Neurociência e educação: o papel das emoções no comportamento

Por cleonice de almeida cunha lussich | 15/02/2018 | Educação

Cleonice de Almeida Cunha Lussich

Um professor chega à escola, prepara-se para iniciar mais um dia letivo. Ele preparou uma aula diferente na tentativa de ter menos problemas com a disciplina da sua classe. A escolha de novas estratégias foi uma das dicas oferecidas a ele numa das infindáveis reuniões de ATPC (atividade de trabalho pedagógico coletivo). Alguém falou que aulas com estratégias diferentes poderiam solucionar as questões com a indisciplina.

O que ocorreu depois do ATPC é um fato que todos já sabem. Mais uma vez o professor sai exausto e frustrado pelo seu fracasso. De novo,sua aula não deu certo, os alunos, mais uma vez, não tiveram a mínima postura em sala deaula.e, novamente, o professor reagiu a um comportamento inadequado e tudo saiu do controle.

Onde está o problema?  De quem é a culpa? Como entender e encontrar a solução para lidar com comportamentos inadequados?

Sabe-se que os problemas de comportamento na escola, na sala de aula, sejam eles de classe AA ou de classeD e E, tem sua origem em diferentes frentes. O fato é: os sujeitos da Educação(professor, gestores, coordenadores, orientadores, alunos e pais)estão sem saber o que fazer e como fazer para que os alunos/filhos possam aproveitar/aprender mais, especialmente nas escolas.

Diante desse cenário, a opção de discussão, neste momento, se pautará nos achados na Neurociência e como o conhecimento do funcionamento do sistema nervoso central (SNC) pode colaborar na busca de novas possibilidades de enfrentamento de tais situações. Assim, o entendimento da emoção no comportamento pode ser uma possibilidade de olhar a prática docente e a escola de outro modo, resultandoem novas práticas e em uma reconfiguração da escola.

Então, vamos lá! Sobre emoção, Roberto Lent[1](2016, p. 254) diz que ela é “[...] um conjunto de reações químicas e neurais subjacentes à organização de certas respostas comportamentais básicas e necessárias à sobrevivência dos aninais”.

Já, em relação ao comportamento,Tieppo(2017, p. 2)[2] define-o como “[...] execução de padrões no tempo”. A neurocientista diz que o comportamento tem como pai o sistema genético, que determina como se desenvolverão as estruturas e sistemas do ser vivo. E a mãe é o ambiente no qual ele será aprendido e executado.

Tendo como alicerce conceitual as duas definições, voltemos ao problema em pauta. Lidar com problemas disciplinares não é fácil, mas possível, para isso o professor precisa compreender seu sistema emocional e como ele afeta seu comportamento/ações. Em outras palavras, é preciso que o docente perceba como ele recebe os estímulos externos (resposta indevida do aluno) e como responde a este estímulo (literalmente discute e “bate boca” com o aluno).

A partir dessa percepção, o professor poderá controlar seu sistema emocional e planejar melhor suas reações e respostas. Se emoção é uma reação química e o comportamento é a execução de um padrão, os comportamentos (gestos, tom de voz, “caras e bocas”) do professor podem ou não reforçar um padrão comportamentaljá esperado pelo aluno, uma vez que o ambienteproduz estímulos que, na maioria das vezes, reforça um ato motor esperado (predição).

Mas como tudo isso acontece no SNC? Em relação ao comportamento as informações do meio chegam ao nosso cérebro por diferentes vias de processamento. Elas, por sua vez, são processadas em diferentes sistemas. São eles: sistema sensorial, intrínseco, cognitivo e motor. Estes geram uma resposta evidenciada por um determinado comportamento, que podem ser atos reflexos ou voluntários.

Para isso acontecer muitas estruturas cerebrais são utilizadas. As áreas corticais de associação fazem o escaneamento ou leitura do ambiente pelas diferentes vias sensoriais, os núcleos da base são responsáveis pelo comportamento adaptativo, o córtex motor elabora a representação do movimento, o pré-motor faz a indução do movimento, o cerebelocalcula disparidades entre a intenção e a ação planejada, a medula espinal ou espinhal e núcleos do tronco cerebral são responsáveis pela execução do movimento.

 Se fosse só o aspecto motor nessa situação, tudo seria mais fácil de se resolver, masjunto e misturado entra o sistema da emoção. Este é responsável pelas alterações endócrinas e anatômicas, que são geradas a partir da ativação do sistema límbico. Neste sistema cada estrutura tem sua função: o hipotálamo é responsável pela integração de diversas repostas endócrinas, autonômicas e comportamentais essenciais para a sobrevivência do indivíduo e da espécie, portanto, de alto teor emocional. A amígdala tem o papel de modular o comportamento, funciona na interface da cognição e emoção. O núcleo acumbente está envolvido no processamento emocional, no aprendizado e na memória.

Quanto trabalho e energia o SNC utiliza para “uma simples discussãozinha entre professor e aluno em sala de aula!!!!”, “Só que não!”.

A resposta mal-educada que um aluno dá ao seu professor, evidenciando um comportamento equivocado no espaço social da escola, na verdade, pode não ser apenas uma falta de educação ou uma provocação, ou ainda uma maneira de demonstrar ao grupo seu poder, e ser aceito por ele. Pode ser apenas uma respostajá pré-formulada que ele tem em sua circuitária neuronal, que pode ser ajustada de acordo com o disparo emocional que ele sofrer.

Não querendo simplificar as coisas, e nem dizer que a Neurociência resolve tudo, e consideradas as variáveis que já expusemos no início deste texto, é possível dizer ao docente que, se ele conhecer como funciona o SNC, certas situações e comportamentos podem ser evitados.

Se o cérebro do aluno já tem uma circuitária pronta para responder aum determinado estímulo, o professor, sabendo disso, e sendo o lobo frontal mais desenvolvido da relação, tem a possibilidade de “quebrar” esta rede preparada com um novo estímulo, obrigando-o a buscar novas maneiras de “responder aos estímulos recebidos”. Criando-se esta nova circuitária neuronal, será necessário reforçá-la, torná-la robusta, a ponto de a anterior ser desativada e ser evidenciado um novo comportamento e também novo controle emocional.

Pode ser que a Neurociência não resolva todos os problemas da Educação, mas com certeza, a partir dela, nada mais será como antes.

Então, que venham outros contributos da Neurociência para a Educação.

 

[1] LENT, Roberto. Cem bilhões de neurônios:conceitos fundamentais de neurociência.  2 ed. São Paulo: Editora Atheneu, 2010.

[2] TIEPPO, Carla. Comportamento e cérebro: uma introdução para leigos. e-book. Inédita. Disponível em: <https://pt.scribd.com/document/282730794/E-Book-Cerebro-e-Comportamento-2-edicao-pdf >. Acesso em: 9 set. 2017.

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