Multiculturalismo na fronteira Brasil-Bolívia

Por Celia Regina Lopes Feitoza | 17/12/2010 | Educação



Ao analisar a obra de filósofo canadense Will Kymlicka, percebe-se uma arraigada preocupação em abordar questões relacionadas à democracia e diversidade nas sociedades multiculturais. Em se tratando da obra Estados Multiculturales y Ciudadanos Interculturales, um tema que vem sendo abordado desde a Grécia e Roma antigas vem à tona como condição necessária para a formação de um Estado Democrático: a cidadania. Evento que se estabelece através da relação entre indivíduo e Estado, paralelamente os fatos culturais e sociais e os dados mais abrangentes como leis e instituições, que infelizmente nem sempre andam juntas, já que encontram obstáculos para sua efetivação, seja de natureza política, filosófica, cultural etc.
O referido estudo está estruturado em cinco partes, assim denominadas: Introdução; Estados Multiculturais; Cidadãos Interculturais; Possíveis Tensões e Conclusão.
O velho modelo de Estado, como uma nação homogênea visava nivelar a comunidade em seus fatores políticos, religiosos, em seus mitos, história e língua, geralmente financiado pela maioria, restando à minoria, "adequar-se" a estes paradigmas "soberanos". No entanto, ao longo da história, alguns grupos minoritários estabeleceram poder e dominação, como a política racial implantada na África o Sul, a vergonhosa apartheid.


Um novo modelo de estado vem, lentamente, se instaurando, a exemplo do que ocorre na Suíça, onde as minorias lingüísticas são aceitas. Contudo, a grande maioria dos países ainda tem uma visão homogeneizante das massas.
Se no meio de cada território há grupos distintos com suas crenças, mitos, língua e cultura singulares, surge o grande questionamento: urge a formação de um Estado multicultural. Que em vez de excluir estes grupos, permitam exercer sua cidadania sem, contudo, despir-se de sua identidade, no que consiste a velha política de assimilação e exclusão.
Segundo o autor, um Estado multicultural pode perfeitamente ter uma única língua oficial, se comprometendo claro, a favorecer e valorizar a diversidade, em órgãos públicos, por exemplo, onde deveriam ser aceitos todos os indivíduos em sua própria identidade, de forma inclusiva.
Um Estado multicultural só é possível se há um número consistente de cidadãos interculturais, a fim de sustentar os três fatores básicos que são: a consciência de que o Estado não pertence a um grupo dominante, mas a todos os cidadãos; que as políticas públicas dever caminhar para o reconhecimento e adequação; além de reconhecer as injustiças históricas.
As "sociedades paralelas" coexistem com a sociedade dominante, sem que seja necessária muita interação entre elas. Um exemplo ocorre no Canadá, em que os falantes de Francês e Inglês co-existem, cada um com seus costumes e gostos, sem se preocuparem em conhecer a outra cultura. Casos parecidos também são registrados na Bélgica e na Suíça.
É necessário que os indivíduos interajam entre si, despertando a curiosidade sobre costumes e crenças de outros grupos. A educação formal entra como um suporte para essa interação, conscientizando as pessoas para intercâmbios culturais positivos.
Cada povo e cultura têm riquezas a serem descobertas, porém, muitas vezes os cidadãos valorizam culturas consideradas convencionalmente "superiores"; por exemplo, na Bélgica, em que Inglês e Flamenco são línguas oficiais, todavia, há uma tendência a aprender o Inglês como forma de ter acesso a uma cultura mais global, deixando em segundo plano a cultura local flamenca, um contraponto entre a interculturalismo local e o cosmopolita.


Existem grupos que preferem ficar isolados a correr riscos da "perda de identidade", provocados pela apropriação e assimilação de outra cultura. As escolas canadenses do século XIX eram protestantes, ao passo que para atender a demanda de alunos católicos foram criadas escolas católicas com fundos públicos em várias comunidades.
A idéia de multiculturalismo no meio anglo-americano começou a ser pensada no final das décadas de 70 e 80 e dava-se ênfase aos aspectos exóticos e coloridos de outras culturas, como suas festas e tradições. Esta idéia sofreu críticas, pois as crianças perderiam sua identidade cultural.





Sob a ótica da realidade de Guajará-Mirim/RO, há perceptivelmente, a necessidade de formação de um Estado multicultural, que não se sobreponha aos demais povos, sejam indígenas, bolivianos, quilombolas etc., mas que favoreça a cidadania de todos os povos respeitando-os em suas respectivas culturas, crenças, línguas. A escola tem uma grande responsabilidade e oportunidade nas mãos: promover o "encontro" e não o "choque" de culturas, a fim de formalizar um estudo pautado na interação dos grupos de indivíduos conscientes de seu papel em busca da cidadania.