostosa na gente, por nos sentirmos superiores, é pura falácia. Por favor!
Dizer que muitos cidadãos só pensam em dinheiro, e que estão pouco se lixando para detalhezinhos secundários, como democratização da cultura, promoção de artistas pobres, reconhecimento de talentos anônimos, e coisa assim; distribuição de renda, escolas e hospitais bons em bairros pobres, e similares, nós, abastados, nada temos contra. "Gente, embora tenhamos nosso plano de saúde especial à nossa espera, escola de status reconhecido internacionalmente para os nossos filhos, teatros e casas de show caras para a nossa família, para citar humildes exemplos, nada temos contra o governo pegar o dinheiro dos nossos impostos ? pagos na íntegra, evidentemente ? e melhorar a vida do cidadão pobre, aliás, não. Falamos em cidadão pobre? Fui mal interpretado, corrija-se. O cidadão é o mesmo, em todos os quadrantes do Brasil."
Outra coisa que não agüentamos mais é essa história mentirosa de que certos cidadãos reconhecidamente civilizados, só porque têm muito dinheiro, saem por aí tratando pessoas humildes com arrogância. Ora! Poupem-nos. Se todos os cidadãos brasileiros são iguais perante a lei e perante Deus, por que discriminaríamos os mais pobres? Estão passando dos limites. Se alguém ganha salário mínimo, não tem casa prá morar, não se veste razoavelmente, é analfabeto e passa fome, não é por isso que nós, cidadãos mais sortudos, conforme dizem as más línguas, vamos tratá-los com indiferença, com empáfia, desprezo e humilhação. Como dissemos, todos os cidadãos são iguais. Sabem de uma? Cá prá nós, até admiramos aqueles menos aquinhoados, porque eles humildemente lavam nossos carros, pintam nossas casas, cozinham nossas comidas, lavam nossa roupa etc., ou seja, prestam serviços que, se não são igualmente intelectuais aos nossos, são, entretanto, relevantes, porque não é todo cidadão aristocrático que se prestaria a fazer isso. Paciência, né?
Até coisas sem a menor importância deram de comentar agora. Imagine nós, cidadãos, pessoas educadas, refinadas, estacionarmos carros sobre os nossos passeios, sem nos importarmos com a obstrução da passagem de pedestres, para quem as calçadas são especificamente reservadas. Que coisa mais ridícula! Uma ou outra vez que fazemos isso, ou paramos na rampa de entrada das nossas garagens, enquanto almoçamos e tiramos um cochilo, depois, não é com essa mórbida intenção não, gente. Mas também não custa nada o cara que vem do trabalho, apressado, a pé, desviar-se um pouquinho dos nossos veículos ? com o máximo cuidado, para não os arranhar ? e depois subir novamente ao passeio. Sendo esperto, para não ser atropelado, pronto, acabou, não precisam fazer tempestade em copo d?água!
Nós, cidadãos, não usamos o nosso dinheiro para preterir ninguém, para levarmos vantagem. Não idolatramos bens materiais, como falsamente se diz por aí, e muito menos desprezamos as qualidades humanas. O cidadão probo, inteligente, bom parceiro em suas relações sociais e comerciais, aspirante a uma sociedade mais justa, militante ativo pela promoção da igualdade, e coisas similares, são referências para nós. Temos muito respeito por eles, e os admiramos muito.
Não somos cidadãos capazes de vendermos a Lua, de tocarmos fogo no planeta com as nossas imensas poluições, de desmatarmos milhares e milhares de quilômetros quadrados de matas e florestas, só pensando em ganhar dinheiro com nossas criações, não. Sabemos que dinheiro não é tudo, embora, como diz o cantor, seja cem por cento. Nunca, entretanto, perdemos a consciência do bem geral e o respeito pelo meio ambiente e por todos os cidadãos, sejam eles pobres ou nossos pares. Não, pares, não ? puxa, de vez em quando eu tropeço e quero falar a minha linguagem corriqueira.
As pessoas precisam compreender que o cidadão brasileiro em geral é impoluto. Se algum deslize comete, deve ser relevado. Não dizem por ai que nós brasileiros temos o melhor coração do mundo? Então? Prá que ficarem com esse vezo intolerante, de nos imputar maus costumes? Ademais, esse título de cidadão tem muito peso. Respeitemo-lo, por favor!


Autor: Nilton Rodrigues de Souza

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