MULHERES DE CINZAS

Por CLAUDIO SILVA PEIXOTO | 20/12/2018 | Resumos

O autor, Mia Couto nasceu em 1955 na cidade da Beira em Moçambique. É escritor, jornalista e poeta moçambicano. Venceu em 2013 um dos prêmios mais importantes da literatura (CAMÕES). Mia couto é o pseudônimo de Antônio Emílio Leite Couto.

A obra vem relatar um pouco sobre a história do grande Estado de Gaza , o segundo maior império em África comandado e administrado por um africano que ao longo dos anos desde o reinado em gaza lutou contra as forças e domínios portugueses em Moçambique. Ngungunyane , Gungunhane ou simplesmente leão de Gaza foi o ultimo imperador que governou toda a metade do sul de Moçambique, (1884-1895) sendo derrotado pelas força portuguesas em 1985 pelo oficial de cavalaria Joaquim Augusto Mouzinho de Albuquerque. Ngungunhane foi capturado e levado como prisioneiro de guerra junto a outros familiares para a ilha de açores em Portugal o qual veio falecer em 1906. Os restos mortais do imperador foram devolvidos a Moçambique em 1985, no entanto a historiografia e a própria obra (Mulheres de Cinzas) enfatizam que ao invés de ossadas veio torrões de areias que veio do solo português.

O romance narra acontecimentos sobre o império de gaza, um vasto e extenso império comandado por um africano (Ngungunhane) que desperta até os dias atuais uma série de apontamentos acerca de seu reinado. Tido por uns como um imperador ruim, excêntrico e cheio de maldade. Por outros, concebidos como uma pessoa de fibra, força e poder de comando bem como de ter lutado  incessantemente contra os portugueses . Outros relatam ainda que o mesmo era um bêbado, medroso e aliado aos portugueses de certa forma para garantir a vastidão do seu império. São concepções que a própria história ao longo dos anos vai desmistificando, criando e recriando fatores sobre a vida desse homem que deixou seu nome marcado na história da humanidade.

De acordo com SANTOS (2010) A origem do reinado de Gaza no sul de Moçambique está diretamente ligada a migração dos povos ngunis nas primeiras décadas do século XIX. Os ngunis era um grupo filiado a língua e cultura Banta que se deslocou para a região do sul de Moçambique fugindo das secas e da dominação de  outros povos.

Para entendermos esse vasto reinado de Gaza bem como a narrativa de Mulheres de Cinzas de Mia Couto, é preciso entender ainda sobre a constituição desse espaço geográfico e político de poderes diversos. Ainda conforme Santos (2010) nessa região de Moçambique haviam dois grandes reinos,  os Nduandue e Mtetua que disputavam poder e prestígio. Em uma batalha o imperador dos Mtetua foi capturado e morto. Assumindo ao trono Chaka um dos chefes militares zulus. Um dos refugiados na época era Manicusse ou sochangana avô de Ngungunhane que fugindo dos domínios de Chaka chegou a província de Moçambique em

 

(1820-1821). O reinado de Chaka aumentava e Manicusse e seu povo avançavam cada vez mais ao sul de Moçambique chegando a Inhambane em 1834 e no vale do Zambeze em 1836.

Manicussi conseguiu fundar um grande império que ficou  sob a liderança do filho Muzila após sua morte. Após a morte de Muzila pai de Ngungunhane, houve grande disputa pelos domínios do império. O leão de Gaza ainda não havia assumido ao trono porque não era o legítimo sucessor e sim seu irmão Mefemane. Para resolver o problema manda matá-lo e toma o trono,  fazendo alianças com os Portugueses e ao mesmo tempo utilizando de uma política de centralidade de poder contra Portugal.

Em meio a essas complexas brigas de poder político, econômico e territorial em que de um lado Portugal lutava a todo custo para ter os domínios de Moçambique com objetivos de  uma colonização baseada na exploração dos recursos minerais  e dos povos que ali viviam , de outro se tinha a presença de povos que eram rivais aos Ngunis os Chopis que eram contra e a favor dos portugueses e da mesma forma dos Ngunes. Além dessas forças políticas havia ainda a presença da Gran-Bretanha com interesses nas terras de Moçambique pela extração de diamantes e ouro.

A obra está narrada sob os aspectos mencionados acima. Mia Couto, inseri como os principais narradores uma garota pertencente dos VaChopi. Imani é uma personagem que fala fluentemente o português e resiste ao poder de Ngungunhane. Imani significa em sua língua materna algo que não existe, sem nome. (Bate - se na porta e, do outro lado , alguém indaga: Imani? sendo essa a indagação que deram a moça como identidade, como se fosse um corpo sem sombra, a eterna espera de uma resposta). Foi esse o nome propositadamente que o autor deu a um dos personagens principais, algo que ainda não tinha nome, que estava a eterna espera de algo do por vir, como se fosse a própria Gaza sempre a espera de uma finalização, de um parecer final que pudesse aliviar ou causar de vez dores irresistíveis. A insegurança e a incerteza por estarem sempre no meio..., de um lado os Portugues e de outro os Ngunis sempre a espreita para vencerem a todo custo.

Outro importante personagem é o oficial sargento Germano de Melo, que veio a Nkokolani, não como um oficial designado as suas funções patriotistas  mas forçadamente por ser um desertor , um criminoso que recebera como castigo a prisão ser deportado para as terras de Gaza e recebera o nome (Título) de sargento para dar maior firmeza e tenacidade ao posto que lhe foi confiado. No entanto o sargento sofre com seu passado e aos poucos vai conhecendo a sua auxiliar e interprete Imani que lhes auxilia nas traduções das cartas enviadas a Portugal relatando sobre os acontecimentos na base militar de Nkokolani em Moçambique.

A família de Imani faz parte dos VaChopi , aos quais alguns nutrem simpatia pelos portugueses e outros pelos Ngunis. A mãe de Imani ( Chikazi - mabuingela, esses que caminham á frente para limparem o orvalho do capim) é uma mulher corajosa e forte ,nascida mais para o Sul que não teme a ninguém a não ser os despautérios e agressões do marido. Ela sofre de uma “doença” ou uma dádiva que não sente dor  em eu corpo e finge para o marido que sente as dores quando ele lhe agride. Vive as angustias de uma mulher que sonha em voltar para sua terra natal. Após a morte do seu filho Dubula, ela cai em um profundo abatimento e acaba por tirar a própria vida em uma árvore.  

O pai de Imani ( Katini) é um homem muito afinado as questões portuguesas, na verdade ele tinha mais alma portuguesa que muitos português e faria de tudo para agradar aos lusitanos inclusive de entregar a sua filha ao sargento Germano de Melo. Katini vivia sonhando no dia em que os Ngunis iriam ser vencidos pelos portugueses, ele agia e pensava ter modos português . Era um homem que arrastava a própria vida nas costas o qual o álcool era o seu melhor aliado para esquecer a vida que levava em meio a uma covardia de se reconhecer como um africano sob os domínios de uns e de outros. Katini era um excelente tocador de marimbas e era ele mesmo quem as fabricava e esse era um dos poucos orgulhos que ele tinha. Para ele a leitura era algo que o diferenciava dos nativos, era algo que o definia  sentia-se que tinha  estirpe como os portugueses . Ele não sabia ler, somente ensaiava poucas letras e frases mal formuladas.

O irmão mais velho DUBULA é  muito inteligente e aliou-se as tropas de Ngungunhane para o enfrentamento contra as tropas portuguesas. Mostra o lado destemido dos VaChopi.

Mwanatu, era o irmão mais novo, era ajudante do Sargento Germano, tinha em suas tarefas os cuidados da correspondência do militar bem como de fazer guarda , quer dizer..., fazer de conta que vigiava algo, pois a sua total falta de precisão e agilidade o colocava como algo insatisfatório, tendo seu posto por ser irmão de Imani. O garoto tinha como sonho e promessa de um dia ir para Lisboa e servir o exercito português.

O avô de Imani, Tsangatelo, nos tempo áureos realizava e comandava grandes embarcações de barcos com malas, mercadorias e armas dos visitantes estrangeiros, ganhava a vida a navegar por aqueles rios. Ao chegar à idade mais avançada resolveu deixar os familiares e se aventurar nas minas, preferindo as profundezas e a escuridão do que aqueles tempos receosos em Gaza.

Os tios de Imani eram Rosi que era mais ligada às praticas curandeiras e adivinhações sendo marcado pela má sorte de perder todos os filhos em abortos e isso lhes marcara para sempre, tanto ela como seu marido Musissi um caçador hábil, sofriam por não terem filhos. Musisi não nutria muita afinidade por Katini nem tão pouco por aquele que se aliou aos Nguni o irmão mais velho de Imani e seu sobrinho.

O sargento Germano passa a ter algo a mais por Imani, uma atração de corpos e de almas. Ele não entende porque ela desperta sensações diversas em seu íntimo, mas, todavia tanto ele como ela, vivem sonhos e buscam uma completude. Germano, encontra em terras longínquas um ser que lhe passa confiança, segurança e carinho. Ao mesmo tempo Imani encontra-se em uma profunda procura, ela não se enquadra nos padrões das moças do vilarejo. Anseia algo que nem ela mesma a conhece.

Imani  não se acostuma , não se identifica com aquelas guerras onde o homem é apenas algo que serve como objeto de guerra para os interesses de outros homens. A obra traz Imani na figura de uma mulher que narra à trajetória de diversos interesses políticos, econômicos, religiosos, culturais e de etnias em uma luta para subjugar uns em detrimento aos interesses de outros.  A obra literária por meio da personagem Imane revela “Na guerra os pobres são os primeiros a serem mortos, na paz os pobres são os primeiros a morrer. Para nós mulheres ainda há ainda outra diferença. Na guerra passamos a ser violentadas por quem não conhecemos”.

Mia couto transmiti também de forma poética uma narrativa de guerra e paz, de lugar de pertencimento e de busca. Dar maior visibilidade a figura feminina colocando-a como papel principal. Relata as dificuldades, angustias sonhos e jeitos de ser mulher em uma sociedade governada por homens. A obra enfatiza as emoções, sentimentos e histórias diversas de mulheres que vivenciaram os períodos tempestuosos do século XIX em Gaza. Outra característica da narrativa é quando se argumenta que ao morrer eletrocutada (Personagem mulher) se tem a certeza de que não se sentirá mais dor pelo fato de ser cinza, demonstrando as dores sentidas pelo universo feminino silenciado pela própria história.

Em entrevista o escritor Moçambicano Mia Couto fala sobre os objetivos da obra Mulheres de Cinzas. “ A IDEIA DE RESGATAR AO PASSADO , PORQUE O PASSADO PODERÁ SER ALGO QUE NOS PRENDA A UMA IDEIA SIMPLISTA DE PASSADO. HOJE SE FALA EM UM DISCURSO PLURALISTA DE DIVERSIADDE , MAS NÃO TERÁ ESSA DIVERSIDADE NO PRESENTE SEM CONHECER ESSE PASSADO. PARA UNS SÃO LEMBRANÇAS BOAS, PARA OUTROS SÃO LEMBRANÇAS RUINS. CADA UM VAI ENCARAR O PASSADO DA SUA MANEIRA. ESTAMOS AINDA PRISIONEIROS DE UMA VISÃO ÚNICA DO PASSADO. UMA ESCRITA, UMA VERSÃO ÚNICA DO PASSADO E ESSA VERSÃO TAMBÉM E VÁLIDA, MAS É PRECISO QUE A GENTE PENSE QUE A HISTÓRIA FOI ESCRITA POR VÁRIAS MÃOS E POR VÁRIOS VENCIDOS, TANTO DO LADO MOÇAMBICANO COMO PORTUGUES, O QUAL O LIVRO TRAZ ESSAS DIFERENTES VOZES”.

 

(MOZ AFRICANA VIEW. Disponível em<22 OUT. 2015 - https://youtu.be/CCgOjEjLHsI> Acesso em 15 out. 2018)

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