NÃO É BEM UM CADERNO...

Por Douglas Xavier | 19/08/2015 | Contos

NÃO É BEM UM CADERNO...

Na vida, principalmente na boa vida, passamos por nossas “explosões de felicidade”. Num minuto você parece estar descendo a montanha russa mais insana do mundo; essa é a sensação de algo intenso, forte, feliz e às vezes, inesquecível.

                Assim, Liz terminava mais uma página de seu caderno, que não era bem um caderno... O fato é que ela escrevia essas ideias, pensamentos e frases, que pareciam surgir do enorme buraco negro em reverso que era sua mente em certos momentos. Inspiração. Estimulada, ao que parecia, principalmente por felicidade.

                Pois eram nos momentos mais poderosos de sua felicidade que essas frases saíam do buraco negro. Como quando ela tinha oito anos, e ganhara de aniversário o que mais queria na vida: sua deslumbrante casa de boneca. Devo uma casa maior ainda aos meus pais, ela escreveu naquele dia.

                Foi bem aos doze anos que Liz se aprofundou na arte da escrita, começou a escrever contos, como este; o buraco negro estava sendo produtivo. Mas não foi bem isso que a fez escrever naquele caderno (que não era bem um caderno) naquele tempo; foi algo muito mais casual: Ela estava acompanhada; família unida em casa, amigos leais e de fortes laços na escola, a companhia do primeiro amor, que estava lá, para provocar os batimentos mais acelerados que os demais. Nunca estava só. Uma pessoa não é o que é, mas o que conquista. Do contrário, ainda nem saberíamos falar. Ela escreveu. Feliz. Enquanto brincava com o irmão recém-nascido. Não sabia bem o porquê, mas tinha medo de estar só, um medo tão grande quanto aquela sombra.

                Aos dezoito, Liz voltou ao caderno: Que tal seguir seu sonho em vez de se conformar com o que lhe é imposto? Ela escreveu ao ter seu primeiro livro publicado.

                Aos vinte e cinco, o caderno, que não era bem um caderno, estava aberto novamente: A felicidade brilha, mas pode ser escura também, assim como há negros e pálidos. Àqueles que não estão encontrando a sua, que procurem melhor; uma luz apagada é difícil de encontrar, estando escondida nos cantos de um quarto escuro.

                Aos vinte e oito, durante um dos momentos mais mágicos e delirantes de sua vida, Liz voltou a escrever no caderno: O amor é um ponto longínquo no fim do mais rígido deserto; ainda bem sou resistente. Ela ia se casar naquela noite.

                Que tal sorrir com seus dentes estranhos para quem sorriu com dentes perfeitos para você? Ela escreveu quando finalmente deu uma casa maior aos seus pais.

                A vida é quase a melhor coisa que existe! A melhor é poder gerar outra. Liz ia ter seu filho aos trinta e cinco.

                Era insano, era mágico, tão precioso que não poderia ser tocado por mais ninguém, entretanto, todos deviam tocar... Era a felicidade. Liz tinha sua vida feliz, seus sonhos realizados, cada dia mais insubstituível que o anterior. Cada lição aprendida antes que a rasteira, que era a vida, perpassasse por suas pernas. Liz era bem sucedida.

                Então seus olhos focaram o céu... Que não era bem o céu, mas um buraco negro em reverso. Então ela piscou, deitada de braços abertos no chão trincado. Olhou para o caderno, que não era bem um caderno, mas sim formas estranhas escritas com os dedos na “terra” vermelha. Ela se levantou de chofre, o peito arfando, para olhar para esquerda: Até onde a vista alcançava, até a linha totalmente reta do horizonte que parecia estar a uma vida de distância dali era deserto. Sem vida.

                A mesma coisa se repetia à direita, em frente e atrás.

                Era o fim do mundo? Ela, que duvidava até mesmo que se chamava Liz, ou que tivesse mesmo um nome, olhou para as marcas desenhadas ali. Estas se estendiam por quilômetros.

                Ela, que não era Liz, que não era ninguém, mas fora Liz, se lembrou: Lógica, relatividade, tempo, vida, morte, ética, política, bem, mal, amor, ódio, felicidade, companhia... TERRA, CÉU...

                Ela criara tudo!

                A única realidade era sua mente, o medo e a solidão. Por isso tinha receio daquilo, por isso aquilo a intimidava. Por isso você sente medo!

                Talvez este conto, seja você mesmo (a) quem acaba de criar, com sua mente, para avisar ao seu subconsciente que você deve acordar. Talvez toda sua realidade, esteja na sua mente! Talvez você tenha medo, porque o medo é real e seu conforto, psicológico. Não o contrário

                Talvez você seja Liz.