Nem o gênio de Niemeyer podia prever
Por Osorio de Vasconcellos | 09/07/2009 | CrônicasAmigo, você que se diz atônito e furibundo diante desse nunca acabar de assaltos aos cofres públicos, saiba que a sua ansiedade é coerente, ecompreensível a sua raiva. Afinal, você paga impostos pontualmente, procura ser um cidadão honrado, age de boa fé e, na contramão disso tudo, recebe o coice de tantos atos condenáveis, como estes mais recentes, perpetrados à sombra do Senado.
No entanto, aceite um conselho de amigo: vá com calma, não se deixe traumatizar. Escolha um fim de tarde, isole-se, e comece a praguejar.Pragueje terapeuticamente, até que escoe sobre as suas vestes, gota a gota, a bolsa inteira que você carrega com a baba de Caim.
Uma vez descartada a secreçãoelementar, decida-se a admitir que os assaltos aos cofres públicos não se sustentam como obra do acaso. Que, diferentemente dos ataques a galinheiros, constituem uma problemática de alta complexidade.
Ao se dar conta de que as tramas articulam-se ao comando de brilhantes intelectos, sua auto-estima subirá.
Ato contínuo, a turvação da ansiedade cederá lugar ao olho inquisitivo do medo vigilante.
De volta ao patamar das inquietações equilibradas, delibere conhecer melhor o inimigo. Empunhe a lupa da curiosidade, e saia à cata de nexosque possam filiar a pilhagem dos cofres públicos à categoria das articulações inteligentes. Faça isso sem veleidades, quero dizer, prevenido contra o prurido do cientificismo, posto que, como já foi dito, a matéria é complexa.
O melhor a fazer será adotar o método informal, e entregar o timão das buscas ao talante de suas intuições habituais.
Faça apontamentos, use o gravador e a internet. Registre o que puder. Ao fim, você verá, terá em mãos uma pasta simbólica do seu engajamento.
Comece pelo óbvio. Capacite-se de que os assaltos aos cofres públicos se sucedem e prosperam no convencimento da impunidade.
Logo a seguir, consigne que a impunidade principia no momento em que o dado histórico, vale dizer, o crime perpetrado, precisa inscrever-se em um sistema de linguagem.
Se houvesse por perto um posto especializado, onde lavrar um boletim de ocorrência, semelhante aos BOs das encrencas comuns do dia-a-dia, o ato praticado se encaminharia, ab ovo,à vertente das denominações técnicas. Daí para frente a matéria seguiria a tramitação normal estatuída em códigos objetivos.
Mas, como tal posto especializado não constou dos projetos de Oscar Niemeyer, o ato deriva para uma peregrinação clandestina, à margem das designações formais, acudindo por apelidos, que cada um lhe dá, ao sabor das conveniências.
Amigo, você bem que podia arrolar,como exemplo, as cavilaçõesdenunciadas pelo Senhor Roberto Jefferson em 2005, as quais, alcunhadas de "mensalão", perambulam até hoje, de corte em corte,como fantasmas travessos, à mingua de uma designação formal competente.
Por oportuno, traga também à cena a série de ataques aos cofres públicos ocorridos recentemente no Senado, e flagreo instante em que o dado histórico, suscetível de enquadramento legal, migrou para o mundo das metáforas, cavalgando o apelido escalonado de "atos secretos", ao nível da burocracia, e de "crise", ao nível do Senado e Senadores.
Como reforço ao flagrante da migração, não deixe de incluir em sua pasta simbólica que, a partir dali, o ato vicioso adquire autonomia, apto a empreender uma jornada longa,desgastante, onerosa e, via de regra, inútil.
A esta altura dos registros, o amigo jápercebeu que a realidade costuma serpreterida nos segmentos onde o poder emana dos microfones, e vice-versa.De igual modo, jásabe e já explicitou que segmentos são esses.
À conta disso, é possível que esteja assustado,vulnerável a uma recaída.
Se for assim, amigo, resista. Não perca a calma, rogo-lhe mais uma vez. Calmo, o amigo seguirá enriquecendo a sua pasta simbólica e viverá com saúde por muito tempo.
A menos, é claro, que seja ceifado pela gripe suína.