NEUROMARKETING: DIREITO DO CONSUMIDOR ENTRE CIÊNCIA E LIBERDADE DE ESCOLHA

Por Catarina Santos Bogea | 13/06/2017 | Direito

ESTUDO DE CASO - NEUROMARKETING: DIREITO DO CONSUMIDOR ENTRE CIÊNCIA E LIBERDADE DE ESCOLHA¹ 

Catarina Santos Bogéa²

Thais Viegas³ 

1 DESCRIÇÃO DO CASO

O neuromarketing enseja, atualmente, nova estratégia de publicidade utilizada por empresas fornecedoras de produtos e serviços com o fim de recrutar mais e mais consumidores. A controvérsia acerca deste tipo de estratégia está no modo como o procedimento é realizado, isto é, o neuromarketing se utiliza de conhecimentos científicos para acessar o labirinto do cérebro humano, com o objetivo de relatar quais características no âmbito da publicidade e propaganda de determinado produto chamariam, de forma inconsciente, a atenção do consumidor, que estaria a adquirir certo serviço ou produto sem dar-se conta de que aquela é a sua vontade.

A publicidade e oferta no Brasil são devidamente legisladas no CDC, contudo, até que ponto a apelação a reações neurológicas de uma pessoa violaria o seu direito de liberdade de escolha e informação? Noutro giro, como é possível conter estratégias de publicidade, como o neuromarketing, sob o prisma da ilegalidade ou violação de certo direito? Este segundo posicionamento poderia também ferir a liberdade de oferta por parte do fornecedor. A seguir, o caso descrito acima será analisado em maiores detalhes. 

2 IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO

Em observância a vulnerabilidade do consumidor, e em busca de sua proteção, alguns princípios para a elaboração da publicidade foram previstos no CDC. Senão, vejamos: principio da identificação da publicidade, principio da vinculação contratual da publicidade, principio da veracidade, principio da não-abusividade publicitária, principio da inversão do ônus da prova, principio da transparência da fundamentação publicitária e principio da correção do desvio publicitário. Em resumo, o legislador se preocupou em proteger o consumidor contra publicidade que o induziria a comportar-se de forma prejudicial a sua saúde e segurança, isso ao levar em consideração, que este consumidor vulnerável não possui dados fáticos, técnicos e científicos que integram o embasamento da mensagem publicitária.

O principio da transparência da fundamentação deixa claro que a apresentação de produtos ou serviços deve ser clara, de modo que o consumidor compreenda explicitamente o que está sendo publicizado. Ora, o neuromarketing trabalha justamente as características implícitas do produto e do desejo que a propaganda daquele produto irá ensejar no inconsciente do consumidor que irá se tornar adquirente. 

Todavia, condenar de imediato o fornecedor que busca melhoria contínua em seus métodos de propaganda para, é claro, aumento, das vendas, seria por demais precipitado. Não esqueçamos que a publicidade é instituto fundamental em qualquer economia de mercado, é fato que trata-se de matéria de extrema relevância, e por isso mesmo não deve ser ignorada pelo Direito a medida que sofre inovações, a exemplo da utilização do neuromarketing. O consumo é inevitável, assim como a sua força atrativa, e nada mais normal, por parte dos fornecedores, que a ampliação das estratégias de marketing, as quais passam a atuar de forma cada vez mais direcionada, em busca do consumidor por suas características socioeconômicas, culturais e estéticas. O consumidor passa a ser obra expressa daquilo que ele consome; a aquisição de um produto enseja satisfação de um desejo, sentimento de inclusão social em seu meio, dentre outros. O neuromarketing busca justamente aprofundar-se nos anseios cerebrais do consumidor, de modo que a técnica reproduza na publicidade de um produto o desejo inconsciente do futuro adquirente. Dizer se isto é certo ou errado, ou deve ou não ser legislado, é matéria para analise aprofundada. A seguir vejamos posicionamentos contrários e a favor do neuromarketing se considerado a liberdade de escolha e princípios protetivos já legislados pelo CDC.

 

2.1 Legitimidade da utilização do neuromarketing sem compromisso a liberdade de escolha do consumidor  

Compreender o comportamento do consumidor no processo de compra é fundamental para encontrar a chave que poderá levar ao sucesso de uma marca. É neste âmbito que o neuromarketing, tem sido essencial para a compreensão do comportamento do consumidor. Isso se dá através de análise do cérebro, envolvendo elementos sensoriais que provêm do consumo de um produto, marca ou serviço, e de estímulos quando da observação de um determinado anúncio publicitário. (CORREIA, 2014).

Devido à crescente necessidade de organizações multinacionais manterem-se em um mercado competitivo, o neuromarketing tem sido adotado pelos investigadores comerciais com o objetivo de perceber quais os desejos e as necessidades dos consumidores. Foi assim que o neuromarketing nasceu como um campo focado no estudo do comportamento do consumidor e intrínseco à neurológica.

Neste sentido, e segundo Morin apudCORREIA (2014), o neuromarketing oferece técnicas que permitem sondar a mente humana sem exigir a participação cognitiva ou consciente dos participantes dos estudos, obtendo informações valiosas sobre se uma mensagem, por exemplo, publicitária, será um êxito ou um fracasso.

As criticas relacionadas ao neuromarketing e a suposta falta de ética que o mesmo carrega se valem do argumento da falta de autonomia do consumidor, que já vulnerável, estaria quase que sendo enganado, manipulado ou levado a consumir um produto que nem ser tinha necessidade ou almejava. Todavia, empresas possuem caráter comercial, e nada obsta que adentrem o campo cientifico para formularem os seus projetos. Empresas não são capazes de ler a lente humana, tampouco adentrar a privacidade dos seus pensamentos. Os princípios da publicidade já estão devidamente legislados no CDC, e reformar o código toda vez que a ciência obtiver um avanço seria feito inalcançável.

O estímulo a reações cerebrais através do neuromarketing apenas suscitam uma vontade de adquirir determinado produto já existente no inconsciente daquele ser humano. Isto jamais poderia ser considerado ilegal ou ilegítimo, sob dura pena de afronta a princípios constitucionais que defendem, por exemplo, a liberdade de expressão, assim como a liberdade a propaganda.

 

2.2 Ilegitimidade da utilização do neuromarketing sob a ótica do comprometimento a liberdade de escolha do consumidor e o seu direito básico a informação

O consumidor, sem qualquer sombra de duvida, ocupa posição inferior a ocupada pelo fornecedor, e sob esse ótica, o neuromarketing contribui ainda mais para a exacerbação da vulnerabilidade deste consumidor inferiorizado. Não a toa, o código consumerista dedicou atenção especial ao controle do marketing e publicidade, isso porque esses dois últimos estão inseridos no dia a dia da sociedade, e esta inserção faz com que a própria percepção dos fatos que acontecem na sociedade sejam decorrência de uma filtragem realizadas pelos marketeiros, que acabam por estabelecer padrões de conduta e de compreensão social no intuito de alavancar as vendas de seus produtos (COELHO, KOZICKI e MENDONÇA, 1997).

Neste contexto social, surge o neuromarketing, que busca estudar quais são as variáveis capazes de influenciar o comportamento do consumidor no processo decisório de compra, utilizando para este fim ferramentas da psicologia e da medicina.(SOARES, 2007). Ante este panorama, questões éticas devem ser suscitadas quando da utilização do neuromarketing, uma vez que regulamentação ética existente atualmente leva em consideração apenas o marketing comum. Ora, não há como negar que o neuromarketing é ferramenta que veio para aprofundar a vulnerabilidade do consumidor. Isso porque abriu um novo campo de investigação, onde ao profissional do marketing é permitido o acesso a reações físicas do consumidor.

Como já dito, o consumidor é o vulnerável, o elo fraco da relação de consumo, logo a exigência do direito protegê-lo ante as investidas do fornecedor. Ocorre que o neuromarketing reforça essa vulnerabilidade, pois disponibiliza um conjunto de técnicas já desenvolvidas e a desenvolver que verticalizam ainda mais a relação de consumo, bem como afetam a intimidade do consumidor ao analisá-lo de forma interna, e não externamente, como faz o marketing tradicional.

Frente a essa realidade, não pode o direito restar inerte, mas deve tutelá-la buscando compreender as propostas do neuromarketing e as técnicas já existentes, no intuito de fazer inserir no CDC dispositivos tratando do tema à semelhança do que foi realizado com o marketing e a publicidade. Esta modificação legislativa, por fim, é importante, pois repercutirá na minoração do consumo irrefletido, decorrente de abordagens publicitárias aéticas que utilizam de forma irresponsável e desmedida, as técnicas do neuromarketing e estabelecerá um padrão normativo a ser observado por todos aqueles que atuam no segmento publicitário e de vendas.

 

3 CRITÉRIOS E VALORES

  • Conceito de neuromarketing e as suas aplicações;
  • Limites da intervenção legislativa à liberdade de propaganda;
  • Exacerbação da vulnerabilidade do consumidor a partir das técnicas de neuromarketing.
  • Regulamentação do novo instituto de marketing, ao qual seja, neuromarketing.
  • Princípios consumeristas norteadores da publicidade.

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei 8.078 de 11 de Setembro de 1990. Publicada no Diário Oficial da União em 12 de Novembro de 1990.

CAMPBELL, Colin. Eu compro, logo sei que existo: as bases metafísicas do consumo moderno. In Barbosa, Lívia & Campbell, Colin (org). Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006

COELHO, Sergio Reis; KOZICKI, Katya; MENDONÇA, Gilson Martins.O princípio da vulnerabilidade e as técnicas de neuromarketing: aprofundando o consumo como vontade irrefletida.Scientia Iuris : revista do curso de Mestrado em Direito Negocial da UEL / Departamento de Direito Público e Departamento de Direito Privado, Centro de Estudos Sociais Aplicados, Universidade Estadual de Londrina. – Vol. 1, N. 1 (Jul./Dez. 1997).

CORREIA, Marisa Sebastião Cabral. Avaliação dos contributos do neuromarketing na gestão da marca. Dissertação para a obtenção do grau de Mestre em Ciências Empresariais, sob orientação da Professora. Doutora Maria Teresa Borges Tiago e do Professor Doutor Flávio Gomes Borges Tiago. Universidade dos Açores, 2014.

MELO, Ana Claudia Dias. A NOVA TÉCNICA DE SEDUÇÃO DO CONSUMIDOR:neuromarketinge a hipervulnerabilidade do consumidor. Monografia apresentada como requisito para aconclusão do curso de bacharelado em Direito,do Centro Universitário de Brasília – UniCEUB. 2011. Disponível em: http://repositorio.uniceub.br/bitstream/123456789/337/3/20655916.pdf. Acesso em: Mar 2015.

Morin, Christophe (2011). Neuromarketing: The new science of consumer behavior. Symposium: Consumer Culture in global perspective. Soc 48:131–135.

Murphy, E. R.; Illes, J. & Reiner, P. (2008). Neuroethics of neuromarketing. Journal of Consumer Behaviour.7:293–302. Published online in Wiley InterScience. DOI:10.1002/cb.252.