SINOPSE DE CASE: NÃO É NÃO

Por Bruno Henrique de Oliveira Coqueiro | 22/06/2018 | Direito

SINOPSE DE CASE: NÃO É NÃO![1]

Bruno Henrique   de Oliveira Coqueiro[2]

José Cláudio Cabral Marques[3]

 

1 DO CASO

Cena 01 – BLOCO “SÓ SAFADOS

Guarda um episódio narrado por fonte jornalística, que conta um abuso sexual durante o carnaval de rua em São Luís – MA. Frente ao comportamento abusivo do homem, a vitima se prostrou ativa, resistindo à violência.

Cena 02 – “SÓ UMA SURUBINHA” - MC DIEGUINHO – VERSÃO LIGHT “Brota e convoca as tchuca Brota e convoca as tchuca Mais tarde tem fervo Hoje vai rolar suruba Só uma surubinha de leve, surubinha de leve Com essas mina maluca Taca a bebida, depois taca e fica Mas não abandona na rua”

Cena 03- ME TOO X CATEHERINE DENEUVE ET AL. O QUE DIZ O ME TOO - Mais de 100 mulheres já acusaram Harvey Weinstein de abusos que vão de assédio sexual a estupro, desde que o jornal The New York Times e a revista The New Yorker revelaram sua conduta.

O QUE DIZEM AS ATRIZES FRANCESAS –episódio que marcou a discussão internacional de gênero. A posição de determinadas atrizes francesas foi contra o extremismo das posições, dando entendimento de que o galanteio é justificável.

Questão principal: Do ponto de vista jurídico, o que constitui o consentimento; a dificuldade de diferenciação de cada uma dessas condutas em alguns casos; o que significa o “sim”?

Perguntas secundárias: Qual o status legal de cada uma dessas condutas; a subjetividade que envolve as partes em cada uma dessas condutas; até que ponto o álcool ou drogas ilícitas alteram a capacidade de consentir.

 

 

2 DAS ANÁLISES POSSÍVEIS

Lida a proposta, percebe-se que há no fulcro do debate grande repercussão acerca da liberdade de gênero, sobretudo ao papel feminino dentro da sociedade. Pode-se perceber ainda que há opiniões diferentes acerca da conduta do homem, quando na busca por uma satisfação sexual. O case em si traz casos divergentes que mostram pontos de vistas divergentes entre si, os quais assumem por hora uma posição contrária a intermediação invasiva que alguns homens fazem, por hora a posição de liberdade ao cortejo e ao galanteio de conquista, evidenciando o jogo antropológico da busca por uma companhia.

É dentro desta temática que se buscam respostas, à luz do processo penal e seus meandros, para que seja possível chegar-se a uma conclusão do que é devido e legal. E, para tanto, partiu-se desse invólucro para embasar à discussão a seguir respondendo as questões propostas.

2.1 Dos fundamentos possíveis capazes de embasar cada questão

2.1.1 Da Questão Principal

Pode-se perceber que a discussão acerca da temática perpassa por inúmeros outros campos que não apenas o Direito Penal. O debate em si guarda temáticas que abrangem todo o campo das ciências humanas, mas que, por necessidade de recorte, deve ser de forma direta vista pelo Direito Penal e Processual penal. É notável que todas as opiniões têm seus fundamentos e que todos, a princípio, devem ser ouvidos, afinal, estar-se discutindo um tema que deságua no devido processo legal, e não seria correto deixar de ouvi-lo.

No primeiro caso suscitado, é demonstrado como o homem, em nome de sua satisfação sexual, age de forma impositiva, importunando a foliã que busca pelo divertimento. Numa sociedade patriarcal que hoje é vista, a ideia da superposição da vontade masculina ainda é trabalhada no consciente coletivo, sobretudo quando subjaz à mulher a necessidade de sua participação determinante no meio.  É dizer, a sociedade se acostumou a tratar a mulher como um metier secundário ou de apenas subserviência masculina.

Tal pensamento subordina o papel feminino às justificativas pejorativas ao respeito do lugar e do dever da mulher. Por isso, os depoimentos sempre acompanham o preconceito masculino, o qual atribui à vítima a culpa por ter sofrido a violência, a exemplo da indumentária carnavalesca, ou quotidiana, que sempre é julgada como “adequada ao momento” ou “indecente”, fazendo com que a vítima seja julgada como alguém que “pediu” para que aquilo acontecesse.

Já no caso 02, pode-se ver que a erotização é buscada como satisfação da vontade masculina e transcende as relações interpessoais e passam a encontrar campo na arte e na cultura também. Percebe-se que a música trabalhada reflete, em sua letra original, ainda a superposição da vontade masculina sobre a feminina, mas que as discussões envoltas à temática fazem progredir movimentos de resistência à imposição e a modificação de letras como essa dá importância ao papel feminino dessa vez.

No terceiro caso, quanto à defesa da liberdade de cortejo, pode-se perceber que o próprio sistema produz defesa, manifestações que tentam legitimar a superioridade da vontade masculina, que podem ser encontradas até mesmo em sujeitos femininos, mas que na realidade não passa da tentativa de legitimação de vontades. É bem verdade que os posicionamentos envolvem grande paixão, e acabam por ser interpretados sob um âmbito extremista, representando um jogo inverso de transposição de superveniências. Porém, a função dalei, assim como da Ciência Jurídica, é justamente controlar os ânimos exaltados pelas paixões e dar possibilidade à convivência e à liberdade.

Por isso, mesmo que soe de forma naturalizada no quotidiano nos casos de violência contra a mulher, assim como assistido pelo caso 01 e combatido no caso 03, o Direito Penal não assiste as correntes ideológicas tal qual a visão empírica acredita existir. Para o Direito Penal, existem modalidades de procedimentos comportamentais que podem sugerir o consentimento necessário à invasão ou contato do corpo feminino, haja visto que para que alguém, não se trata apenas da mulher, ter sua liberdade e/ou integridade atingida, é necessária sua permissão.

É bem dizer, o direito penal traz o consentimento do ofendidocomo uma causa de exclusão da tipicidade, quando é permitido pela vítima o crime passa a inexistir, pois segundo MACHADO (2012), o consentimento do ofendido significa, em linhas gerais, o ato da vítima (ou do ofendido) em anuir ou concordar com a lesão ou perigo de lesão à bem jurídico do qual é titular, pode ser citado como exemplo o artigo 150, CP que trata da inviolabilidade da casa, consentindo a vítima da entrada de terceiro, não há que se falar em crime.

Ao que é debatido pelos casos supracitados, tem-se ainda o exemplo do artigo 213, CP, que trata do estupro, havendo anuência dos parceiros não há que falar-se em crime. Contudo, há que ponderar-se por requisitos desses consentimentos, pois a vontade particular não pode ainda se sobrepor à segurança, portanto MACHADO, 2012, afirma que:

O consentimento do ofendido só pode ser reconhecido validamente se presentes os seguintes requisitos, em caráter cumulativo: bem jurídico disponível, ofendido capaz, consentimento livre, indubitável e anterior ou, no máximo, contemporâneo à conduta, bem como que o autor do consentimento seja titular exclusivo ou expressamente autorizado a dispor sobre o bem jurídico.[4] 

o que leva à resposta para a pergunta secundária.

2.1.2 Da questão secundária

Como abordado pelo tópico anterior, o consentimento se faz necessário que haja a interferência da integridade física de um sobre o outro. Isso quer dizer que para que cortejo seja limitado à liberdade individual é necessário que se atenda requisitos. É necessário entender que a paquera não deve se tornar algo procedimental e burocrático, mas que é perfeitamente entendível que haja respeito, liberdade e atenção para que não haja qualquer ofensa ao direito alheio.

O consentimento, como havia se falado, faz jus a requisitos de aplicação, e um deles é a capacidade. Visto que as drogas, em sentido amplo, sejam elas lícitas e ou ilícitas, podem causar uma transmutação na capacitada cognitiva temporária, é necessário que esteja o sujeito em perfeitas condições psicomotoras. Caso contrário, o consentimento dado por sujeito incapaz de cognitivamente para tal pode ensejar o aproveitamento de vulnerável, instituto existente no direito penal, como pode ser visto no artigo 217-A, CP

Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

§ 1o Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. (BRASIL, 1940)

 

 Logo, para que haja o consentimento é necessário que haja capacidade de discernimento, o qual pode ser constrito pelo consumo de drogas, independente do gênero. O legislador, em busca da dignidade da pessoa humana e do devido processo legal, buscou verificar a capacidade do sujeito em consentir determinada conduta, por isso o fez de forma que evidenciasse a necessidade de resistência, como explica TOLEDO, 1994, p. 215, “que o ofendido, no momento da aquiescência, esteja em condições de compreender o significado e as conseqüências de sua decisão, possuindo, pois, capacidade para tanto”.

Portanto, o uso de drogas interrompe a capacidade de consentir, fazendo com que ao ofendido seja guardada sua integridade e sua liberdade em razão do devido processo legal.

 

3 DESCRIÇÃO DOS CRITÉRIOS E VALORES CONTIDOS EM CADA DECISÃO POSSÍVEL

O case em tela possibilita a ampliação dos conhecimentos acerca dos parâmetros de legalidade, imprescindível ao exercício pleno da função jurídica. O conhecimento acerca da temática traz a possibilidade de entendimento dos institutos processuais penais e penais em função das garantias constitucionais inerentes ao indivíduo, perpassando pelos conceitos de consentimento do ofendido no Direito Penal, além das modalidades de interpretações jurisprudenciais.

 

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Código Penal Brasileiro. Decreto - Lei nº2.848 de 7 de dezembro de 1940.

MACHADO, Leonardo Marcondes. Consentimento do ofendido. 2012 disponível em: https://leonardomachado2.jusbrasil.com.br/artigos/121940749/consentimento-do-ofendido.

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 1994.

 

[1] Case apresentado à disciplina de Processo Penal II. 

[2] Graduando do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[3] Professor Me. do Curso de Direito – UNDB.

[4] Disponível em: https://leonardomachado2.jusbrasil.com.br/artigos/121940749/consentimento-do-ofendido.

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