NA LINHA DE FOGO: RESPONSABILIDADE DO ESTADO VS. RISCO DA PROFISSÃO NA ATIVIDADE JORNALÍSTICA

Por Ítalo Gabriel Pereira dos Santos | 28/05/2016 | Direito

NA LINHA DE FOGO: RESPONSABILIDADE DO ESTADO VS. RISCO DA PROFISSÃO NA ATIVIDADE JORNALÍSTICA [1]

  

                                                                                        Ítalo Gabriel Pereira dos Santos[2]

                                                                                                          Leonardo Valles Bento [3]

                    

RESUMO

 

O presente estudo científico tem como escopo a análise jurídica da responsabilidade civil do Estado diante de incidentes no exercício da profissão de jornalismo. Esse trabalho tem escopo de trazer à tona não só os argumentos favoráveis a condenação do Estado por eventuais danos como também argumentos contra. Para tanto será analisado um caso hipotético. Como forma de elucidar essa questão busca-se também doutrina especializada sobre o tema de responsabilidade civil.

 

Palavra-chave: Responsabilidade Civil; Segurança Pública; Direito Administrativo; Agente Público;

              

  1 DESCRIÇÃO DO CASO

Sérgio Andrade Silva estava no exercício de seu ofício de repórter fotográfico em uma manifestação popular que ocorria na área central de São Paulo, no dia 13 de junho de 2013, a serviço da agência Futura Press, quando foi atingido por um tiro de bala de borracha em sua face, disparado por um polícia militar. Sérgio foi socorrido por um popular, levando-o para o hospital 9 de Julho. No dia seguinte foi submetido a cirurgia no Hospital dos Olhos, passando 4 meses em tratamento. Apesar do esforço Sérgio perdeu a visão do olho esquerdo.

Devido aos danos sofridos no exercício da sua profissão, por Sérgio este decide entrar com uma ação de indenização contra a Fazenda Pública Estadual de São Paulo e pede o ressarcimento de 1,2 milhão por danos morais, materiais e estéticos causados por ato praticado por um agente público.

Na petição inicial, o advogado de Sérgio argumenta a respeito da classificação da bala de borracha em que está enquadrada em “munição menos letal”, embora esta possa causar até a morte ou causar lesões graves e até gravíssimas se utilizada de maneira indevida. Desta maneira recomenda-se que o policial aponte a arma para as pernas, minimizando os riscos. Ressaltou ainda na defesa que o autor tem 1,80m de altura e foi atingido no olho. Não havendo de maneira alguma a prestação de socorro por parte do policiais militares no local, sendo socorrido por um popular que conseguiu leva-lo ao hospital 40 minutos após o ocorrido, tendo percorrido boa parte do trajeto a pés. Por fim argumenta que é responsabilidade objetiva do Estado, não dependendo da comprovação de culpa do agente público com fulcro no art. 37, paragrafo 6º da Constituição Federal.

Já em defesa o Estado de São Paulo argumentou que o ferimento sofrido pelo fotógrafo é decorrente dos “riscos da profissão”, inerentes à cobertura jornalística de manifestações.

2 IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO

O caso em destaque tem como clímax o fato de um jornalista no exercício de sua função em uma manifestação popular foi alvejado na face, mais precisamente no olho esquerdo, por um policial militar no local. Diante deste fato é importante se elucidara função do policial na sociedade, nesse sentido leciona Lazzarini (2001)

A Polícia é a realidade do Poder de Polícia, é a concretização material deste, isto é, representa em ato a este. O Poder de Polícia legitima a ação e a própria existência da Polícia. Ele é que fundamenta o poder da polícia. O Poder de Polícia é um conjunto de atribuições da Administração Pública, indelegáveis aos particulares, tendentes ao controle dos direitos e liberdades das pessoas, naturais ou jurídicas, a ser inspirado nos ideais do bem comum, e incidentes não só sobre elas, como também em seus bens e atividades

 

A existência da polícia desta maneira se apresenta intimamente ligada a função do Estado de fornecer segurança aos particulares, assim o Estado se torna responsável pelos atos cometidos por seus agentes. A respeito da responsabilidade estatal foram criadas algumas teorias, uma delas foi a teoria da irresponsabilidade, a qual não aceita que o Estado, por meio de seus agentes, possa causar dano às pessoas. Não seria possível dessa maneira responsabilizar o Estado pelos atos de seus agentes, pois do contrário o Estado estaria sendo colocado no mesmo nível que o súdito, prejudicando a ideia de soberania. Tratando-se não de uma teoria da responsabilidade, mas de uma teoria da irresponsabilidade. (DE DEUS, 2015)

Outra teoria respeito da responsabilidade do Estado é a teoria da responsabilidade subjetiva, também conhecida como teoria da responsabilidade com culpa, ou teoria civilista. Esta Teoria foi a primeira a tentar explicar o dever estatal de indenizar os particulares por prejuízos decorrentes da prestação de serviços públicos. Essa teoria subjetiva se apoia na lógica do direito civil na medida em que o fundamento da responsabilidade é a a noção de culpa. Daí a necessidade de a vitima comprovar, para receber a indenização, a ocorrência simultânea de quatro requisitos: a) ato; b) dano; c) nexo causal;  d)culpa ou dolo. (MAZZA, 2014)

Existe ainda outra teoria importante que versa sobre a responsabilidade estatal, a qual é a teoria da responsabilidade objetiva, sendo esta a mais apropriada à realidade do direito administrativo segundo Alexandre Mazza (2014). Ainda segundo esse autor essa teoria também

chamada de teoria da responsabilidade sem culpa ou teoria publicista, afasta a necessidade de comprovação de culpa ou dolo do agente público e fundamenta o dever de indenizar na noção de RISCO ADMINISTRATIVO (art. 527, parágrafo único, do Código Civil. Quem presta um serviço público assume o risco dos prejuízos que eventualmente causar, independentemente da existência de culpa ou dolo. Assim, a responsabilidade prescinde de qualquer investigação quanto ao elemento subjetivo. A doutrina costuma afirmar que a transição para a teoria publicista deveu­-se à concepção de culpa administrativa, teoria que representou uma adaptação da visão civilista à realidade da Administração Pública. Via de regra, a adoção da teoria objetiva transfere o debate sobre culpa ou dolo para a ação regressiva a ser intentada pelo Estado contra o agente público, após a condenação esta tal na ação indenizatória (MAZZA, 2014).

 

A respeito desse dever do Estado de se responsabilizar pelos seus atos, tendo em vista que os agentes agem como braços estatais. O art. 37 § 6º da Magna Carta, consagra a responsabilidade civil objetiva do Estado, incluindo todas as entidades de direito público, incluindo as autarquias. Essa responsabilidade é independente da investigação de culpa do agente. Ressalta-se, no entanto, que essa responsabilidade irá depender da função que essa entidade desempenha, se desempenha atividade econômica a responsabilidade será subjetiva, necessitando a demonstração da culpa ou dolo do agente. No entanto se a entidade for prestadora de serviços públicos a responsabilidade é objetiva e não dependerá de maneira alguma da comprovação da culpa do agente. O que é o caso da Policia Militar (DE DEUS, 2015)

 

3 DESCRIÇÃO DOS ARGUMENTOS NECESSÁRIOS PARA EMBASAR AS QUESTÕES PRINCIPAIS E SECUNDÁRIAS

3.1.1 Condenar a Fazenda Pública do Estado de São Paulo a pagar indenização pela lesão que sofrida por Sérgio Andrade da Silva.

Com base na teoria da responsabilidade objetiva, sendo esta a mais adotada pelo Brasil, com fulcro no art. 37 § 6º, é dever do Estado indenizar possíveis lesões causadas por seus agentes, independentemente da comprovação de culpa destes.

Dessa maneira destaca-se que o papel da policia militar é manter a ordem publica, guardando a segurança dos particulares. A respeito da função da polícia leciona Maria Zanella Di Pietro (2002)

Quanto aos fins, o poder de polícia só deve ser exercido para atender o interesse público. Se o seu fundamento é precisamente o princípio da predominância do direito público sobre o particular, o exercício desse poder perderá a sua justificativa quando utilizado para beneficiar ou prejudicar pessoas determinadas; a autoridade que se afastar da finalidade pública incidirá em desvio de poder e acarretará a nulidade do ato com todas as consequências nas esferas civil, penal e administrativa. A competência e o procedimento devem observar as normas legais pertinentes. Quanto ao objeto, ou seja, quanto ao meio de ação, a autoridade sofre limitações, mesmo quando a lei lhe dê várias alternativas possíveis. Tem aqui aplicação um princípio de direito administrativo, a saber, o da proporcionalidade dos meios aos fins; isto equivale a dizer que o poder de polícia não deve ir além do necessário para a satisfação do interesse público que visa proteger; a sua finalidade não é destruir os direitos individuais, mas, ao contrário, assegurar o seu exercício, condicionando-o ao bem-estar social; só poderá reduzi-los quando em conflito com interesses maiores da coletividade e na medida estritamente necessária à consecução dos fins estatais

 

Consoante esse pensamento nota-se a importância da polícia desempenhar um trabalha conforme os preceitos legais e morais, sendo reprovável qualquer atitude que atente contra a ordem pública, ou algum ato atentatório a vida, segurança e saúde dos particulares. Além de ser indispensável a reparação de eventuais danos sofridos pelos particulares por agentes públicos, sendo dessa maneira uma maneira de minimizar o dano causado pelo próprio estado em decorrência da demonstração de relativa incompetência no dever de segurança conferido ao Estado. Nota-se também que a responsabilidade objetiva do Estado decorre do princípio da igualdade de todos perante os encargos sociais e encontra suas raízes na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Este princípio significa que, assim como os benefícios decorrentes da atuação estatal repartem-se por todos, também os prejuízos sofridos por alguns membros da sociedade devem ser repartidos, esclarecendo-se ainda não importar se essa lesão sofrida foi em decorrência de um fato licito ou ilícito, havendo a lesão se comprova o rompimento da igualdade gerando o dever de indenizar. Quando um sofre um ônus maior que os demais, rompe-se o equilíbrio que necessariamente deve haver entre os encargos sociais. Para reestabelecer esse equilíbrio o Estado deve indenizar o prejudicado utilizando-se recursos do erário. (DI PIETRO, 2002).

Diante do exposto condena-se a Fazenda Pública do Estado de São Paulo a indenizar Sérgio Andrade da Silva, em decorrência da lesão sofrida, constatando-se não haver culpa exclusiva da vítima, já que Sergio estava exercendo regularmente sua profissão, não tendo nenhuma atitude que o fizesse concorrer para o dano sofrido a não ser a de confiar no dever do Estado de trazer segurança aos cidadãos.

 

3.1.2 Não condenar a Fazenda Pública do Estado de São Paulo a pagar indenização pela lesão sofrida por Sérgio Andrade da Silva.

É importante destacar que as manifestações presentes na atualidade tem se apresentado de maneira agressiva diante do Estado, não sendo rara as vezes em que estes se excedem no direito de protesto passando a dilapidar o patrimônio público e privado, além de agredir pessoas no exercício de seus ofícios, como os policiais militares. Um exemplo bem claro dessa agressividade são os chamados Black Blocks, o qual configuram um grupo, ou até mesmo uma maneira de manifestar em que consiste na destruição como forma de demonstração da insatisfação destes integrantes para com o governo ou outra “pauta” da manifestação, tais como o aumento das passagens de ônibus.

Diante da forma de protesto agressiva em que vem fazendo parte nas manifestações pelo Brasil a polícia militar tem o dever de tomar as medidas cabíveis para coibir e proteger o cidadão de bem, protegendo seu direito a saúde, integridade física, e protegendo também o seu patrimônio de possíveis agressões desse grupo chamado Black Blocks. Assim a polícia se vê forçada a agir com igual violência. Assim há de se notar que o jornalista Sérgio Andrade tinha consciência do estado de tensão presente nas manifestações brasileiras, bem como era sabedor dos riscos em que corria ao decidir exercer sua profissão de fotógrafos em locais perigosos como estes.

A respeito dos excludentes ou atenunantes da responsabilidade estatal leciona Alexandre João de Deus (2015) “existem algumas circunstâncias que excluem ou atenuam (diminuem) a responsabilidade civil do Estado. A única circunstância que atenua ou diminui a responsabilidade civil do Estado é a existência de culpa concorrente da vítima, ou seja, inexistência de culpa exclusiva do Estado”.

 

 Assim nota-se que Sergio não tomou as medidas necessárias para salvaguardas sua segurança, que ao notar indícios de violência deveria ter se distanciado para um local seguro para desempenhar sua função de fotografo, sendo notório a sua culpa exclusiva, já que ao perceber que os ânimos estavam exaltados não deveria ter permanecido no local.

   

3.1 DESCRIÇÃO DOS CRITÉRIOS E VALORES

2.1.1 Responsabilidade Civil Objetiva do Estado, princípio da digninade da pessoa humana, principio da igualdade, segurança publica

2.1.2 Princípio da Legalidade; Segurança pública; Poder de polícia.

    

REFERÊNCIAS

DE DEUS, Alexandre Ricardo João. Direito Administrativo esquematizado. 1 ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015.

 

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 15. ed. São Paulo : Atlas, 2002

 

LAZZARINI, Álvaro.  Poder de Polícia e Direitos Humanos, revista A Força Policial, nº 30. São Paulo, 2001.

 

MAZZA, Alexandre. Manual de direito administrativo. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2014

 

Vade Mecum / obra coletiva de autonomia da editora Saraiva com a colaboração de Luiz Roberto Curia, Lívia Céspedes e Juliana Nicoletti. – 13° edição. Atual. Ampl. – São Paulo, Saraiva, 2014.

                                                    

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[1]Case apresentado à disciplina de Direito Administrativo, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Aluno do Curso de Direito, da UNDB.

[3] Professor, orientador.

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