No silêncio o tempo se agiganta
Por Osorio de Vasconcellos | 24/04/2014 | CrônicasResumo: Fala da arte de rarefazer a ação do tempo, como forma de neutralizar a ação da morte.
No silêncio o tempo se agiganta
Consideremos a lei cósmica da temporalidade. Esta lei condiciona a natureza humana. Quando nos damos conta desse condicionamento, ocorre, via de regra, a emanação espontânea da chamada angústia existencial.
Aí, começam a surgir alternativas. Ou resolvemos fazer alguma coisa à altura do problema, ou optamos por ignorá-lo.
Do que podem fazer as pessoas à altura do problema não me ocuparei aqui. Não chega a tanto o fôlego deste enunciado. E nem aposto que nada tivesse a dizer. Cedo à convicção de que malha em ferro frio quem se mete a doutrinar à margem do sistema. Demais disso, acode-me à lembrança a frase de M. Eliade: “um valor espiritual não se adquire como uma nova marca de automóvel”.
Já da opção de ignorar o problema, vejamos o que pode ser dito.
Preliminarmente, que essa opção goza de retumbante prestígio no cenário cultural da atualidade.
Com efeito, fascina a ressonância filosófica de sua fundamentação: se a morte é inevitável, o melhor a fazer é ignorá-la.
Ora, sendo a morte uma consequência lógica da temporalidade, fica fácil entender que para ignorá-la, para ignorar a morte, será preciso aprender a arte de rarefazer a ação do tempo. Desmoralizá-lo, desmontar os mitos que lhe atribuem tanta importância. Regra número um: ficam revogados todos os méritos, todas as hierarquias erigidas em função do tempo. De um só golpe, essa canetada legitima a impaciência, adota a erudição expressa, veloz, virtual – aquela obtida à margem do tempo, via Google –; condena ao horror da intolerância os textos longos, decreta a falência das lucubrações metódicas, descarta como traste inservível a solidez da sabedoria ancestral.
Regra número dois: entre a excitação e o sentido das coisas deve-se preferir a excitação. O sentido dá trabalho, exige tempo para refletir, a excitação não custa nada e, além disso, é imediata.
Regra número três: não escreva nunca se puder fotografar. Dizia noutros tempos Castro Alves: “livros, livros a mancheia”. Hoje, no desfrute do sonho pós-moderno, diga você: fotos, fotos a mancheia. Fotografe tudo, as fotos são instantâneas e auto degradáveis. Congelam o tempo e o remetem para o cemitério glacial do esquecimento.
Já a escrita, pobrezinha, a escrita demora, dá sono e deixa rastro. Como diziam os antigos: littera manent.
Regra número quatro: só desligar a televisão em último caso. Mesmo que você não possa ver nem prestar atenção ao que diz, você sabe que no silêncio o tempo se agiganta.
Não há necessidade de alongar o ementário. Já deu para entender que a arte de rarefazer a ação do tempo domina o panorama cultural da atualidade.
Não deixa de ser um recurso engenhoso. Pena que o sustente uma falácia. Para superar a ação do tempo, o melhor a fazer não é ignorá-lo, mas observá-lo atentamente, olho no olho, até que a compreensão e a plena consciência sobrevenham.