Nepotismo e o Ordenamento Jurídico

Por Martina Luiza Barbosa Krawczyk | 25/06/2018 | Direito

Nepotismo e o Ordenamento Jurídico.

No contexto do Princípio da Moralidade, que impõe a qualidade ética e a honestidade, pautada em padrões de boa-fé e liberdade para ao administrador público, surge a figura do nepotismo. Este, todavia, se caracteriza pela prática ilícita de nomeação para ocupar cargo em comissão, ou função de confiança, de parentes em até o segundo grau de parentesco [1]. No âmbito do poder público brasileiro, essa prática foi durante muito tempo adotada em várias esferas do meio público. Desde a Constituição Federal de 1988, ao conter em seu artigo 37 princípios que regem a administração pública, tais como os da eficiência, impessoalidade e moralidade houve significativa mudança quanto a tolerância da prática do nepotismo.

A primeira movimentação após a constituição, se dá a partir da lei 8112/90, com ênfase no artigo 117 da lei:

Art. 117.  Ao servidor é proibido:   [...]        

VIII - manter sob sua chefia imediata, em cargo ou função de confiança, cônjuge, companheiro ou parente até o segundo grau civil; [2]

Vale ressaltar que da forma da letra de lei, o conceito de nepotismo é trazido como um conceito restrito, uma vez que só se caracteriza como tal prática, aquela considera apenas casos onde um dos envolvidos mantido sob chefia do outro. Em seguida, em 2005, o Conselho Nacional de Justiça publicou a resolução número 7 [3], acompanhada da resolução do Conselho Nacional do Ministério Público, de número 01/2005 que proíbem a prática do nepotismo, inclusive dos parentes por afinidade (sogra, genro, cunhada). Por conta desse posicionamento, foram várias as exonerações de cargos, o que gerou uma repercussão muito forte, além de gerar uma discussão muito forte, no sentido de: será possível que uma resolução do CNJ impor uma proibição? De acordo com aqueles que argumentam no sentido de que não se pode fazer se fundamentam no princípio da legalidade, onde ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, portanto, apenas uma lei poderia gerar tal proibição. Por conta disso, foi impetrada uma Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 12, no STF, de relatoria do ministro Ayres Britto [4]. Esta define que a proibição à prática do nepotismo não carece de lei formal para que seja instituída, isso porque a prática do nepotismo, segundo o STF, os princípios gozam de força normativa suficiente para proibir qualquer conduta que contrarie tais princípios. Logo, a simples existência do princípio da moralidade no artigo 37 da Constituição Federal [5] já basta para proibir qualquer conduta imoral, faz-se assim com que toda conduta considerada imoral torne-se nula, devendo ser desfeita no âmbito da administração pública. Vale ressaltar que a Ação Declaratória de Constitucionalidade declarou como constitucional a resolução no CNJ.

Ainda, é de suma importância destacar que com a prática do nepotismo, não é apenas o princípio da moralidade que se encontra em cheque, mas também o da impessoalidade e o da eficiência. O primeiro usa um critério pessoal para a escolha de um parente para ocupar cargo comissionado ou função de segurança, a eficiência também é prejudicada, uma vez que ao dar um quê pessoal, e de parentesco, à situação, tem-se uma administração pública cada vez menos produtiva e eficaz [6]. Assim, tendo em vista que o nepotismo é uma afronta ao princípio da moralidade, impessoalidade e eficácia, nada mais justo do que tornar a prática ilegal.

Em 2008, o STF expediu a Súmula Vinculante número 13:

A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.   [7]

No entanto, para o entendimento do STF, os cargos políticos são caracterizados não apenas por serem de livre nomeação ou exoneração, fundadas na fidúcia, mas também por seus titulares serem detentores de um munus governamental decorrente da Constituição Federal, não estando os seus ocupantes enquadrados na classificação de agentes administrativas, isso ressalvadas as situações de inequívoca falta de razoabilidade, por ausência manifesta de qualificação técnica ou de inidoneidade moral do agente político [8].

De todo modo, a proibiçao de tal prática era prevista em seus respectivos Poderes, sem ao menos considerar o nepotismo cruzado. Tal proibição fica ainda mais evidente com a Súmula Vinculante Nº 13 do STF, acima citada. Todavia, é importante ressaltar que o motivo para a crítica do nepotismo vai além do fato de que há familiares de pessoas influentes favorecidas em detrimento do poder do parente em questão. Tais nomeações ocorrem sem conscurso público e não há, aparentemente, preocupação com a real competência para tal. Trata-se de um tênue limite, muito delicado, por sinal, entre a moral e a ética. Isso pois a nomeação de parentes para a ocupação de cargos comissionados provoca o aumento dos salários, ocasionando a elevação da renda familiar diretamente, vale ressaltar aqui o gasto familiar que passe a ser do Estado, como  como diárias, passagens aéreas e outros benefícios da administração pública.

Há, também, uma certa reverência à estes familiares, uma vez que que ocupam cargos em comissão, e resulta, portanto,  em uma subordinação indireta de seus auxiliares, e provoca a quebra, consequentemente, das hierarquias presentes dentro do serviço público. Resta-se necessário, por fim, ressatar que além da violação indireta da hierarquia, há um descumpriemnto dos princípios da administração pública, tais como o da impessoalidade, da moralidade e da eficiência.

Bibliografia:

[1] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

[2] BRASIL. Lei no 8.038, de 28 de maio de 1990. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 29 maio 1990.

[3] BRASIL. CNJ. Resolução Nº 7, de 18 de Outubro de 2005 (Atualizada com a Redação da Resolução Nº 09/2005 e Nº 21/2006).

[4] BRASIL. STF. Ação Direta de Constitucionalidade nº 12. Rel. Min. Ayres Britto. j. 20.08.2008

[5] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 292 p.

[6] ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais da Administração Pública. Belo Horizonte: Del Rey, 1994.

[7] BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Súmula vinculante nº13, 2008.

[8] Agente político municipal e a Súmula Vinculante nº 13. Análise do verbete no 13 do Supremo Tribunal Federal em face da Reclamação no 7.317. Jus Navigandi, Teresina, v. 14, n. 2018, 9 jan. 2009.

 

Artigo completo: