Mulher: O Início da Transformação

Por Laura Affonso Costa Levy | 11/02/2009 | Direito

Mulher: o início da transformação

Laura Affonso da Costa Levy[1]

Alexandra Kolontay[2] presenteou-nos com sua clássica obra "A Nova Mulher e a Ordem Sexual", marco divisor de águas na história da luta das mulheres e o feminismo.

Afirma, assim, que a nova mulher, que poderíamos até denominar de "mulher ocidental", nasceu de um sistema econômico do grande capitalismo. Dessa forma, surge através de uma realidade de massa, com o ruído infernal das máquinas da usina e da sirene das fábricas.

A imensa transformação que sofreram as condições da produção no transcurso dos últimos séculos, inclusive com as grandes vitórias de produção do capitalismo, obrigou, também, as mulheres a adaptarem-se às novas condições criadas pela realidade que as envolveram. Mudanças, essas, que simultaneamente com as evoluções econômicas e de produção, atingiram o aspecto psicológico feminino.

A mulher não poderia, simplesmente, ser considerada uma mão de obra a mais para a força de trabalho. Deveria, sim, ser uma participação influente no mercado feminino assalariado, mas também lutadora, consciente e determinada a seguir por suas próprias pernas sua carreira e sua independência profissional.

As relações de produção, que durante tanto tempo mantiveram a mulher trancada em casa e submetida ao marido, que a sustentava, são as mesmas que, ao arrancar as correntes enferrujadas que a aprisionavam, impelem a mulher frágil e inadaptada à luta do cotidiano e a submetem à dependência econômica do capital. Assim, ameaçada de perder toda a assistência, diante do temor de padecer privações e fome, vê-se obrigada a aprender a se manter sozinha, sem o apoio do pai ou do marido. Defrontando-se, dessa maneira, com o problema de adaptar-se rapidamente às novas condições de sua existência, e tendo que revisar imediatamente as verdades morais que herdou de suas avós. Dá-se conta, com assombro, de toda inutilidade do equipamento moral com que a educaram para percorrer o caminho da vida. As virtudes feministas – passividade, submissão, doçura – que lhe foram repassadas durante séculos, tornaram-se agora completamente supérfluas, inúteis e prejudiciais. Necessita, nesse momento, de firmeza, decisão e energia, isto é, àquelas virtudes que eram consideradas próprias do sexo masculino.

Tendo de enfrentar essa nova realidade, com a batalha da vida, vê-se obrigada a armar-se e fortificar-se com forças psicológicas próprias do homem. Assim, a nova realidade, parece esforçar-se para criar um tipo de mulher, que, pela formação de seu espírito, se encontra incomparavelmente mais próxima de seu companheiro do que da mulher do passado.

Seguramente, as transformações da mentalidade feminina, de sua estrutura interior, espiritual e sentimental, realizou-se primeiro e, principalmente, nas camadas mais profundas da sociedade, ou seja, onde se produziu necessariamente a adaptação do trabalho, as condições radicalmente transformadas de sua existência.

Ao arrancar do lar, do berço, milhares de "mulheres ocidentais" houve uma conversão da personalidade submissas e passivas, escravas obedientes dos maridos, para um exército de luta pelos seus direitos e pelos direitos de toda uma comunidade. Despertando o espírito de protesto e educando a vontade de igualdade. Tudo isso, contribuiu para que se desenvolvesse e fortalecesse a consciência da individualidade feminina, como também o senso de coletividade.

A psicologia da mulher do novo mundo, que se iniciou pelo processo das trabalhadoras, com transformações profundas de missão social, ideologia e comportamento refletiu sobre as demais mulheres que permaneciam ainda na retaguarda e inseridas nas antigas virtudes femininas – submissão e passividade. Os traços característicos, formados na luta pela vida, converteram-se pouco a pouco, gradativamente, nas características das outras mulheres, ditas "atrasadas".

A influência das mulheres trabalhadoras estende-se muito mais além dos limites de sua própria existência. Elas contaminam com sua crítica a inteligência de suas contemporâneas, destroem os velhos ídolos e hasteiam o estandarte da insurreição para protestar contra as verdades que as submeteram durante gerações. Assim, ao se libertarem, libertam o espírito agrilhoado, durante séculos, de outras milhares de mulheres submissas.

Não há mudança sem luta e, a reeducação da psicologia da mulher, necessária às novas condições de vida econômica e social, não pôde ser realizada sem essa luta. Cada passo que foi dado nesse sentido, provocou conflitos, que eram completamente desconhecidos das heroínas antigas. Foram esses conflitos que inundaram a alma da mulher, transformando-a gradativamente, como "...de objeto da tragédia masculina converte-se em sujeito de sua própria tragédia".



[1] Advogada da área de Direito de Família e Sucessões, atuante no Rio Grande do Sul. lauranomundo@yahoo.com.br

[2] Alexandra Kolontay nasceu em 1872 e foi a primeira mulher no mundo, em 1917, a ocupar o posto de Ministro de Estado, como Comissária do Povo para a Assistência Pública e, o cargo de Embaixadora em 1926, representando a União Soviética junto ao governo da Noruega. A primeira edição desse livro, A Nova Mulher e a Crise Sexual, foi escrita na data de 1918, constituindo uma crítica ao problema do amor e à posição da mulher dentro da sociedade.