Nietzsche E A Crítica à Modernidade
Por Américo Ribeiro | 09/09/2008 | FilosofiaRESUMO: O presente artigo confronta as concepções do filósofo alemão Friedrich Nietzsche sobre a modernidade a partir de comentários sobre o livro Para Além do Bem e do Mal por Marshall Berman na sua obra Tudo O Que é Sólido Desmancha no Ar.
Palavras – Chave: Modernidade. Filosofia. Idealismo
INTRODUÇÃO
Marshall Berman em Tudo O Que é Sólido Desmancha no Tudo Ar faz um breve comentário sobre Nietzsche na parte introdutória, citando-o como um autor entusiasta do modernismo ou das "idéias modernas" segundo o próprio filósofo alemão.Mas ao analisarmos a obra Para Além do Bem e do Mal, escrita no final do século XIX, nota-se que o autor norte-americano não deu a dimensão desta obra em seu caráter real, ou seja, não a apresenta do modo como deveria ser. Para Além do Bem e do Mal é um livro complexo, denso e escrito de modo particular e crítico, não aberto à explicações, apesar das várias que tentaram atribuir a este e não aponta nenhuma tendência seja filosófica científica,pois está impregnado de uma descrença justamente destas concepções.Em nenhum momento, tece elogios favoráveis à modernidade nem aos seus propagandistas, que o autor ridiculariza ao longo de sua obra. Para Além do Bem e do Mal não se presta à análises desse tipo, uma vez que é uma voz dissonante de tudo (ou quase tudo) que havia sido escrito no século XIX, ao mesmo tempo em que, após mais de 100 anos de sua publicação, sua contundência se mostra bastante peculiar aos conturbados e ditosos tempos atuais. Por tudo isso, Nietzsche deve ser encarado como um autor que não orienta ou sugere o pensamento de ninguém, muito menos o dele nem aponta caminho para a solução ou lugar algum.
No primeiro capítulo de Para Além do Bem e do Mal, Nietzshe já tece comentários desfavoráveis a modernidade como se nota no aforismo seguinte:
[...] Nisto há desconfiança para com estas "idéias modernas", há credulidade sobre tudo que se edifica ontem e hoje. Aí há provavelmente uma certa dose de fastio e de escárnio que já não suporta o disse-me-disse das idéias da mais diversa procedência [...] Há uma repugnância por parte do gosto mais apurado frente a essa mescla de feira e estes farrapos com que se pavoneiam os filósofos baratos da realidade em que nada é novo e autêntico a não ser precisamente essa mescla.
No capítulo segundo, critica a festa revolucionária representada pela Revolução Francesa e compara aos seus dias como uma interpretação equivocada e que procura moldar os fatos ao seu bel prazer. Mais à frente, condena de modo franco os propagandistas da modernidade que se dizem "espíritos livres" como vemos nessa passagem: "Expressando-me sem rodeios, eles fazem parte, infelizmente, dos niveladores, esses falsamente denominados 'espíritos livres', porque são escravos facundos e plumitivos do gosto democrático e das suas idéias modernas" (NIETZSCHE,2003).A partir do quinto, Nietzshe retoma os ataque e críticas a modernidade bem como as suas instituições, entre elas a democracia, desmascarada como "moral de rebanho" onde o que vige politicamente é a manipulação, não existindo o tão sonhado "poder do povo". O que existe são relações em que se é dominado ou se é dominador, conforme nos diz neste trecho:
Entendo que, desde que há homens tem havido também rebanhos humanos (clãs, comunidades, tribos, povos, Estados, Igrejas) sempre muito obedientes relativamente ao reduzido número dos mandatários entendendo, portanto, que a obediência foi até agora melhor e mais longamente praticada e cultivada entre os homens, é natural admitir-se que, de modo geral, cada um possui presentemente a necessidade inata de obedecer, como uma consciência formal que ordena: "tu deves absolutamente fazer tal coisa, deves absolutamente deixar de fazer tal outra coisa", enfim, "tu deves". Tal necessidade procura saciar-se e dar um conteúdo à sua forma.Nesse sentido, de acordo com a sua intensidade, impaciência e tensão, como apetite grosseiro sem critérios de escolha, aceitará tudo o que lhe gritam aos ouvidos qualquer dos que comandam sejam elas professores, leis,preconceitos de classe, opiniões públicas.
E em seguida critica também o socialismo, movimento que começava a dar ecos, mas que Nietzsche via apenas como mais um sistema movido pelo "espírito de rebanho" conforme se lê:
[...] A degenerescência global do homem até aquilo que é considerado pelos cretinos e boçais socialistas com o seu "homem do futuro" – seu ideal – Essa degenerescência e amesquinhamento do homem até ao perfeito animal de rebanho – ou, como eles diriam, até ao homem da "sociedade livre" – essa bestialização do homem até converter-se em animúnculo dos direitos iguais e reivindicações igualitárias é possível não haja dúvida!
No capítulo sexto, há a passagem em que Marshall Berman se refere como "o homem do amanhã e do dia depois de amanhã – que, colocando-se ao seu hoje, terá coragem e imaginação para novos valores, de que o homem e a mulher modernos necessitam para abrir o seu caminho através dos perigos infinitos em que vivem" (BERMAN, 1994.p.22). Mas esquece o trecho logo em seguida em que Nietzsche avisa categoricamente que "Em presença de um mundo de idéias modernas que pretendesse continuar cada um no seu canto, na sua especialidade um filósofo, se hoje pudesse haver filósofos (...) (NIETZSCHE, 2003)".
E quanto à mulher moderna, Nietzsche na parecia ser tão favorável assim, pois levanta críticas severas a outro movimento insurgente na época, a emancipação feminina, que transformado em objeto político é execrado por Nietzsche no final do sétimo capítulo como nos mostra essa passagem:
- A mulher quer emancipar-se. Para atingir esse desiderato começa a esclarecer os homens sobre a mulher em si. Sem dúvida que isso constitui um dos piores progressos no sentido do geral afeamento da Europa. Quanta coisa não se revelará nestas tentativas desajeitadas do cientificismo e autodesnudamentosfemininos! A mulher tem tantas razões para ficar envergonhada! Há tanto pedantismo na mulher, tanta superficialidade, doutrinarismo, presunção mesquinha, pequenez desenfreada e modesta! Preste atenção no seu convívio com crianças! Até agora, só o medo ao homem refreou e reprimiu essas fraquezas. Ai de nós no dia em que o "eternamente-aborrecido na mulher" - e ela é rica nisso!- ouse aparecer!
E culpa novamente a modernidade comparando-a metaforicamente ao rapto de Europa por Zeus no trecho seguinte:
(...)Ó Europa! Europa! Conhece-se o animal com chifres que parati sempre foi o mais atraente, que representou sempre a ameaça para ti!A tua velha fábula podia mais uma vez tornar-se história mais uma vez uma grande estupidez poderia apoderar-se de ti e arrastar-te!Nenhum deus estaria escondido sob ela, não! Apenas uma idéia, uma idéia modernista!
E por fim, para concluir, a passagem extraída por Berman faz parte do nono e último capítulo, o que demonstra que o autor não deu uma visão abrangente do livro,dando idéia de que Nietzsche fazia alusão à modernidade, porque logo à frente Nietzsche irá contradizer Berman, pois este fala dos "medíocres" como uma minoria entre os "homens do futuro" quando é justamente o contrário que se observa:
Que terão agora de pregar os filósofos da moral, que surgem nessa altura?Eles, estes observadores agudos às esquinas das ruas, descobrem que se aproxima rapidamente o fim, que tudo à volta deles corrompe e se corrompe, que nada ficará até depois de amanhã, excetuando uma espécie de homens, os incuravelmente medíocres. Apenas os medíocres têm a possibilidade de continuar, de procriar. Eles é que são os homens do futuro, osúnicos sobreviventes (...)
Com tantas críticas à modernidade, o que se conclui é que Nietzsche não deve ser rotulado nem ser associado a qualquer idéia, pois o filósofo alemão sempre deixou claro que não queria meros leitores e muito menos seguidores, queria outrossim, que cada qual fizesse experiências consigo mesmo, que cada um experimentasse o próprio pensamento. Fica evidenciado o motivo pelo qual é desfavorável aos "rebanhos".
BIBLIOGRAFIA
BERMAN, Marshall. Tudo o que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
NIETZSCHE, Friedrich. Para Além do Bem e do Mal - prelúdio a uma filosofia do futuro.(Tradução de Alex Marins). São Paulo: Martin Claret, 2003.