Mudanças de FHC a Lula em relação à África: O avanço nas tendências multilaterais

Por Walace Ferreira | 26/04/2013 | Política

Mudanças de FHC a Lula em relação à África: O avanço nas tendências multilaterais

 

Walace Ferreira

Doutorando em Sociologia no Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP)/UERJ; mestre em Sociologia pelo IUPERJ; bacharel e licenciado em Ciências Sociais pela UERJ. Atualmente Professor Substituto do Colégio Pedro II. Ex-Professor Substituto da Faculdade de Ciências Sociais da UERJ. E-mail: walaceuerj@yahoo.com.br

Resumo:

Este trabalho compara analiticamente a política externa brasileira dos governos FHC (1995-2002) e Lula (2003-2010) em relação à África, tendo o governo atual fundado embaixadas, ampliado relações políticas e propiciado redes econômicas e de investimentos com aquele continente, ao passo que no período anterior presenciamos apenas algumas ações pontuais. As diferenças desses governos, exploradas aqui, vinculam-se a diversos fatores, que abrangem desde a realidade interna do país até a conjuntura internacional em que estão inseridos.

Palavras-chave: Política Externa; FHC a Lula; África.

Abstract:

This paper compares the Brazilian foreign policy of Fernando Henrique Cardoso government (1995-2002) and of Lula government (2003-2010) about the African continent. The current government founded embassies, enhanced political relations and networks and provided economic investment inAfrica. The former government of Mr. Cardoso in the previous period witnessed some punctual actions. The differences of these governments, that it will be viewed here, are linked to several factors, which range from the reality inside the country to the international situation in which they are inserted.

Key-words: Foreign Policy, From FHC to Lula;Africa.

1. Considerações iniciais

Este artigo aborda a política externa brasileira dos governos Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010) no que tange as relações junto ao continente africano.  Trata-se de um período recente da nossa política externa, imersa num tempo de profundas transformações que sucederam o fim da Guerra Fria, em que o triunfo do capitalismo sobre o socialismo soviético em 1989 deu impulso a uma nova dimensão da globalização. Nesse rumo, a globalização engendrou uma nova realidade econômica, marcada pelo aumento dos fluxos financeiros, por uma readequação dos processos de produção e pela flexibilização regulatória dos Estados.

Por todos esses anos, muitas e variadas têm sido as leituras diante do novo rearranjo geopolítico. A que mais me agrada é a de Zakaria[1], que apesar de falar antes da crise financeira atual e partindo seu olhar de dentro dos Estados Unidos, acredita que estamos vivenciando o terceiro grande deslocamento de poder da história moderna. Ela se caracterizaria pelo fim da “Pax Americana” e pela ascensão dos demais países e de novas arenas de poder – o que o autor chama de “the rise of the rest[2]”.

A importância do tema aqui debatido reside na correta observação de Sérgio Amaral[3], para quem a capacidade de se entender o processo global e seu rumo, antecipar decisões e políticas, dar uma resposta adequada às novas realidades, é, em boa medida, o que distingue o êxito do fracasso, a capacidade de liderar ou ser meramente guiado por essas transformações. É nesse sentido que procuramos analisar a inserção do Brasil na atual conjuntura, em que a reaproximação com a África mostra-se de imprescindível atenção.

2. A política externa brasileira ao fim da Guerra Fria

 Diante do cenário advindo com a multipolaridade a política exterior do Brasil adaptou-se de maneira instável, de modo que, entre 1990 e 1995, cinco ministros ocuparam a pasta das Relações Exteriores[4], revelando a ausência de um projeto contínuo por parte do Itamaraty. Essa ausência de direção, no entanto, foi resultado também das dificuldades econômicas e políticas que o Brasil enfrentou na época, atormentado pela inflação descontrolada, por um lado, e pelas as acusações de corrupção do governo Fernando Collor de Mello – o que levou a sua cassação (1992), e a sucessão pelo seu vice, Itamar Franco (1992-1994), por outro. Passados esses primeiros anos da década de 1990, os governos Fernando Henrique Cardoso e Luis Inácio Lula da Silva, salvo as diferenças que lhes particularizam, desenham um novo sentido para a política externa brasileira, tanto do ponto de vista da continuidade e solidez impostas, como da credibilidade com a qual o país passou a ser visto internacionalmente.

O presidente Fernando Henrique Cardoso, eleito pelo Partido da Social Democracia (PSDB), teve como primeiro chanceler Luiz Felipe Lampreia[5] (1995-2000). Muitas são as críticas à Lampreia a frente do Ministério das Relações Exteriores, principalmente no sentido de que ele teria defendido um “alinhamento automático” do Brasil junto das principais potências, e que teria colaborado para uma política “entreguista”, numa alusão ao processo de privatizações, realizado pelo governo Cardoso[6]. Nesse momento histórico, no entanto, a globalização financeira comportou duas exigências dos países avançados sobre as economiasem desenvolvimento. A primeira foi o fluxo de capitais e a segunda a abertura do sistema financeiro, empresarial e dos mercados. Resultado disso foi a política de privatizações, consumada pelo governo FHC com vistas a sanear as contas das estatais e acumular dólares para amenizar a dívida externa. Junto dessas exigências, o governo tucano enfrentou relevantes crises financeiras que abalaram sua economia (México em 1994-1995, Ásia em 1997-1998, Rússia em 1998 e Argentina em 2001), as quais tiveram danoso impacto ao país e condicionaram em grande medida algumas decisões da presidência.

O modelo de inserção realizado pelo governo FHC produziu efeitos nocivos para as relações exteriores do Brasil, como também gerou importantes conquistas. Dentre os efeitos negativos estiveram a abertura sem contrapartida do mercado de consumo nacional, gerando déficit no comércio exterior, endividamento externo, alienação de ativos de empresas brasileiras, submissão a consensos e conselhos do centro do capitalismo, e o sacrifício das relações com os países emergentes em favor do primeiro mundo. Por outro lado, a abertura econômica resultou na modernização e no desenvolvimento industrial, possibilitando o aumento da competitividade global da economia brasileira. Além disso, o liberalismo provocou a diminuição do Estado e a ascensão da sociedade na distribuição de responsabilidades sobre o crescimento e o desenvolvimento econômico, bem como favoreceu uma ampliação da ação externa em relação à expansão das relações com outros países, especialmente no campo comercial[7].

Imediatamente após suas posses, Lula e seu chanceler, Celso Amorim, falaram de reinterpretar as premissas clássicas da política externa brasileira. Na visão petista, a inserção brasileira deveria estar adequada às demandas das novas coalizões sociais, voltadas para a percepção do papel de destaque a ser ocupado pelo Estado brasileiro no mundo e dos constrangimentos internacionais à inserção periférica dos países em desenvolvimento[8]. A maneira como o PT via as relações internacionais aparece logo na carta do partido após a vitória de Lula em 2002, em que o presidente recém-eleito escreve: “Estimularemos a ideia de uma globalização solidária e humanista, na qual os povos dos países pobres possam reverter essa estrutura internacional injusta e excludente”[9].

Essa nova linha de pensamento da política externa aparece já em 2003 na Conferência Mundial do Comércio (OMC), em Cancun (no México). Os países em desenvolvimento costumavam assistir as negociações, cabendo-lhes cumprir as regras estabelecidas. Desde Cancun, a proposta brasileira e dos seus aliados emergentes era a de que ou estes países se tornavam parte na confecção das regras, que se tornariam legítimas e justas, ou a produção destas seria paralisada. De modo a criar um contrapoder, estes países formaram o G-20[10] para defenderem seus interesses na conferência.

A crítica da nova diplomacia trazia consigo elementos de novas operações nas relações internacionais. É assim que o discurso da política externa de Lula é operado segundo a lógica do “multilateralismo da reciprocidade”[11], defendendo o livre comércio caracterizado pela reciprocidade entre as nações. Nesse sentido, disse o presidente Lula no Fórum Econômico Mundial, em Davos, a 26 de janeiro de 2003, revelando o tom da sua proposta: “Queremos o livre comércio, mas um livre comércio que se caracterize pela reciprocidade”[12]. A efetivação deste “multilateralismo da reciprocidade” tem aparecido no empenho brasileiro em formar coalizões ao Sul - em que a aproximação com a África é grande exemplo -, de modo a se buscar opções comerciais e de cooperação que representem uma alternativa frente a dependência em relação às potências do Norte. Outro exemplo é o estabelecimento do IBAS[13] (ou IBSA), também em 2003, iniciativa de Índia, Brasil e África do Sul visando uma coalizão Sul-Sul que envolve diversas esferas de cooperação entre estas nações.

3. A África nas políticas externas de FHC e Lula

A despeito do discurso diplomático de que o Brasil deve resgatar a integração com a África devido as proximidades históricas[14], o motivo mais realista e plausível para esta aproximação é a busca brasileira por apoio na campanha por um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Segundo discurso do governo brasileiro, é necessário reformar a ONU e seu Conselho de Segurança, que deverá contar com novos membros permanentes vindos da Ásia, África e América Latina. Em sua rota integracionista o país tem buscado, ainda, incentivar a cooperação sul-americana com a África e tem atuado no fortalecimento do diálogo político e da integração econômica, como aparece no acordo de comércio preferencial do MERCOSUL com a União Aduaneira da África Austral - SACU[15].

Dada a proximidade cultural e o diálogo político, algumas nações africanas oferecem também atraentes oportunidades de investimentos para o país, dentre elas a ampliação do mercado de etanol, seja para o consumo, seja para o auxílio técnico na sua produção. Com esse incentivo, o Brasil e esses países podem atuar juntos no desenvolvimento de um mercado mundial para essa importante commodity do ramo energético. Exemplo dessa cooperação, com apoio diplomático brasileiro, foi a inauguração em junho deste ano da primeira usina de etanol da África, no Sudão. O empreendimento pertence à Kenana Sugar Company, empresa que tem como acionistas os governos do país africano, do Kuwait e da Arábia Saudita, de bancos e outras entidades com sede em países árabes e no Japão. A usina, no entanto, foi construída pela brasileira Dedini Indústria de Base, com material produzido pela empresa no Brasil. O investimento realizado na compra de equipamentos e máquinas foi de 15 milhões de euros, segundo o secretário-geral da Câmara de Comércio Árabe Brasileira, Michel Alaby. Além disso, o secretário informa que existem hoje 10 projetos de construção de novas usinas de açúcar e álcool naquele continente, as quais possivelmente terão participação de empresas brasileiras em suas construções[16].

Fazendo um sintético levantamento histórico pós-redemocratização, com o governo Sarney podíamos verificar algum contato brasileiro com a África, mas a ascensão de Fernando Collor de Mello à presidência e a adoção do neoliberalismo como política econômica abriram uma fase de distanciamento em relação ao continente, o que se acirrou com a criação do MERCOSUL, em 1991. Afinal, para além de Estados Unidos e Europa, grande parte da atenção brasileira se deslocava, nesse momento, para a própria região sul-americana. Em 1993, Itamar Franco reativou a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS), que tem o objetivo do uso pacífico do hidroespaço atlântico pelos Estados ribeirinhos, que havia sido criada em 1986, mas estava desativada. Além disso, realizou o Encontro de Chanceleres de Países de Língua Portuguesa em Brasília e apoiou bilateralmente e multilateralmente - via ONU - o processo de paz e reconstrução de alguns países do continente[17].

Quanto ao governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), o lugar da África na política externa brasileira continuou modesto, tendo havido, no entanto, algumas iniciativas importantes. A partir de 1995 o exército brasileiro participou ativamente das missões de paz da ONU em Angola. Em1996, o presidente visitou Angola e África do Sul, firmando acordos em várias áreas e, em 1998, o presidente sul-africano Nelson Mandela visitou o Brasil, de maneira que a nova África do Sul[18], pós-apartheid, emergia como parceira importante da política brasileira. No mesmo sentido, a cooperação no campo das políticas públicas cresceu bastante entre o Brasil e o continente africano, o que aparece, por exemplo, na luta brasileira por quebrar os direitos de patente dos medicamentos contra a AIDS, epidemia que assola a África Austral[19].

O próprio presidente Fernando Henrique Cardoso chegou a dizer, à época em que estava no governo, que conhecia pouco a África e isso distanciava o Brasil de uma relação mais próxima com aquele continente:

“A nossa percepção da África é uma percepção quase imemorial dada a presença negra no Brasil. Não exatamente a África política, é a religião, é a escravidão, é a cor da nossa pele. (...) Outra coisa é a África de hoje. As informações sobre a África são muito escassas no Brasil. Faria apenas duas exceções: Angola, por causa de maiores interesses econômicos de brasileiros lá e pelo fato do MPLA ter sido apoiado pelo Brasil; e África do Sul, que é fato novo, que se deve também a presença extraordinária de Nelson Mandela. O restante da África é muito pouco falado, há muito pouca informação”[20].

Já com o governo Lula, percebemos uma considerável inflexão, de modo que o continente africano passou a ser encarado como uma das áreas de maior investimento internacional. Durante seu primeiro mandato, Lula realizou 4 viagens à África, visitando um total de 17 países em pouco mais de dois anos. Em novembro de 2003, esteveem São Tomée Príncipe, Angola, Moçambique, Namíbia e África do Sul. Em dezembro do mesmo ano foi ao Egito e Líbia. Em julho de 2004 visitou São Tomé e Príncipe, Gabão e Cabo Verde. Em abril de 2005, Camarões, Nigéria, Gana, Guiné-Bissau e Senegal. Em fevereiro de 2006 foi à Argélia, Benin, Botsuana e África do Sul (novamente).

Nos quatro primeiros anos do governo Lula, o Brasil abriu embaixadas desativadas no governo FHC e inaugurou novas representações diplomáticas e um consulado-geral, totalizando 13 novos postos. A presença brasileira na África saltou de 18 para 30 embaixadas ao longo do governo Lula, e dois consulados-gerais. Por outro lado, despertou-se o interesse de países africanos na abertura de postos diplomáticos no Brasil (Benin, Guiné-Conacri, Guiné Equatorial, Namíbia, Quênia, Sudão, Tanzânia, Zâmbia e Zimbábue), de modo que entre 2003 e 2006 o número de embaixadores africanos no país saltou de 16 para 25[21].

Seguindo essa linha, o Brasil desenvolveu com países africanos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP)[22] fortes programas de cooperação bilateral. Entre os mais significativos estão a abertura de centros de ensino técnico brasileiros no Timor Leste (que fica na Ásia) e em Angola, e a disposição de urnas eletrônicas para o pleito de Guiné-Bissau, que acabou adiado por conta do golpe militar ocorrido no país em 2009. Foi negociada, ainda, em Moçambique, a instalação de uma fábrica de medicamentos anti-retrovirais. Também em Moçambique, a Companhia Vale está presente desde 2004 em Moatize, norte do país, após ganhar concurso internacional para a realização de pesquisas, naquela que é considerada uma das maiores reservas carboníferas do mundo[23].

Em Angola, a interação política tem favorecido enormemente as relações comerciais e os investimentos brasileiros no país. O atual governo brasileiro ampliou as linhas de crédito junto ao Estado angolano, de modo a permitir a conclusão da hidroelétrica de Capanda, as exportações de automóveis e viaturas de polícia, além da contratação de novos projetos nas áreas de infra-estrutura, saneamento e agricultura[24]. Faz-se relevante mencionar, ainda, que as empresas brasileiras respondiam, em2007, a 10% do PIB angolano, conforme informação do embaixador brasileiro em Angola, Afonso José Sena Cardoso.

A Petrobras, por sua vez, já está presente em sete países do continente - Nigéria, Angola, Guiné Equatorial, Líbia, Tanzânia, Moçambique e Senegal -, trabalhando com empresas locais e estrangeiras na prospecção em águas profundas e no segmento de exploração e produção de petróleo. Por outro lado, existe a participação de empresa privada angolana na exploração de hidrocarbonetos em terras brasileiras. A Somoil (Sociedade Petrolífera Privada Angolana) venceu, em 2007, concurso internacional para participar na pesquisa, desenvolvimento e produção de petróleo e gás no Brasil. No contrato, ela deveria ficar com 50% da concessão do Bloco BT-REC-18, na Bacia do Recôncavo, na Bahia, tornando-se a primeira empresa petrolífera angolana a trilhar o caminho da internacionalização[25].

Ocorre, no entanto, um tipo de relação com o continente africano que tem servido de críticas ao governo Lula. Trata-se da forma como a diplomacia brasileira tem lidado com a questão do Sudão. Isso porque o Brasil, defensor dos Direitos Humanos e signatário do Tribunal Penal Internacional (TPI), se absteve de comentar o mandado de prisão emitido em março contra o presidente sudanês, Omar al Bashir, acusado de crimes de guerra e contra a humanidade em Darfur. Osilêncio sobre a ordem do TPI tem a ver com a resistência do Brasil em apoiar condenações contra o Sudão no Conselho de Direitos Humanos (CDH) da ONU, criado em 2006 em substituição à Comissão de Direitos Humanos. O argumento do Itamaraty é que as punições só isolam mais as ditaduras, e que, portanto, negociações seriam mais eficazes na resolução do conflito em Darfur do que sanções[26].

4. Considerações finais

Algumas razões explicam a diferença de foco da política externa brasileira em relação à África entre os dois períodos observados, ou seja, o porquê do governo atual ter maior aproximação em relação àquele continente que o governo anterior – e este foi o motivo pelo qual dediquei maior parte do tópico anterior ao período Lula. O governo Fernando Henrique Cardoso desenvolveu uma política externa condizente com uma lógica neoliberal, o que estava de acordo com a conjuntura externa da época em que governou, com as exigências do FMI e do Consenso de Washington. Por outro lado, o governo Lula teria uma política externa voltada para a plataforma ideológica do PT, ao mesmo tempo em que o mundo atual reitera a multipolaridade como regra de convivência. Assim, seu discurso confirma esta nova tendência internacional, ligada à defesa do multilateralismo, do desenvolvimento das coalizões ao Sul, de reformas institucionais, combate das assimetrias e maior voz aos países pobres e emergentes em torno das tomadas de decisão. Daí apareceria a justificativa para a aproximação da sua política externa com a África, além da inegável valorização das proximidades culturais.

A busca por alternativas comerciais também é uma marca que difere os dois períodos. Para além do MERCOSUL, o período FHC buscava maior identificação com a Europa e os Estados Unidos, enquanto o governo Lula não abriu mão desse tipo de integração, mas buscou maior contato com outras partes do planeta, dentre elas a África, como forma de diversificar sua agenda de cooperação. Nesse sentido, esse continente aparece como importante aproximação da política externa do governo Lula, o que marca uma destacada diferença entre a sua política exterior em relação ao seu antecessor.

Por fim, levanto a hipótese de ambição pelo poder global. A assunção do papel do Brasil como líder era visto, por FHC, como o resultado da gradual preeminência econômica do País. Este deveria, em princípio, ser circunscrito à região, tendo em vista a limitação dos recursos efetivamente disponíveis para a ação externa. Para o governo Lula, obter maior destaque internacional parece tratar-se de um dos grandes objetivos políticos, e não necessariamente limitando-se à região. Enquanto FHC modulava esse objetivo em função das percepções dos parceiros regionais, Lula parece acreditar que esse papel pode ser conquistado com o ativismo diplomático e as alianças estratégicas que estão sendo desenvolvidas com os parceiros em várias partes do mundo, dentre eles a África.

Notas e Referências:


[1] ZAKARIA, Fareed. The Post-American Word.New York: W.W. Norton & Company, 2008.

[2] “The rise of the rest” é traduzido como “a ascensão do resto”. No argumento de Zakaria o primeiro grande deslocamento de poder teria sido a ascensão do Ocidente, por volta do século XV, que resultou na formação da estrutura contemporânea, composta pelo desenvolvimento da ciência e da tecnologia, do comércio e do capitalismo, além de todas as grandes revoluções, dentre as quais a agrícola e a industrial. O segundo ocorreu no fim do século XIX com a ascensão dos Estados Unidos como grande potência ocidental, que a despeito dos momentos de crise, como a de 1929, permaneceu na ponta grande parte do século XX. Esse período, chamado de “Pax Americana”, em que a economia global se acelerou robustamente, seria a mola propulsora por trás do terceiro grande deslocamento de poder, atual.

[3] AMARAL, Sérgio. Uma política externa para o século XXI. In: DUPAS, Gilberto; LAFER, Celso; LINS DA SILVA, Eduardo (orgs.). A nova configuração mundial do poder. São Paulo: Paz e Terra, 2008.

[4] Nesse período os Ministros de Relações Exteriores foram: Roberto Costa de Abreu Sodré, que vinha desde 14/02/1986 a frente da pasta, ficando até 15/03/1990; Francisco Rezek, de 15/03/1990 a 13/04/1992; Celso Lafer, de 13/04/1992 a 02/10/1992; Fernando Henrique Cardoso, de 05/10/1992 a 20/05/1993; Luiz Felipe Lampreia (interino), de 20/05/1993 a 20/07/1993; e Celso Amorim, de 20/07/1993 a 01/01/1995.

[5] Luiz Felipe Lampreia é sociólogo e diplomata de carreira. Ficou na chefia do MRE de1995 a 2000. Ao sair, deu lugar no Ministério à Luiz Felipe de Seixas Corrêa, que ocupou o cargo interinamente durante janeiro de 2001, até passar a gestão para Celso Lafer, que controlou a pasta até o fim do governo FHC.

[6] O pensamento crítico em relação a esse período diplomático se manifestava nas críticas de Rubens Ricúpero, Luiz Felipe de Seixas Corrêa e outros embaixadores, além de ter aparecido de maneira incisiva por parte do diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais do Itamaraty da época, e hoje Secretário- Geral das Relações Exteriores, Samuel Pinheiro Guimarães.

[7] CERVO, Amado Luiz; BUENO, Clodoaldo. História da Política Exterior do Brasil. 3.ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2008.

[8] OLIVEIRA, Marcelo Fernandes de. Alianças e coalizões internacionais do governo Lula: o IBAS e o G-20. In: Revista Brasileira de Política Internacional. vol. 48, nº 2, p. 55-69, IBRI, Brasília, 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbpi/v48n2/a03v48n2.pdf>. Acesso em: 13 jul. 2009.

[9] COMPROMISSO COM A MUDANÇA. Documentos Histórico do PT, 2002. In: <http://www.pt.org.br/portalpt/images/stories/arquivos/compromissocomamudanca.pdf> Acesso em: 30 jun. 2006.

[10] O G-20 é um grupo de países em desenvolvimento criado em agosto de 2003, na fase final da preparação para a V Conferência Ministerial da OMC, realizada em Cancun. O grupo concentra sua atuação em agricultura, e tem uma vasta e equilibrada representação geográfica, sendo atualmente integrado por 23 membros - 5 da África, 6 da Ásia e 12 da América Latina. Após a falta de resultados concretos no encontro de Cancun, o G-20 dedicou-se a intensas consultas técnicas e políticas, visando injetar dinamismo nas negociações. Foram realizadas diversas reuniões ministeriais do grupo, além de freqüentes reuniões entre Chefes de Delegação e Altos Funcionários dos países. O grupo promoveu, ainda, reuniões técnicas com vistas a discutir propostas específicas no contexto das negociações sobre agricultura da OMC e a preparar documentos técnicos, em apoio à posição comum adotada pelo grupo. A legitimidade do G-20 está, sobretudo, na importância dos seus membros na produção e comércio agrícolas, representando quase 60% da população mundial, 70% da população rural em todo o mundo e 26% das exportações agrícolas mundiais. Estas informações estão disponíveis em: <www.g-20.mre.gov.br>. Acesso em: 08 jun. 2009.

[11] O conceito envolve dois pressupostos: a existência de regras para compor o ordenamento internacional sem as quais irá prevalecer a disparidade de poder em benefício das grandes potências, e a elaboração conjunta dessas regras a fim de garantir reciprocidade de efeitos para que não realizem interesses de uns em detrimento de outros.

[12] CERVO, Amado Luiz; BUENO, Clodoaldo. História da Política Exterior do Brasil. 3.ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2008. pg. 496.

[13] O IBAS surgiu como resultado das discussões entre os chefes de Estado dos países destes quatro países na reunião do G-8 ocorrida em Evian, 2003, e das conseqüentes consultas trilaterais entre os países. Em julho de 2006, em Brasília, os Ministros das Relações Exteriores dos respectivos países (Nkosazana Dlamini Zuma, da África do Sul, Celso Amorim, do Brasil e Yashwant Sinha, da Índia) lançaram o Fórum de Diálogo IBAS, formalizado o grupo a partir da  “Declaração de Brasília”.  Os objetivos principais do Fórum do Diálogo IBAS são: a) promover o diálogo Sul-Sul, a cooperação e posições comuns em assuntos de importância internacional; b) promover oportunidades de comércio e investimento entre as três regiões das quais os países fazem parte; c) promover a redução  internacional da pobreza e o desenvolvimento social; d) promover a troca de informação trilateral, melhores práticas internacionais, tecnologias e habilidades, assim como cumprimentar os respectivos esforços de sinergia coletiva;  e) promover a cooperação em diversas áreas, como agricultura, mudança do clima, cultura, defesa, educação, energia, saúde, sociedade de informação, ciência e tecnologia, desenvolvimento social, comércio e investimento, turismo e transporte. Estas referências estão disponíveis em: <www2.enap.gov.br/ibas>. Acesso em: 08 jun. 2009.

[14] A relação entre Brasil e África começa no século XVI com a escravidão negra. A implantação do trabalho escravocrata no Brasil contribuiu para um desenho bastante peculiar na estrutura social brasileira. Hoje, o país possui a segunda maior população negra do mundo, só estando atrás da Nigéria. Segundo o IPEA, em 2006 eram negros no Brasil 49,5% da população. Sabendo-se que em 2006 o Brasil tinha aproximadamente 187 milhões de habitantes, a população auto-declarada negra equivale a quase 93 milhões de brasileiros. Podemos mencionar ainda que, desde o fim dos anos 1980, tem crescido na África a penetração da televisão brasileira, em especial com as telenovelas, com as igrejas evangélicas e com o estabelecimento ilícito de redes de contrabando, tráfico de drogas, armas e lavagem de dinheiro. Aspectos culturais e de segurança, assim, se tornaram agendas comuns no relacionamento entre as duas margens do Atlântico Sul. Além disso, o Brasil também tem recebido refugiados e imigrantes do continente africano, provenientes de guerras em pontos críticos da região.

[15] O SACU é uma área de cooperação econômica do continente africano que envolve África do Sul, Botswana, Lesoto, Namíbia e Suazilândia. Contudo, a África do Sul responde por mais de 95% do PIB da SACU. Segundo Ministério das Relações Exteriores do Brasil, entre os 950 itens incluídos pela SACU no Acordo de Comércio Preferencial estão 150 itens do setor de alimentos (principalmente processados) e mais de 200 itens do setor de máquinas, aparelhos e materiais elétricos. Há, atualmente, conversas no sentido de iniciar-se a negociação de um acordo de livre comércio entre o MERCOSUL, a Índia e a SACU. Maiores informações estão disponíveis em: <www.mre.gov.br>. Acesso em: 08 ago. 2009.

[16] UDOP - UNIÃO DOS PRODUTORES DE BIOENERGIA. Disponível em: <http://www.udop.com.br/index.php?item=noticias&cod=1054142> Acesso em: 13 jul. 2009.

[17] CAMPOS, Diego Araújo. A África na política externa brasileira. In: Mundorama – Divulgação científica em Relações Internacionais, 2008. Disponível em: <http://mundorama.net/2008/04/08/a-africa-na-politica-externa-brasileira-por-diego-araujo-campos/> Acesso em: 01 jun. 2009.

[18] A África do Sul é um país com muitas riquezas naturais. Possui 40% das reservas mundiais de ouro, 25% das reservas de diamante, além da quase totalidade das de platina, manganês, cromo e vanádio. No início da década de 1980 o acirramento das sanções em represália ao regime de segregação racial dificultou as condições econômicas do país. Somente no início da década de 1990, com o fim do apartheid em 1992 e as eleições de Nelson Mandela para a presidência, a África do Sul vai retomando aos poucos os contatos estratégicos com outros países fora do continente.

[19] VISENTINI, Paulo G. Fagundes; PEREIRA, Analúcia Danielevicz. A política africana do governo Lula. In: Núcleo de Estratégia e Relações Internacionais/ UFRGS. Rio Grande do Sul, 2008. Disponível em: <http://www6.ufrgs.br/nerint/folder/artigos/artigo40.pdf>. Acesso em: 01 jun. 2009.

[20] CARDOSO, Fernando Henrique; Soares, Mario. O mundo em português: um diálogo. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1998, pg. 304.

[21] RIBEIRO, Cláudio Oliveira. Relações Político-Comerciais Brasil-África (1985-2006). Tese de doutorado apresentada ao Departamento de Ciência Política da USP, São Paulo, 2007b 

[22] A CPLP, criada em 1996, envolve uma população de 240 milhões de pessoas de vários continentes, sendo seus componentes: Brasil, Portugal, Timor Leste, Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Moçambique e Angola. Eles têm buscado cooperação nas áreas de segurança, negócios, saúde e educação.

[23] @ VERDADE. Disponível em: <http://www.verdade.co.mz/index.php?view=article&id=1405%3Avale-do-rio-doce-lanca-projecto-de-carvao-de-moatize&option=com_content&Itemid=61>. Acesso em: 13 jul. 2009.

[24] RIBEIRO, Cláudio Oliveira. Política africana do governo Lula: um ponto de inflexão (e reflexão). In: Meridiano 47 – Boletim de Análise de Conjuntura em Relações Internacionais, 2007a. Disponível em: <http://meridiano47.info/2007/06/30/politica-africana-do-governo-lula-um-ponto-de-inflexao-e-reflexao/>. Acesso em: 01 jun. 2009.

[25] REVISTA O PETRÓLEO/ ANGOLA. Disponível em: <http://www.revistaopetroleo.net/ed01/emfoco01.htm>. Acesso em: 13 jul. 2009.

[26] CONECTAS. Disponível em: <http://www.conectas.org/arquivospublicados/clipping/2009/folha15.03.09.pdf>. Acesso em: 30 ago. 2009.