Névoa

Por Luiz Henrique Araújo | 01/10/2007 | Contos

I

Madrugada fria em Londres. O Big Ben acabou de tocar seus sinos cinco vezes. O tradicional fog londrino afunda mais uma vez a cidade em total escuridão. Londres anda tumultuada nos últimos meses. Vários crimes sem explicação alguma estão acontecendo.
A Scotlhen Yard passou os últimos três meses atrás de um suspeito. Ninguém jamais sobreviveu aos ataques do criminoso. Nenhuma testemunha. Nenhuma pista.
Durante o dia, só se falava dos crimes do Nevoa, o Serial Killer que só ataca nas noites de forte nevoeiro. Já durante as noites, ninguém se aventura a passear pelas ruas sombrias da cidade, as pessoas estão assustadas, nem mesmo os policiais transitam pela cidade à noite. Cinco policiais já morreram assim.
Assim está Londres: Uma cidade abandonada, esquecida, onde o pavor tomou conta de todos. Ninguém confia em mais ninguém. As pessoas andam apressadas, evitando umas as outras, tentando se esconder no conforto de seus lares. Pobres almas atormentadas, não comem, não dormem, somente rezam.
O nevoeiro cobre praticamente toda Londres, em especial sobre o rio Danúbio, que com suas águas imundas trazem mais tristeza a este povo apavorado. As sombras insistem em tomar toda a cidade.
Tudo está em silencio, somente os sons de cascos ao longe podem ser ouvidos, sons esses que começam a aumentar e tornam-se cada vez mais próximos. De repente uma carruagem preta cruza o nevoeiro em disparada, e logo em seguida um cavalo e um cavaleiro cruzam no mesmo lugar.
Correndo em direção da Ponte de Londres, a toda velocidade. A carruagem quase cai no rio quando tenta fazer a curva fechada que conduz a ponte. Os cavalos relincham, e a carruagem entra na ponte, batendo sua lateral no muro protetor. O cavaleiro por sua vez, faz a curva com total maestria, e ao entrar na ponte levanta um pequeno mosquete e atira em direção da carruagem, os cavalos da mesma ficam descontrolados e começam dar coices para o ar fazendo a carruagem tombar de lado. O condutor morre instantaneamente esmagado por sua ferramenta de trabalho. Os cavalos fogem assustados. Sangue por todo lado.
De dentro da carruagem sai um homem de uns vinte e cinco anos, que hesitante tenta se levantar. Olhou para os lados e tentou ficar de pé, quando viu a ponta da lamina encostada em seu queixo. Olhou para cima e viu o que tinha do outro lado da espada: um homem, que com um sorriso no olhar disse em voz baixa, quase sussurrando:
- Nem pense nisso, vampiro.
Antes mesmo de pronunciar a ultima palavra, o cavaleiro viu o vampiro sumir diante de seus olhos, e no mesmo instante estava do seu lado, ali parado, sumiu novamente, e apareceu na sua frente, tomando-lhe a espada. Num movimento rápido, desapareceu diante dos olhos do humano, agora, totalmente confuso. Apareceu ao lado do cavaleiro, que ainda tentava entender o que estava acontecendo, batendo-lhe com a bainha da espada no meio do peito, o cavaleiro perdeu totalmente o ar, sentiu o gosto de sangue em sua boca, sabia que acabava de adicionar mais uma costela quebrada à sua coleção.
Procurou manter a calmo. Olhou para seu opositor e viu quando o mesmo desapareceu novamente, esperou outro golpe do vampiro, prendeu o ar, estufou o peito, mas o golpe veio por baixo: uma rasteira o fez cair de costas no chão. Olhou para cima, lá estava o vampiro parado fitando-o. Olhou para a arma em sua cintura. O vampiro percebeu. O homem fez um movimento rápido, não o bastante. Quando tirou a arma da cinta, sentiu o pé do vampiro sobre sua mão.
Com um ar de vitorioso o vampiro se inclinou e sussurrou para o Cavaleiro:
- Nem pense nisso, Caçador.

II

Na mesma noite, algumas horas atrás, o big ban acabara de badalar 02:00 da manhã. O nevoeiro que ora cobria a cidade, estava se intensificando. A lua, como de costume, mal podia ser vista, em meio às nuvens e o insistente Fog Britânico.
A cidade esta imersa numa total escuridão, os tímidos pontos de luz espalhados pela cidade, transformavam-na num céu de uma noite fria de Outono. Os Lampiões, tremeluziam em face ao forte vento. Cães uivavam por toda a cidade, pressentindo o mal, que rondava pelas ruas e vielas da cidade silenciosa.
Cassandra, havia trabalhado muito pouco hoje à noite. Malditos policiais. Pensou. Estava cansada de vê-los se intrometendo nos seus negócios. Já era a terceira vez que fora presa nesta semana. Os desgraçados a prendiam quando queriam sexo de graça. Pensou em voz alta. Malditos aproveitadores.
Estava realmente irritada com tudo aquilo, sabia que ser prostituta não era a vida com que havia sonhado para si mesma, mas as coisas estavam difíceis. Tinha que comer, tinha que sobreviver, não mais por si, e sim por sua velha mãe. Tinha objetivos, sim, objetivos claros, planos de deixar esta vida. Seria dona do seu próprio bordel. Seria rica.
Cassandra ainda sonhava com sua vida melhor, quando cruzou uma estreita alameda, virando à esquerda numa pequena viela que cortava caminho entre as ruas do centro. Estava pensando numa maneira de ganhar mais dinheiro, mudar de vida. Ser feliz um dia.
Estava tão distraída que não notou que seu corpo ao passar por um Lampião projetou numa parede suja duas sombras ao invés de uma. Ela sabia que Londres estava perigosa nas ultimas noites. Sentiu um arrepio cobrir todo seu corpo, quando lembrou que o tal Névoa rondava a cidade, desfigurando suas vitimas, separado suas cabeças de seus corpos.
Como um homem poderia fazer isso. Pensou novamente em voz alta. Ouviu um ruído. Apressou os passos. Olhou para trás, nada. Continuou andar apressada, passadas cada vez mais rápidas, estava a ponto de correr, quando ouviu aquela risada vinda dos confins do inferno. Desesperou-se, começou uma corrida frenética, olhava para trás, e nada via, mas a risada continuava, e mais alto e mais perto.
Cassandra gritou por socorro. Ninguém ouviu. As pessoas assustadas em suas casas preferiam fingir não terem ouvido nada. Era sempre assim: Ninguém nunca via ou ouvia nada. Só os mortos sabiam o que acontecia.
Cassandra olhou novamente para trás, já havia corrido bastante, devia ter despistado seja lá quem fosse que a perseguia. Parou de correr, ainda estava assustada, mas parou de correr. Continuou, no entanto, com os passos apressados. Não podia se arriscar. Pensou.
Contornando o muro baixo, da casa do Sr. Walter, sairia na Avenida principal, que de certo não estaria movimentada, mas teria algum policial para protege-la. Virou à esquerda estava a ponto de sair daquela maldita viela escura, quando sentiu seu sangue gelar. Um vulto apareceu em sua frente, e saltou sobre ela. Como um tigre pula em sua presa.
Cassandra tentou gritar, mas não conseguiu, mãos frias tampavam sua boca, impedindo qualquer pedido de socorro. A moça tentou lutar, de alguma maneira desvencilhar-se do agressor, percebeu que não tinha forças. Sentiu um golpe em seu pescoço, como se tivesse sido mordida por um leão. Os olhos encheram de lagrimas. Sabia que morreria. Tentou gritar, não tinha mais voz. Olhou ao redor, viu que o mundo começava à girar. Sentiu o calor de seu sangue que vertia de seu pescoço cobrir todo seu corpo, estava morrendo. Repentinamente sentiu frio, muito frio. As mãos já não lutavam mais, o corpo não respondia aos estímulos do cérebro. Estava insuportavelmente frio. Então lentamente Cassandra caiu.
Suas lagrimas misturadas ao sangue ardiam em seus olhos, olhou para o céu, queria ter visto as estrelas por uma ultima vez. Viu o homem, que sumiu na mesma velocidade que havia aparecido. Foi a ultima coisa que Cassandra viu.

III

No dia seguinte, o big ban já havia dado sete badaladas há algum tempo. O sol começava vencer o nevoeiro, o calor vespertino da manhã, vindo sobre a cadeia de montanhas ao leste, começava aquecer a cidade.
Uma movimentação incomum nas ruas do centro começava acontecer, vários policiais correndo pra lá e pra cá, desatentos aos olhares curiosos da multidão que se aglomerava.
Começaram, então, a isolar uma viela próxima da avenida principal. Colocaram cavaletes, cordas, toras de madeira, utilizaram todo o material que dispunham no momento, para impedir que a multidão aproxima-se.
O big ban badalava oito vezes quando o policial Briam chegou ao local do crime. Briam era um policial bastante atípico. Pois não gostava dos métodos tradicionais da policia britânica.
Ele serviu no exercito Inglês antes de ingressar na ScotlhemYard. Era pleno conhecedor das táticas de guerra, viajou por quase toda a Europa, lutando a serviço da Coroa por diversas ocasiões.
Foi mandado para casa devido um tiro de mosquete que recebeu em batalha, que lhe prendeu para sempre a uma bengala, que leva sempre consigo para apoiar a perna direita que foi alvejada. Tornando-se imprestável para o campo de batalha, a Coroa decidiu aproveita-lo no serviço de investigação de assassinatos.
Um policial aproximou-se de Briam e passou a informa-lhe dos detalhes que já haviam sido notados:
- Senhor, os ferimentos são idênticos aos das ultimas vitimas: Ferimento no peito, na altura do coração e o pescoço totalmente destruído. Não achamos nenhuma pista até agora.
- Não é possível. Disse Briam. ? Eu quero que vasculhem cada canto dessa viela imunda, precisamos de alguma evidencia, qualquer prova. Olhem tudo.
- Sim senhor ? Respondeu o policial, saindo da vista de Briam.
Briam olhou para a cena do crime, e não conseguiu conter a sensação de desconforto que ela revela. Sangue, muito sangue. Sangue na parede, no vestido da moça, em todo o corpo da vitima, sangue em tudo. Briam sentiu náuseas. Colocou um lenço na frente da boca, o cheiro do corpo estava horrível.
Não importa quanto tempo trabalhamos nisso, parece que sempre isso nos faz mal. Pensou Brim olhando para o sangue no chão.
- Senhor. Disse um policial parado do lado de Briam. ? Descobrimos o nome dela.
- E qual é? Perguntou Briam demonstrando não dar a menor importância a isso.
- O nome dela é Cassandra, Senhor. Uma prostituta da região. ? Disse o guarda.
- Foi só isso que vocês conseguiram descobrir? Perguntou Briam demonstrando estar bastante irritado. ? Vocês não conseguem fazer melhor que isso?
O policial meneou a cabeça dizendo:
- É só o que temos, Senhor.
- Então mais uma vez, não temos nada. Disse Briam se retirando da cena do crime, caminhando lentamente em direção da multidão, que se acotovela para ver alguma coisa.
Uma mulher pergunta para Briam:
- Detetive, o que está acontecendo?
- Eu não sei. Responde o Detetive.- Eu não sei nada.