Não Existe Pessoas Incompetentes, Existe Pessoas Colocadas nos Lugares Errados

Por Sandra Regina da Luz Inácio | 19/01/2009 | Adm

O prazer-sofrimento articulados à variável organização do trabalho, caracterizada pelo conteúdo da tarefa e relações socioprofissionais, a qual exerce um impacto no funcionamento psíquico do trabalhador gerando prazer-sofrimento dependendo do quanto a tarefa é significativa para o trabalhador e se as relações com colegas e chefias são ou não de reconhecimento, cooperação, confiança e solidariedade.

 

O prazer-sofrimento inscreve-se numa relação subjetiva do trabalhador com seu trabalho, que implica intersubjetividade no momento em que esse sujeito passa a relacionar-se com outros, sendo os valores, como princípios que guiam a vida da organização, um dos elementos responsáveis pela socialização das normas e regras, que definem formas específicas do trabalhador vivenciar sua tarefa e compartilhar suas relações sociais, afetivas e profissionais no contexto organizacional.

 

Os valores fazem parte de uma dialética de manutenção e de transformação dos comportamentos humanos pela socialização e aprendizagem permanentes, sendo, por isso, valiosos para as instituições que desejam modelar comportamentos em função de seus interesses, que podem ser favoráveis ou não às vivências de prazer e de sofrimento. Os valores das organizações podem ser uma das fontes geradoras de prazer no trabalho, desde que favoreçam uma organização do trabalho flexível, marcada pela  possibilidade de negociações das regras e normas dos processos de trabalho, com participação dos trabalhadores e gestão coletiva das necessidades individuais e organizacionais e que as pessoas estejam colocadas em atividades que gostam de executar..

 

As vivências de prazer-sofrimento formam um único constructo composto por três fatores: valorização e reconhecimento, que definem o prazer; e desgaste com o trabalho, que define o sofrimento. O prazer é vivenciado quando são experimentados sentimentos de valorização e reconhecimento no trabalho. A valorização é o sentimento de que o trabalho tem sentido e valor por si mesmo, é importante e significativo para a organização e a sociedade. O reconhecimento é o sentimento de ser aceito e admirado no trabalho, fazendo aquilo que ama e ter liberdade para expressar sua individualidade. O sofrimento é vivenciado quando experimentado o desgaste em relação ao trabalho, que significa a sensação de cansaço, desânimo e descontentamento com o trabalho. Assim sendo, prazer-sofrimento são vivências de sentimentos de valorização, reconhecimento e/ou desgaste no trabalho.

 

Ressalta-se ainda, que o trabalhador pode perceber os pólos dos valores organizacionais de uma forma que não contemple totalmente a realidade organizacional, tendo em vista os processos simbólicos da relação indivíduo-cultura, sendo a integração entre a percepção dos valores organizacionais, a realidade e a subjetividade própria a cada trabalhador, as condições favoráveis ao prazer ou ao sofrimento no trabalho, principalmente porque se sente “mais um” e não “alguém” que faz a diferença para a organização.

 

Os valores do eixo da autonomia são criatividade, curiosidade, eficácia, eficiência, modernização, qualidade, reconhecimento, competência, prazer, inovação, realização, estimulação e liberdade. Na conservação, são disciplina, honestidade, lealdade, limpeza, ordem, polidez, prestígio, segurança, sensatez e sigilo. Na estrutura igualitária, democracia, descentralização, justiça, qualificação dos recursos humanos, sociabilidade, co-gestão, coleguismo, igualdade, cooperação, dinamismo, independência, autonomia, comunicação, respeito e eqüidade. Na hierarquia, fiscalização, hierarquia, obediência, poder, pontualidade, rigidez, supervisão e tradição. Na harmonia, integração interorganizacional, interdependência, ética, parceria, tolerância, intercâmbio, preservação, equilíbrio, preservação da natureza, respeito à natureza, espontaneidade, iniciativa. No domínio, ambição, audácia, competitividade, domínio, previsibilidade, produtividade, satisfação dos clientes e sucesso.

 

O prazer-sofrimento foi medido pela Escala de Prazer-Sofrimento no Trabalho  validada por Mendes (1999). É composta pelos fatores valorização e reconhecimento que medem o prazer e desgaste, que mede o sofrimento.

 

Esses resultados indicam que na organização existe um predomínio da vivência de prazer e uma vivência de sofrimento relativamente moderada pela proximidade do resultado do fator desgaste com o ponto médio, significando que ambas existem para os trabalhadores dessa organização.

 

Importante é destacar o predomínio da conservação e as diferenças entre as dimensões, surgindo como prioridades axiológicas da organização, a conservação, hierarquia e domínio.

 

O prazer-sofrimento não é excludente, confirmando o aspecto dialético do constructo apresentado na teoria, ainda que para esta organização seja significativo o predomínio do prazer em relação ao sofrimento. Com base nesses resultados pode-se dizer que os trabalhadores dessa organização possivelmente vivenciam prazer porque estabelecem relações significativas com sua tarefa e com os colegas e chefias, aspectos representados no fator valorização e reconhecimento, implicando que essa organização oferece condições necessárias para o trabalho ser fonte de prazer, mesmo que o sofrimento não esteja completamente ausente.

 

Ao sentir valorização e realização pelo que faz com amor, o trabalhador considera seu trabalho importante para si mesmo, para a empresa e a sociedade, indicando assim, um reforço positivo na auto-imagem, que está relacionada ao orgulho pelo trabalho que faz, à realização profissional, ao sentir-se útil e produtivo. A predominância do sentimento de valorização nos resultados também pode ter relação com o momento da organização, caracterizado por investimentos na produção, na qualidade dos serviços e na sua imagem diante do público. Esses elementos podem ser favoráveis ao sentimento de orgulho e utilidade, que estão na base da valorização.

 

Os resultados em relação ao sofrimento indicam uma sensação de desgaste moderada, o que pode ter explicação no tipo de tarefas realizadas. Os trabalhadores que sentem desgaste exercem atividades cansativas, desagradáveis, repetitivas, com mais sobrecarga, o que gera frustrações, desânimo, insatisfação. Também, significa pessoas submetidas a sistemas injustos de avaliação de desempenho, bem como a injustiças ligadas ao exercício do poder.

 

O predomínio do prazer pode ter fundamento na concepção de que o trabalho, segundo Mendes (1999) é lugar de realização, de identidade, valorização e reconhecimento, sendo a busca do prazer uma constante para todos os trabalhadores na direção de manter o seu equilíbrio psíquico, tendo o sofrimento um lugar que surge a partir das imposições que as condições externas às situações de trabalho impõem aos trabalhadores.

Esse predomínio também pode ser explicado pelo pressuposto de que o trabalho é um dos caminhos para o investimento da pulsão por meio da sublimação, que mais aproxima o homem do seu desenvolvimento, segundo Freud (1930/1974). O confronto com uma realidade restritiva é que mobiliza a não-gratificação dessa energia pulsional, gerando conflitos e causando sofrimento. Por isso, é importante a forma como o trabalho é organizado no sentido de oferecer maior margem de liberdade para expressão da sublimação como energia pulsional resignificada que resulta em prazer no trabalho.

 

Quanto aos valores organizacionais, os resultados implicam que a organização apresenta um funcionamento baseado nos pólos da conservação, hierarquia e domínio. Isso pode significar um funcionamento organizacional mais voltado para manutenção do status-quo, das tradições, da ordem, disciplina, obediência à autoridade, a satisfação dos clientes, preocupação com o mercado, com a produtividade e com o sucesso organizacional.

 

Analisando cada um dos pólos em relação aos dilemas mediados pelas dimensões das quais fazem parte, identifica-se que para solucionar o dilema indivíduo-grupo, a organização atende mais a necessidades do grupo do que dos indivíduos, privilegiando valores de conservação. O dilema relativo ao seu funcionamentos interno quanto à definição de normas, papéis e estrutura gerencial atende à necessidade de manter a disciplina e a autoridade, existindo poucos espaços para democracia, participação, descentralização, cooperação e outros valores da estrutura igualitária, tendo em vista o predomínio da hierarquia.

 

A organização, para a maioria dos empregados, comporta-se como mantenedora das tradições, da segurança, da lealdade, da obediência à ordem e autoridade, e da relação sem parceria com o ambiente. Aspectos estes que podem estar em processo de mudança, tendo em vista a percepção da existência dos demais pólos dos valores como a autonomia, a estrutura igualitária e a harmonia.

 

Em relação às correlações entre às dimensões dos valores organizacionais e as vivências de prazer-sofrimento, os resultados para valorização e autonomia permitem concluir que a valorização é vivenciada quando a organização enfatiza a liberdade dos empregados para desenvolver sua autonomia intelectual, buscando criatividade, curiosidade, inovação, realização, estimulação, bem como, encontrando liberdade para execução das tarefas visando à eficácia, eficiência, modernização, qualidade e reconhecimento, além de se valorizarem a competência e o prazer no trabalho. As conseqüências desses valores para o cotidiano de trabalho aproximam-se dos antecedentes da organização do trabalho que gera prazer, pesquisado por Mendes (1996 e 1999), à medida que o trabalho tem sentido e importância tanto para o indivíduo como para a organização, considerando que são valores resultantes ou reforçadores dos sentimentos de utilidade, produtividade quando têm espaço a criatividade, liberdade e autonomia, o que estabiliza a identidade, fortalecendo a auto-imagem em razão da predominância do sentimento de valorização.

 

Contraditoriamente, a valorização também correlaciona-se com o domínio, que é pólo oposto à harmonia. Esse fato pode ter explicação nas relações conceituais do significado do domínio para o sentimento de valorização, considerando que são valores que favorecem o sentir-se útil e produtivo à medida que enfatizam a qualidade dos produtos, o sucesso, a satisfação dos clientes, a própria imagem da empresa, o que pode ter como conseqüência uma valorização do empregado pela importância que a  empresa e a sociedade passam a atribuir ao trabalho realizado no cotidiano. Além do mais, esse foi um dos pólos percebidos pela maioria dos empregados, o que pode significar um momento vivido pela empresa, que, independentemente do tipo de sentimentos gerados no trabalho, será percebido por retratar a realidade organizacional.

 

As correlações entre o reconhecimento e a conservação podem ser explicadas nos valores que enfatizam a segurança, estabilidade e coesão grupal, como elementos também favoráveis ao reconhecimento, mesmo que a conservação se oponha à autonomia, certamente, para algumas pessoas, o reconhecimento não está na independência para criar, inovar e realizar-se profissionalmente, mas na conservação do conquistado e estabelecido. O mesmo pode ocorrer em relação ao domínio, que se opõe à harmonia, mas pode, pela necessidade de competitividade no mercado e supremacia dos produtos e serviços, criar um clima interno favorável para o reconhecimento no trabalho.

 

Para o desgaste, fator do sofrimento no trabalho, os resultados são significativos em relação à autonomia, estrutura igualitária e domínio. No entanto, são relações negativas, parecendo indicar que, caso a organização não enfatize esses valores, os trabalhadores experimentam desgaste no trabalho, sentindo frustração, insatisfação, desmotivação e falta de entusiasmo com o trabalho, enquanto que, se a organização enfatiza esses valores, os indivíduos experimentam a valorização e o reconhecimento.

 

Como conclusão considera-se que o prazer está correlacionado positivamente com pólos das três dimensões dos valores organizacionais, enquanto o sofrimento correlaciona-se negativamente com esses pólos. Isso pode indicar que a cultura assume um papel de gratificação e realização do desejo, por isso, espaço para o prazer, emergindo o sofrimento quando este prazer não tem mais lugar, não sendo assim, geradora de sofrimento, mas reguladora, à medida que o sofrer mais ou menos, depende do quanto de prazer foi restringido pelas imposições externas.

 

Os valores têm a função de gratificar os desejos mediante o atendimento das necessidades dos indivíduos, tornando-se restritivos quando cristalizados ou rígidos, ao ponto de serem criadas ideologias de comportamento bloqueadoras da liberdade de escolha dos empregados, como pode acontecer com as organizações com estruturas inflexíveis. Por isso, determinados pólos de valores, como a autonomia, estrutura igualitária e harmonia, de acordo com os resultados da pesquisa, são promotores de vivências de prazer, enquanto sua não-existência pode gerar restrição ao prazer e dar lugar ao sofrimento.

 

Quando fizer a próxima contratação para sua empresa, lembre-se que não existem pessoas incompetentes, nós é que os colocamos em lugares errados.