Neutralidade e soberania
Por Bruno Ricardo Cogan | 27/05/2013 | DireitoNEUTRALIDADE E SOBERANIA
Bruno Ricardo Cogan
Mestrando em Direito Processual Penal pela PUC/SP
Delegado de Polícia - Polícia Civil de São Paulo
Inauguralmente, estuda-se o conhecimento, matéria prima do trabalho científico. Certo se faz que o conhecimento não se restrinja aos bancos acadêmicos. Pelo contrário, inicia-se desde o nascedouro da vida e segue-nos até a morte.
Muito oportuno, então, iniciar os estudos atento para os fins e meios do próprio estudo. Isto é, sua finalidade. É uma metalinguagem, muito apropriada para iniciação científica, porquanto a mera acumulação de conhecimento refoge à noção fundamental de ser ele fonte de poder. Daí a necessidade do estudo, diga-se assim, metodológico do conhecimento.
Contextualiza-se, pois, a educação e, por força, a universidade. Dá os prolegômenos de como iniciar o estudo, de como enfrentar todo o sistema de ensino no qual se está inserido e o que se deve entender por “busca do conhecimento”.
Tem-se que a opção genésica não foi “neutra”, mas estratégica numa visão do curso: uma forma de pensar sobre o pensamento.
Assim, vê-se que a guarda, crítica, regeneração e conservação do conhecimento é missão da universidade. Aponta-se também a paradoxal atividade realizada: formar os alunos para as necessidades imediatas do mercado e para formação de pensadores, com conhecimentos amplos. Tudo isso numa mesma grade curricular.
Com efeito, a atividade aí exercida é multifacetária. Os próprios valores da instituição são plurais. Não poderia ser diferente esta conexa com os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito, a saber o pluralismo político (artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal). Vêem-se, pois, tanto os valores da sociedade em geral como os próprios da vida universitária (autoconsciência, problematização, pluralidade, primazia da verdade sobre a utilidade e ética do conhecimento).
Ademais, a divisão de disciplinas na Academia representa a diversidade (em extensão) do conhecimento, atento à filosofia cartesiana, no sentido de dividir os problemas tanto quanto possível, de modo a torná-lo mais simples em sua investigação do todo; contudo, sem perder de vista a noção de unidade e complexidade do conhecimento.
Devem conviver a especialização temática (cumulação de conhecimento sobre um ponto) e a problematização (que é a colocação dos pontos estudados em seu contexto, com toda carga multidisciplinar que toda e qualquer questão suscita).
Neste sentido, já afirmava PONTES DE MIRANDA (À Margem do Direito, 3ª edição, Campinas: Bookseller, 2005, pp. 28-29):
Mas a irredutibilidade, em que geralmente se crê, estatelada entre as ciências, só é possível, todavia, logicamente: o contrário, a meu ver, é uma insinuação ou impensado avance, impuro e soez, de metafísica. Estou nesse passo, e sinto-me bem, ao lado de Gley, fugindo aos demais que arvoram a certeza contraditória. Fundem-se, completam-se as ciências, com trocarem entre si observações e métodos; não se porfiam, não se contradizem, permeiam-se: a vida explica-se, posto que logicamente se não reduza, pelas leis físico-químicas, o espírito pelas leis fisiológicas e a sociedade, em remate, pelos fenômenos psíquicos e econômicos, por modo que, por todos os recantos, desde a biologia até as ciências sociais, a mesmeidade existe a defrontar, na aparência, a diferenciação específica: de um desenvolvimento que se juncou de acidentes, da vida, surgiu o espírito, que é “uma faísca do princípio geral das coisas” (DRAPER, Les Cconflits de la Science et de lê Religion, 1877, cap. V).
Esta fragmentação do conhecimento gerou uma separação, de um lado a cultura humanista, geral, e do outro a cultura científica, hermética, sob uma equivocada forma antagonista de ver o conhecimento, que é naturalmente interdisciplinar, atento à causalidade circular e multirreferencial, a situar toda a informação em seu contexto.
Desta forma, conclui-se que o conhecimento progride pela capacidade de conceituar e globalizar. E não pela abstração, formalização ou sofisticação.
E o objetivo principal da reforma da universidade é a reforma do pensamento em si, para que se permita o emprego total da inteligência. Mais do que uma reforma pragmática, é uma reforma de referencial, paradigmática, que diz respeito à capacidade de organização do conhecimento.
É de se afirmar que a reforma que se pretende deve atingir o pensamento do complexo, que foca as múltiplas relações geradas por um fenômeno. e do contextual, que frisa a indissociabilidade do fenômeno dentro de seu contexto (“acontecimentos planetários”) .
Assim, a adequada reforma da universidade exige reproblematização dos princípios do conhecimento e problematização das aparentes soluções; reforma do pensamento por outro capaz de contextualizar, ligar e globalizar; e transdisciplinariedade. Sem perder de vista que a reforma universitária deve acompanhar uma reforma no ensino geral, sempre contextualizando os grandes problemas da vida, como forma de reforçar a democracia.
Passada a advertência introdutora, acerca da função do conhecimento, mister se faz o estudo da soberania.
Para Emer de Vattel há os direitos naturais do homem que possuem natureza geral, a ponto de poder condicionar a criação de uma sociedade de Estados. Daí concluir que existem os direitos das gentes natural e os direitos das gentes voluntário (este vem para regras atos específicos entre Estados).
Assim, a liberdade e independência, que não podem ser reduzidas, tal qual cada homem possui por sua própria natureza, são encontrados também nas relações entre países.
Todavia, não se concebe o Estado como entidade absolutamente independente ou livre. Entende que cada Estado possui deveres para consigo e para com os demais.
O que significa que noção de liberdade e independência entre os Estados restringe as suas condutas e, desta forma, a noção de soberania. Ademais, os entes internacionais devem ser entendidos como pessoa moral, que tem capacidade de compreensão, vontade e poder, que lhe são inerentes.
Surge, assim, a noção de obrigações “perfeitas”, que são aquelas que permitem fazer-se cumprir uma obrigação, e “imperfeitas”, que dão direito a pedir o cumprimento de uma obrigação. Portanto, a conduta de um Estado será ilegal de acordo com as leis da consciência e deverão ser suportadas pelas demais nações a não ser que ofenda os direitos perfeitos.
Vê-se uma instancia de critica da política nacional, sujeitando-a a uma moral universal, com raízes no voluntarismo nacionalista e aos consentâneos deveres de assistência. Os deveres da soberania mostram-se adequados com a noção de direito internacional, sendo fundamental para a organização dos Estados, mas sem caráter absoluto.
Já Henry Wheaton entende o direito internacional segundo as regras de conduta deduzidas pela razão que existe entre as nações independentes, sempre estabelecidas pelo consentimento geral e pelas bases da Justiça.
Da mesma forma, entende o direito como sociedade de nações, mas não faz o direito natural como origem do direito internacional, mas sim com base no consentimento dos membros das sociedades de nações. Entende que os sujeitos do direito internacional são as nações e os Estados.
Desta forma, a soberania é entendida como uma característica distintiva dos Estados. O Estado soberano é definido como um grupo qualquer de pessoas que governa a si mesmo. Com esta ideia, a noção de soberania traz igualdade, contudo pode ser verificada em diversos graus e não em forma absoluta.
A noção de igualdade soberana entre é tida como fundamento do Direito Internacional. Aduz que os limites da soberania são encontrados na própria soberania, que se restringe a si mesma; trata-se do dever de respeitar a igualdade soberana.
Para Alejandro Alvarez, há um modelo prático para o direito internacional, para quem o direito internacional é direito jurídico, político, econômico, social e psicológico. É o que chama de direito da interdependência social, que advém das realidades da vida internacional e da consciência jurídicas das nações.
Estas são as principais características da soberania: a delimitação dos direitos dos Estados e sua harmonização; a ênfase na noção de deveres entre os Estados e entre estes e a sociedade internacional; e a condenação do abuso do direito. Pois, entende que soberania é um corpo completo de direitos e atributos que um Estado exerce em seu território e em suas relações com os demais. Confere direitos e deveres, desenvolvidos sob uma ótica positivista.
Por fim, Hans Kelsen desloca a noção de soberania do Estado, de modo que entende que qualquer coisa, pessoa ou grupo que não reconheça poder superior ao seu é soberana. É, pois, uma concepção normativa de soberania, que trata da posição do ente no mundo dos valores (no sistema de normas).
Tem-se que a coexistência de “direitos” só é possível a partir da fixação de limites da validade das competências dos Estados, mais do que pelos poderes que o Estado possui.
Tiram-se duas importantes conseqüências. A soberania como categoria teórica e a inexistência de uma ciência do Direito Internacional (não há fonte normativa válida que regula conduta dos Estados; não existe uma ordem superior). Assim, na ordem internacional não há ciência jurídica, apenas uma moral positiva.
Em seguida, veio à baila o estudo do (aparente) conflito entre a Justiça no Direito Internacional e a soberania dos Estados, debate inseparável da noção de soberania.
O depósito do sexagésimo instrumento de adesão do Tribunal Penal Internacional (TPI ou, em inglês, ICC), conforme previsto no Estatuto para a Criação de um Tribunal Penal Internacional Permanente (Estatuto de Roma), entrou em vigor tal instância judicial em 01 de julho de 2002. Até agosto de 2003, 91 países haviam firmado adesão.
Não existia, até então, um estatuto uniformizado sobre crimes internacionais, fato que vinha sendo almejado desde o século XIX. Após outras tentativas e alguns tribunais ad hoc, nas décadas de 1980 e 1990 reiteram-se os esforços, que resultaram no “Draft Statute for the International Criminal Court” de 1994, aprovado como o Estatuto de Roma.
O Estatuto de Roma possui dispositivos materiais e processuais. É pautado pelo princípio da tipicidade dos crimes e da irretroatividade das disposições penais. Também não há pena de morte, sendo a prisão perpétua a espécie sancionatória mais grave, como forma de atender a exigências culturais de certos povos.
Percebe-se a negativa dos Estados, em regra por força de norma constitucional, entregar seus nacionais. A doutrina e a jurisprudência internacionais replicam que a lei nacional não pode ser oposta às normas internacionais (artigo 26 e 27, da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados) e que não se trata de extradição, tal qual como consta dos textos legais internos, mas de entrega, instituto diverso.
Afirma-se que esta entrega ofenderia não só o monopólio do poder de punir como também o de legislar, além de ofender o direito positivo dos Estados-Membros. Em contrapartida, a Corte Interamericana dos Direitos Humanos e o Tribunal Penal Internacional têm declarado a ausência de efeitos jurídicos das leis de anistia em crimes contra a humanidade. Portanto, há evidentes choques entre essas duas instâncias.
Mas, a perda de soberania é um elemento muito mais aparente do que real. As cortes internacionais não têm poder de coerção. Mesmo quando condena um Estado por não cumprir sua decisão, nenhum ato material é tomado para cumprir o mandamento.
Todavia, a Justiça Internacional torna-se necessária quando os mecanismos internos falham para punir altos criminosos por fatos graves. Uma solução seria aumentar a competência dos juízes nacionais para julgar crimes internacionais, qualquer que seja a nacionalidade do autor ou da vítima, conforme já prelecionava Grócio. Sob duas condições: não ter o Estado em que ocorreu o fato iniciado atos de jurisdição e dar-se condições de um devido processo penal material.
A antiga territorialidade, que justificava a punição do crime no lugar de seu cometimento – em razão da turbação social – deve seguir as proporções atuais das graves violações aos direitos humanos. Pela competência universal, busca-se evitar o risco de impunidade, a maior eficiência e o medo de os países omissos verem seus agentes responderem por crimes em cortes locais de outros Estados.
Ressoa, com efeito, o estudo dos Tribunais Internacionais.
A iniciar, está o TJCE. Sua jurisprudência, há tempos, erigiu a Convenção Europeia de Direitos Humanos como fonte material de direitos fundamentais, por força dos princípios gerais do direito. Todavia, após a assinatura do Tratado de Lisboa, que tomou explicitamente tal direção, criaram-se alguns problemas quanto à interpretação desta cláusula.
Veja-se, primeiro, o rol de direitos. A CDJUE possui um campo específico de atuação, próprio aos membros da União Europeia. Também, há previsão de prevalência da Carta (a CDJUE), em face da maior densidade de direitos que contém. Isto afastaria a autuação da CEDH e dos seus mecanismos. Somam-se outros problemas: legitimidade ativa e passiva, jurisdição, extensão dos efeitos das decisões, esgotamento das vias nacionais e comunitárias, etc.
Neste espírito veio o Documento de reflexão do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre determinados aspectos da adesão da União Europeia à Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais de 5 de maio de 2010, que é evidência dessa disputa por espaço.
E, em nosso sentir, esta disputa por espaço é muito prejudicial à tutela dos direitos fundamentais, objetivo primeiro e último das Cortes Internacionais de Direitos Humanos. Quando esta noção de fim fica num segundo plano, os cidadãos perdem acesso a um meio eficaz de proteção de seus direitos. Ficam, portanto, desprotegidos.
Doutra banda estão os TBI – Tratados Bilaterais de Investimento, meio eficaz de solução de litígios comerciais.
Importante, para entender o êxito em seus julgamentos, marcados pela segurança jurídica, é a formação de jurisprudência vinculante, que muitos refutam para dar-lhes efeito orientador apenas.
Fica evidente, aqui, a colisão entre os dois grandes sistemas jurídicos ocidentais: o da common law e o da civil law. O primeiro marcado pela certeza de seus julgados e o segundo pela equidade.
Passo seguinte foi o estudo da neutralidade.
A tomada de qualquer decisão, inclusive sob o aspecto negativo (omissivo), envolve a neutralidade. O fenômeno possui uma particularidade interessante: seu conceito evoluiu da mesma maneira que as relações entre os Estados; e da mesma forma como os Estados agem em suas relações internacionais (e, por que não, nacionais também), não há uma noção absoluta de neutralidade.
Isto significa que a exata extensão e conteúdo da neutralidade depende da situação em que se encontram os participantes. E, principalmente, em que momento histórico está a se tratar.
Para os realistas clássicos, a neutralidade está para a ética consequencialista: faz-se aquilo que melhor aprouver.
Em sentido oposto estão outros, com fundamentos morais, políticos e estratégicos, apoiados por outra visão realista - históricos (Maquiavel), teóricos (Niebuhr), praticantes (Churchill) ou realista-teórico-praticantes (Kissinger).
Para alguns, a neutralidade transmite ideia muito mais de imaturidade ou dependência do que de amizade ou inimizade. Por outro lado, seria uma peça fundamental para a construção de poder global ou regional.
Já o realismo estrutural não aponta um juízo apriorístico da neutralidade. Aduz que a neutralidade pode ser uma resposta ao acúmulo de elementos de poder, que criaria um desequilíbrio pelo domínio de um pólo.
Merecem destaque o realismo periférico, segundo o qual a neutralidade é incorreta, porque pode refletir idealismo ou desafio, e a visão liberal da neutralidade.
Lembrou-se da lição de GROCIO, que ruma pelo reconhecimento de guerra justa. Daí os países neutros não deveriam aumentar o poder do país que inicia uma guerra injusta ou embaraçar aquele que responde a uma injusta provocação.
Segundo KANT, a neutralidade é medida de rigor quando envolver países autoritários ou entre um autoritário e outro que pertença à “federação de democracias”.
Há também a teoria construtivista. Segundo esta, a neutralidade deve seguir a cultura estabelecida entre as nações. Se inimigas, não deve haver neutralidade; se rivais, pode haver neutralidade e não-alinhamento; se amigas, devem ser aliadas. Tudo isto seria influenciado pela identidade, pela crença, pelos regulamentos, pelos interesses sociais, etc.
Do que se conclui que a neutralidade é uma forma de expressão da soberania e autonomia dos Estados.
Também, com base na soberania e autonomia, reflete a política exterior ou de defesa de um Estado. Estes dois elementos compõem a parte realista da neutralidade; do outro lado está a idealista, campeada pelo Direito.
Desde o século XX, a neutralidade referia-se, necessariamente, a conflito em países, contudo esta visão mostra-se vetusta hoje em dia. O perfil dos embates é muito mais econômico e político do que militar (não que este não exista). Até porque as guerras são anti-econômicas e com potencial nuclear, se entre potências. Daí as guerras de hoje serem travadas pacificamente entre potências.
Deste quadro surge a nova teoria da neoneutralidade, segundo a qual ser neutro não significa ser omisso. A ideia central, nesta teoria, é evitar a guerra; e, para isso, os países devem expor suas posições, visando sempre evitar a solução bélica como alternativa.
No bojo desta adequação semântica da neutralidade, surge a noção de autonomia relacional.
A ideia de um mundo em que cada país vive isolado e autonomamente está perdida desde Guerras Mundiais, mas principalmente desde a cristalização da globalização.
Portanto, as visões individualistas ficaram de muito ultrapassadas; hoje prevalecem as visões globais, regionais e locais, em prejuízo da unicamente nacional (isto é, que excetua as demais nações de seu campo de interesse e atuação).
E concluído o entendimento de tomada de decisões, rumou-se para o passo seguinte: a efetivação dos direitos fundamentais.
Tudo se inicia pelo reconhecimento da dignidade da pessoa humana, como centro axiológico do Estado, a superar, para alguns, até a própria vontade popular.
Outro mecanismo importante para a efetivação das garantias fundamentais foram os já apontados Tribunais Internacionais de Direitos Humanos. Abertura do direito interno ao direito internacional, mostrou-se um avanço, pois não existe mais a chamada lógica de Estado, que unia, à soberania, irresponsabilidade dos agentes políticos.
O papel da atuação dos Tribunais na efetivação dos direitos fundamentais remonta ao Estado Democrático de Direito, em suas próprias raízes. Trata-se de nova visão da famosa teoria da Separação dos Poderes, já que os direitos fundamentais só têm sentido se um órgão do Estado puder opor-se à atuação de outro órgão também do Estado – sob a visão de freios e contra-pesos (checks and balances)
Sabiamente, NORBERTO BOBBIO (A Era dos Direitos, tradução Carlos Nelson Coutinho, 10ª tiragem, Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 23-24) já afirmava sobre os direitos humanos:
É inegável que existe uma crise dos fundamentos. Deve-se reconhece-la, mas não tentar supera-la buscando outro fundamento absoluto para servir como substituto para o que se perdeu. Nossa tarefa, hoje, é muito mais modesta, embora também mais difícil. Não se trata de encontrar o fundamento absoluto – empreendimento sublime, porém desesperado -, mas de buscar, em cada caso concreto, os vários fundamentos possíveis. Mas também essa busca dos fundamentos possíveis – empreendimento possível e não destinado, como o outro, ao fracasso – não terá importância histórica se não for acompanhada pelo estudo das condições, dos meios e das situações nas quais este ou aquele direito pode ser realizado. Esse estudo é tarefa das ciências históricas e sociais. O estudo dos problemas históricos, sociais, econômicos, psicológicos, inerentes à sua realização: o problema dos fins não pode ser dissociado do problema dos meios.
Adiante, a proteção dos direitos fundamentais ocorre sob três fases: mecanismos internos, mecanismos gerais e mecanismos processuais (ou remédios).
E, como bem apontado, os direitos fundamentais representam toda a essência da evolução dos povos e dos Estados, devendo contar, por isso, com métodos que lhe sejam compatíveis.
Como adverte J. J. GOMES CANOTILHO (Médotos de Proteção de Direitos, Liberdades e Garantias, in SILVA, Marco Antonio Marques da et. alli, Direito Penal Especial, Processo Penal e Garantias Fundamentais – visão luso-brasileira, São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 130),
A doutrina dos regimes dos direitos fundamentais procura captar os traços da disciplina jurídico-constitucional dos direitos fundamentais. A indagação dos métodos de proteção visa descobrir os instrumentos, mecanismos, categorias e institutos jurídicos utilizados pela Constituição na tessitura dessa mesma disciplina.
Apenas entendendo como se portam os direitos fundamentais é que será possível atingir o fim desejado: proteger o homem, razão da existência de toda e qualquer criação sua.
E, para encerrar, cumpre apontar os ensinamentos de ÉTIENNE DE LA BOÉTIE, que datam de 1553, para quem um povo só será servo se assim o permitir, pois homem nenhum tem tantas armas e mãos quanto pessoas que formam um povo; daí concluir-se que a servidão dos povos é voluntária (em Discurso sobre a Servidão Voluntária, traduzido por J. Cretella Jr. R e Agnes Cretella, 2ª edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 35)
São, portanto, os próprios povos que se deixa, ou antes, se fazem governar, pois cessando de servir estarão livres; é o povo que se sujeita, que se corta a garganta, que, podendo escolher entre ser subjugado ou ser livre, abandona a liberdade e toma o jugo, que se consente no mal, ou antes, o persegue.Se custasse alguma coisa recobrar a liberdade, eu não a procuraria; que coisa o homem pode ter de mais caro do que seu direito natural, e, por assim dizer, de animal tornar-se homem.
BIBLIOGRAFIA
ALEXANDRINO, José de Mello. O papel dos Tribunais na Proteção dos Direitos Fundamentais. Palestra proferida na “Conferência Alusiva ao 2.º Aniversário do Tribunal Constitucional de Angola”, organizada pelo Tribunal Constitucional de Angola e pelo Instituto de Cooperação Jurídica da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em 5 de Agosto de 2010, na Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto, em Luanda.
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos, tradução Carlos Nelson Coutinho, 10ª tiragem, Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
BOÉTIE, Étienne de la. Discurso sobre a Servidão Voluntária, traduzido por J. Cretella Jr. R e Agnes Cretella, 2ª edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
CANOTILHO, J. J. Gomes. Médotos de Proteção de Direitos, Liberdades e Garantias, in SILVA, Marco Antonio Marques da et. alli, Direito Penal Especial, Processo Penal e Garantias Fundamentais – visão luso-brasileira, São Paulo: Quartier Latin, 2006.
CASSESE, André. Existe um conflito insuperável entre soberania dos Estados e Justiça Penal Internacional?, in Crimes Internacionais e Jurisdições Internacionais, Antonio Cassese e Mereille Delmas-Marty, ed. Manole.
FRULLI, Micaela. O Direito Internacional e os Obstáculas à Implantação para Crimes Internacionais, Antonio Cassese e Mireille Delmas-Marty (coord.) in Crimes Internacionais e Jurisdições Internacionais, tradução de Silvio Antunha, Barueri, São Paulo: Manole, 2004.
MESQUITA, Maria José Rangel de. A União Europeia após o Tratado de Lisboa.
MIRANDA, Pontes de. À Margem do Direito, 3ª edição, Campinas: Bookseller, 2005.
MORAN, Edgar. Educação e Complexidade: os Sete Saberes e outros Ensaios, Maria da Conceição de Almeida e Edgar de Assis Carvalho (coord.), tradução de Maria da Conceição de Almeida, 2ª ed., São Paulo: Cortez, 2004.
PINTO, Mônica (compiladora). Barreiros, Lucas E., et alli. Las fuentes Del Derecho Internacional en la Era de la Globalización, Buenos Aires: Eudeba, 2009.
RUSSEL, Roberto e TOKATLIAN, Juan Gabriel. Autonomía y Neutralidad em la Globalización. Una Readaptación Contemporánea, Ed. Capital Intelectual.
SCHARF, Kurt. Direito Penal Internacional para a Proteção dos Direitos Humanos, em Simpósio da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e Goethe-Institut de Lisboa.