MOVIMENTO NEGRO
Por Alan Pereira da Silva | 02/07/2009 | SociedadeRESUMO
Levando em consideração as peculiaridades que encenam as lutas do negro, é preciso reconhecer as identidades e as novas possibilidades de exercício de direitos e de cidadania plena. Romper com a impossibilidade de reconhecer a importância da contribuição da memória e da resistência afro na sociedade. É preciso que os gestores públicos e a sociedade civil assumam a importância da transmissão desses valores culturais, da formação e da troca de saberes civilizatórios, resgatando a organização coletiva do povo negro por meio do Movimento Negro e das ações efetivas de preservação e valorização de espaços de tradição de matriz africana como os Quilombos e templos religiosos. Entender que nesses espaços se pratica a resistência, uma luta contra a intolerância, contra o racismo, por meio da preservação da identidade e das manifestações culturais que precisam ser protegidas. Ainda se convive com a precarização desses espaços, que resistem a todas as intempéries, a uma sociedade e um Estado que não respeita a pluralidade e a diversidade de sua formação. Uma sociedade que convive com intolerâncias e preconceitos dos que não conseguem conviver com espelhos que refletem muitas verdades sendo que nenhuma delas é uma verdade absoluta. Palavras chave: Quilombos, Movimento Negro, resistência.
1INTRODUÇÃO
A pesquisa científica necessita, para ser exeqüível, delimitar a amplitude de seu objeto de estudo. Toda pesquisa opera em recortes sobre uma determinada realidade, uma vez que é impossível contemplar, por meio de uma só pesquisa, a totalidade dos fenômenos naturais ou sociais. Um dos meios da elaboração dessa pesquisa é fazer um recorte temático, que através de um funilamento do tema tão abrangente como "Movimento Negro", tentará chegar a esse objeto de pesquisa. A partir desse procedimento metodológico se chegará às problemáticas do objeto estudado: Movimento Negro – Expressão de resistência Quilombolas, rituais/ religiões afro brasileiros.
Após um breve estudo sobre pesquisas científicas, adotou-se a pesquisa bibliográfica como uma das metodologias. A observação participante foi o método usado para coletar dados imprescindíveis para realização e desempenho dessa pesquisa. Essa metodologia consiste em uma participação real do conhecimento na vida das comunidades quilombolas, em específico da Comunidade Quilombola Manzo Ngunzo Kaiango em Belo Horizonte - MG, sem perder o olhar crítico e científico.
As entrevistas apoiaram-se nas condições sociais e culturais do Movimento Negro, facilitando assim o diálogo, o entendimento entre as partes, alcançando uma aproximação com as comunidades pesquisadas como a FCRCN-MG - Fundação Centro de Referência da Cultura Negra e o CENARAB – Centro Nacional de Referência Afrodescendente).
No primeiro aborda-se a história do Movimento Negro, suas origens, seus percussores, as demandas que proporcionaram seu surgimento. Em seguida se tentará criar um esboço teórico sobre a identidade negra. O terceiro tópico consiste em reunir a religiosidade do negro a sua cultura, língua, cultos.Esses tópicos anteriores darão base para se entender à formação das comunidades Quilombolas que será relatada no quarto item e por último será tratada uma discussão de Quilombos e religião como expressão de resistência negra a exclusão social nos dias atuais.
A natureza desse trabalho além de seu cunho interdisciplinar é também proporcionar uma releitura sobre os negros desde suas angústias, preconceitos sofridos até suas conquistas e demandas atuais, através de órgãos filiados ao Movimento Negro, ou por suas lutas isoladas, autodidatas.
2DESENVOLVIMENTO
2.1História do Movimento Negro no Brasil.
Representantes de movimentos com propósitos revolucionários alegam que a ideologia de grupos de uma sociedade comum, representa movimentos sociais.
Movimentos sociais são movimentos populares de representação de um grupo de interesses cuja ação social é orientada, o que descaracteriza como espontâneo, a fim de obter transformações políticas e econômicas em um novo cenário de transformações naturais, e sociais, levando em consideração a metodologia adotada, sua organização, seu contexto geográfico, seus representantes, ideologia, políticas, vitórias, derrotas, estrutura e experiência para se consolidar como representativo dentro de uma sociedade. (BRAGA, 1999.).
Podemos considerar que as primeiras formas de resistência dos negros a escravidão ainda nos navios que os traziam de sua terra natal, a África, sejam as primeiras expressões do Movimento Negro no Brasil. As lutas para manterem vivas suas tradições e pela resistência ao trabalho escravo traçam um importante momento histórico desse Movimento, que ao longo de sua formação assistiram várias batalhas para a inserção desses grupos dentro da sociedade.
No final do século XIX, segundo a historiadora ALBERTI, Verena, "já circulavam vários jornais voltados para a população negra com o objetivo de denunciar a descriminação racial. Dessa iniciativa surgiram alguns fundadores da chamada "Frente Negra Brasileira" em 1931, que chegou a se transformar em partido político em 1936".
(ALBERTI, 2008).
Ainda segundo a autora muitos dos documentos desse período mostram que não era rara a circulação de referências e informações de fora do Brasil, principalmente da África e dos Estados Unidos, que na década de 60 viviam o processo de libertação das colônias africanas e da mobilização pelos direitos civis. ALBERTI, ainda afirma que com a atuação desse movimento social na história do Brasil é possível registrar a formação de entidades que buscavam denunciar o racismo e organizar a comunidade negra. Dentre as várias entidades podemos citar o Grupo Palmares, criado em Porto Alegre em 1971; o Centro de Estudos e Arte Negra (Cecan), aberto em São Paulo em 1972; a Sociedade de Intercâmbio Brasil-África (Sinba), inaugurada no Rio de Janeiro em 1974, e o Bloco Afro Ilê Aiyê, fundado em Salvador também em 1974.
Em 07 de Julho de 1978, nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo houve uma manifestação contra o preconceito racial que mais tarde se tornaria o Movimento Negro Unificado (MNU), uma das entidades do Movimento Negro no Brasil, que tem o objetivo de denunciar, permanentemente, todo tipo de racismo e organizar a comunidade negra.
A repercussão nacional do ato público nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo, em 1978, possibilitou a criação de muitas organizações em diferentes estados do país e acabou sendo responsável pela difusão da noção de "movimento negro" como designação genérica para as diversas entidades e ações a partir daquele momento bastante evidente do trabalho de disputa pela memória nacional, que culminou com a inscrição do nome de Zumbi no livro dos heróis da pátria, em 20 de novembro de1996. (ALBERTI, 2008).
A motivação desse ato público segundo a Historiadora foi o assassinato do jovem negro Robson Silveira da Luz, no distrito policial de Guaianazes - SP, para onde tinha sido levado preso, acusado de roubar frutas numa feira, e na discriminação sofrida por quatro meninos negros impedidos de treinar vôlei no Time Infantil de Regatas do Clube Tietê. A segunda assembléia nacional do MNU, realizada em Salvador em novembro de 1978, declarou a data de 20 de novembro, dia da morte de Zumbi dos Palmares como o "Dia Nacional da Consciência Negra.".
Em 1988 comemorava-se o centenário da Abolição no Brasil, uma série de manifestações denunciava as condições dos negros no país. Aprovava-se uma nova constituição, e duas importantes reivindicações do MNU viraram textos constitucionais – a criminalização do racismo (Art. 5º) e o reconhecimento da propriedade das terras de remanescentes de quilombos (Art. 68º) do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). Com o governo Fernando Henrique Cardoso, foi criado um Grupo de Trabalho Interministerial para a Valorização da População Negra, dando a partida nas primeiras iniciativas de ação afirmativa na administração pública federal. Em 2001 foi realizada a III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, na cidade de Dobam - África do Sul, que mobilizou o governo e as entidades do Movimento Negro e resultou em novos acontecimentos, como a reserva de vagas para negros em algumas universidades do país e novos compromissos assumidos pelo Estado em âmbito internacional. (FCRCN-MG - Fundação Centro de Referência da Cultura Negra).
Atualmente no Brasil há uma maior abertura para se discutir os problemas da sociedade negra, como as conferências contra a intolerância racial. Esse movimento se organiza em associações, grupos de apoio, fundações etc. com os objetivos de buscar a efetivação dos direitos a igualdade, promover a equidade entre a sociedade, através de ações afirmativas e políticas de integração social. Mas as velhas demandas continuam sendo lutas constantes do genérico Movimento Negro, como a luta pelo fim do racismo e exclusão da sociedade negra no mercado de trabalho e do conjunto de direitos que constituem dignamente um cidadão ativo no meio em que vive.
2.2Identidade negra; Um passado vivo.
Os idealizadores do conceito de etnia poderiam definir os novos componentes e conteúdos desses conceitos a partir de um novo cenário, a globalização, para evitar uma discussão racial, sem discutir identidade.
Sem dúvida etnia não é uma entidade estática. Ela tem uma história, isto é uma origem e uma evolução no tempo e no espaço. Visto deste ângulo, não seria errado falar de novas etnias ou etnias contemporâneas à condição de que os que usam esses conceitos tomem o cuidado de defini-los primeiramente para evitar confusões com outros conceitos. (MUNANGA, 2002).
Ainda segundo o autor identidade cultural se constrói com base na tomada de consciência das diferenças provindo das particularidades históricas, culturais, religiosas, sociais, regionais etc. se delineiam assim no Brasil diversos processos de identidade cultural, revelando certo pluralismo tanto entre negros, brancos etc. todos tomados como sujeitos históricos e culturais e não como sujeitos biológicos ou raciais. Desta forma MUNANGA destaca é que"a questão é saber se todos têm a consciência do conteúdo político dessas expressões e evitam cair no biologismo, pensando que os negros produzem cultura e identidade negra". (MUNANGA, 2002.).
Portanto, construir um estereótipo da identidade negra seria colocar em discussão o conceito de raça e cor. O mais próximo desse conceito talvez fosse criar um estereótipo cultural sem deixar de enfatizar a globalização dessa cultura. Hoje percebemos uma miscigenação dentro dessa cultura que estava resguardada ao negro, homens brancos dentro de cultos de origens africanas, dentro do Rap do Hip Hop, militantes do Movimento Negro, pessoas que lutam contra a exclusão desse grupo, lutando por causas que inicialmente somente os negros lutavam.
Nesse contexto percebe-se a importância de um profissional como o assistente social trabalhando junto ao Movimento Negro e as instituições ligadas ao mesmo. Tal importância é percebida também pelos representantes do Movimento no momento das entrevistas, pos ressaltam a necessidade do profissional de serviço social na formação e orientação da identidade do negro. Entretanto se esbarram na questão financeira para contratação de um Assistente Social, conforme entrevista. (Anexos 04, 05, 08, 09).
A identidade do negro precisa ser melhor direcionada, no conceito da miscigenação tanto étnica quanto cultural. Com o objetivo de buscar o resgate da identidade do negro o Governo federal atendeu a uma demanda do Movimento Negro, adotando a lei 10.639/03, que insere no currículo escolar a História da África. Essa vitória significa para o Movimento um resgate da cultura negra, que tende a informar a população a verdadeira origem do seu povo, quebrando a imagem de que o negro descende apenas de escravos, buscando a identidade de seus antecedentes, das construções das pirâmides do Egito ás lutas por ações afirmativas. Significa também para a sociedade que o negro tem uma história de lutas, e também de construção do mundo visando, através da iniciativa dessa lei, diminuir o espaço e o preconceito racial. Mas segundo o Movimento, não basta implementar a lei, é preciso efetivá-la, no intuito de mostrar ao negro e a sociedade sua identidade.
A partir dessa nova demanda da efetivação da lei 10.639/03, surgem propostas como a confecção de material didático que complemente o conteúdo curricular previsto por ela. Realizar seminários com os professores para discutir a lei da implementação, financiar cursos, oficinas, palestras periódicas sobre cultura, literatura e história da África dos negros no Brasil, e realizar a Mostra de Literatura Afro-brasileira, objetivando a erradicação do racismo dentro das escolas.
O MNU acredita que com a distribuição de material informativo para a toda a comunidade escolar, informando-a o que são crimes raciais e os procedimentos a serem tomados em casos de ocorrências, capacitando multiplicadores que sejam referência sobre questões raciais e através da história mostrar a importância e a real identidade do negro na construção desse país, consiga-se trazer uma consciência de igualdade racial diminuindo assim a distância tão considerável adquirida durante anos de história engavetadas e esquecidas pela discriminação racial.
2.3Candomblé e tradição.
Os primeiros africanos a chegarem ao Brasil foram os negros de origem Bantu por volta de 1560 trazidos da África do Sul-Equatorial, em sua grande maioria vinda de Angola, Congo, Costa do Golfo de Guiné, Moçambique e Zimbábue. Falavam a mesma língua, o Kimbundu (originária do povo de Angola) e o Kinkongo, (originária do povo de Congo) mais usados em tradições e templos religiosos de origem Bantu, mas traziam com eles mais de 270 dialetos, representando dois terços de toda a África Negra. (Orixás. 2006, p.21)
Desde a captura dos negros em sua terra natal os negros já eram submetidos a condições sub humanas, dentro dos navios, tratados como animais. Ao chegarem ao Brasil principalmente no nordeste e na Bahia onde houve uma maior concentração de negros Bantus, foram condicionados a trabalhar a base de chibatadas de grilhões e não havia tempo para praticar suas crenças somente o trabalho escravo. Eram obrigados a adorar os "santos" católicos dos seus senhores deixando de lado sob ameaças a suas próprias tradições. (ORIXÀS. 2006, p. 21.)
Dois séculos depois dos negros Bantus chegaram os negros Nagôs originários principalmente da Nigéria, falando seu idioma oficial, o Ioruba, e com suas tradições próprias e diferentes dos negros Bantus. As tradições dos negros Nagôs sobressaíram às tradições do povo Bantu, pois os negros vindo de Angola já se encontravam em sua terceira geração no Brasil e já se encontravam "desafricanizados" por seus senhores e muitos que aqui nasceram já se consideravam católicos ficando no esquecimento suas tradições e religião.Já os Nagôs conseguiram uma situação mais favorável a eles, mantendo suas tradições e cultos mais puros e fortes.
No final do século XIX e início do século XX foram fundadas em Salvador-BA as primeiras casas do Brasil de culto religioso afrodescendente tanto de tradição Nagô/Ketu como de Bantu (Angola/Kongo), chamadas de Roças por se tratarem de locais tipicamente precários e com um cotidiano muito próximo a de uma roça em seu conceito literário.
Em resumo, as tradições religiosas afrodescendentes crêem na força da natureza, com seus deuses próprios, cada um ligado a seu elemento natural como a deusa da água Ndangualunda nas tradições Bantu e Oxum nas tradições de Nagô, ou Kaviungo e Obaluaiê deus da terra cada um respectivo a sua tribo ou nação com suas devidas divergências.
O mais importante a ressaltar dentro desses cultos é a força com que essas comunidades lutam para manter as tradições dos seus antepassados, desde as lutas pacíficas ou não com as sociedades civil, cristã, e o Estado, até as necessidades de se manterem vivas e puras a memória e a sociedade negra dentro dos cultos religiosos, por meio de um resgate literário escasso e conhecimentos que vêem sendo passados dos mais velhos.
Dessa forma, o Candomblé busca ser uma das expressões de resistência contra o preconceito e a desigualdade, levando para a toda a sociedade um espaço que mantém viva uma das tradições mais fortes do negro no Brasil, a religião. Baseado no resgate dessas tradições, os praticantes do culto, acreditam no resgate da identidade do negro, tentando buscar força no reconhecimento da cultura para junto do MNU combaterem através dos órgãos responsáveis o racismo, a intolerância e preconceitos fundados no julgamento sem o devido conhecimento.
2.4História e conceito do Movimento Quilombola.
A "história oficial" relata o extermínio de importantes quilombos no cenário brasileiro, como Palmares, comandado por Zumbi, um dos maiores ícones para o movimento negro brasileiro. A partir da experiência de Palmares, o conceito de quilombo passaria a ser o de uma reunião de escravos refugiados num determinado território e que lutavam contra a intolerância e a supremacia do branco, que mesmo após a Lei Áurea escravizava o negro. Estudiosos afirmam que sua população chegou ao patamar de 20 mil habitantes. É necessário ressaltar que muitos quilombos nasceram mesmo após a promulgação da Abolição, pois a Lei não diminuiu a exclusão da comunidade negra na sociedade e os quilombos continuaram sendo uma estratégia de organização alternativa para sobreviverem.
O Quilombo de Palmares surge como forma de resistência à escravidão no Século XVI, em meio a guerra do açúcar com os holandeses que afrouxaram a vigilância permitindo assim as fugas. Segundo a Antropóloga PERUTTI, era uma área afastada do litoral, com terras férteis onde se predominava palmeiras delimitadas por alta cerca de pau-a-pique. Os negros viviam das culturas do milho, mandioca e bananeiras. Abrigou por quase um século o anseio de liberdade dos negros sob o comando de Ganga Zumba (Rei da Guerra) com sua morte seu substituto foi Zumbi, o Rei do Palmares. Mais do que um herói, Zumbi é um símbolo da resistência que nunca deixou de sonhar e luta pela liberdade. "Os quilombos eram organizações de resistência e luta contra uma sociedade escravocrata. Por isto, traziam em suaproposta umaorganização social mais justa". (PERUTTI, Daniela Carolina).
As origens dos quilombos são diversas, criados em fazendas falidas, em terras doadas por ex-escravos. Algumas terras foram compradas pelos escravos alforriados. Outros ganharam áreas como reconhecimento da prestação de serviços de escravos em guerras (Balaiada, Paraguai). Houve ainda algumas que eram terras de ordens religiosas deixadas à ex-escravos no início da segundametade do séculoXVIII.
A Constituição brasileira de 1988 garantiu o direito à terra dos quilombolas, em seu Art 68º do ADCT, no qual se diz que: "Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida à propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os respectivos títulos." (Brasil, 1988). No texto constitucional, utiliza-se o termo "remanescente de quilombo", comunidades que buscam através da resistência manter modos de vida característicos num determinado lugar, por meio das manifestações religiosas, elementos lingüísticos etc. lutarem pelas tradições e pela inserção através de uma organização política mais justa.
Os movimentos de resistência negra, sobretudo quilombos, permite-nos resgatar as experiências de enfrentamento à opressão e a exclusão social impostas ao afrodescendente após a Abolição em 1888. Hoje podem ser reconhecidas como quilombolas as comunidades portadoras de uma tradição de resistência da população negra. Embora a herança desses quilombos seja tida como reduto rural, é possível encontrar nos grandes centros as comunidades quilombolas urbanas, como a "Comunidade Quilombola Manzo Ngunzo Kaiango" em Belo Horizonte - MG conforme observamos em pesquisa de campo. (Anexos 20, 21, 22).
No Brasil existem comunidades remanescentes de quilombos por todo o país. Constituindo cerca de 2 milhões de pessoas. No total, 743 formas identificadas, mas só 29 foram tituladas oficialmente pelo governo. Isso lhes assegura o direito à preservação dos valores culturais e de suas terras. (Anexo 14).
2.5Quilombos e Candomblé: Expressões de resistência negra à exclusão social.
O Serviço Social no Brasil surge a partir da ação social católica na necessidade de se organizar o cenário crescente do capitalismo e da industrialização acelerada, propiciando a profissionalização da categoria, na década de 30. Essa ação católica agia de forma assistencialista de não prevenir as mazelas e nem promover a emancipação da sociedade.
Contudo, nesse período o Serviço Social não teve participação nas demandas do MNU, que lutavam para se organizarem sem enfrentamento direto, por meio de projetos e lutas por melhor educação. No contexto econômico, após a abolição em 1888, os negros continuavam sendo explorados por venderem uma mão de obra mais barata para suprir suas necessidades básicas. A questão social no Brasil surge exatamente nesse contexto de trabalho remunerado, do qual se forma um mercado em moldes capitalista.
A questão social, seu aparecimento, diz respeito diretamente a generalização do trabalho livre em uma sociedade em que a escravidão marca profundamente seu passado recente. Trabalho livre que se generaliza em circunstâncias históricas na qual a separação entre homens e meios de produção se da em grande medida foras dos limites da formação econômico-social brasileira(...) (IAMAMOTO, 1982. p.125).
Dessa forma o negro vem sendo prejudicado, desde o período em que o capitalismo se instalou, por não ter aceitação da sua mão de obra remunerada, por falta de conhecimento e preparo sócio-econômico, onde não tem o reconhecimento da sociedade como cidadão livre por ter um passado de escravidão e exclusão.
A partir de todo esse trajeto, os quilombos e candomblés auxiliados por várias instituições que compõem o Movimento Negro tentam se manter como forma de resistência a exclusão social, por meio de manifestações culturais, do resgate das histórias dos seus antepassados, por lutas contra a intolerância, buscando se afirmarem não como comunidades isoladas, mas estruturadas e participantes da construção histórica do Brasil.
As lutas contra essa intolerância devem ser encaradas como uma nova demanda do MNU, estando inteiramente ligada à luta pela erradicação do racismo, que aparece como objetivo principal do Movimento em toda sua história. Para isso o Movimento Negro leva para Conferência Federal de Igualdade Racial propostas como a titulação de quilombos de várias comunidades distribuídas por todo o país, e o livre direito ao culto e prática religiosa, buscando a preservação desses espaços, como sendo toda e qualquer ação que vise conservar a memória de fatos ou de valores culturais e religiosos, sejam de natureza material ou imaterial, reconhecendo nelas novas possibilidades de exercício de direitos e de uma cidadania plena.
No âmbito da discussão da intersetoriariedade de todas as áreas que compõe o Estado de Bem Estar Social com a universalização dos direitos, o negro cada vez mais é excluído por meio da valorização individual do Neoliberalismo. Com a mínima intervenção do Estado em assegurar direitos iguais a todos, torna-se claro que os menos favorecidos desde o processo de colonização do país, precisam de uma assistência, amparar, assistir com organização por meio de projetos com direitos e base institucional, comprometida com a emancipação sócio-econômica desse grupo. Dessa forma nas pesquisas que auxiliaram esse trabalho não se percebe de forma comprometedora a assistência no desenvolvimento dessa cidadania. O que se percebe dentro dos quilombos e candomblés é um trabalho social assistencialista, relacionada a uma relação de domínio sem a prevenção e emancipação desse grupo, faltando auxílio de profissionais capacitados ou recursos que auxiliam a execução de políticas comprometidas com as assistências de forma a incluí-los no convívio da sociedade assistida. Assim a questão social dentro do movimento é desenvolvida de acordo com a necessidade. Partindo do pressuposto que a pobreza, a segurança pública, a saúde, a habitação e as diversas mazelas que compõe o conceito de questão social devem ser avaliadas e cumpridas em conjunto para que se obtenha uma ação social mais igualitária, o MNU acredita que dentro dessas comunidades são combatidas em caráter emergencial e separadamente e não com políticas públicas objetivas e voltadas para a inclusão social. Dessa forma um dos desafios para a execução dos objetivos do Movimento seja talvez redirecionar o olhar da sociedade civil e do Estado para a questão social dessas comunidades, que em sua maioria estão em um índice de pobreza muito inferior ao da subsistência.
O que faz das comunidades quilombolas e dos candomblés uma expressão de resistências ligadas ao Movimento Negro são as lutas para manterem vivas as tradições que ali se manifestam. Por acreditarem que por meio de uma cultura viva e ativa conseguirão levar para a sociedade a importância dessas tradições, conscientizando toda a sociedade da importância de uma reparação pelos anos de intolerância e desigualdades sofridos pelos negros. Segundo o Movimento Negro essa reparação seria efetivada através das ações afirmativas como as cotas universitárias para negros dentre outras políticas. Essa idéia gera uma grande polêmica por acreditar que se reviva uma discussão étnica em um país de uma população mestiça.
Contudo identidade étnica não se reduz a elementos materiais ou traços biológicos distintivos, como a cor da pele, por exemplo, ela é a base para a forma de organização dos grupos sociais, é a soma de múltiplos fatores que podem ser uma ancestralidade comum, formas de organização políticas e elementos linguísticos e religiosos compartilhados. (MUNANGA, 2002).
A história dos candomblés e dos quilombos, a busca por uma identidade cultural e sua preservação, relata um conjunto de manifestações, valores e símbolos da memória da tradição de matriz africana no Brasil que precisam ser afirmados. O Movimento Negro tem caminhado e apostado no rompimento dessas barreiras, e acredita que somente com diálogos estabelecidos, boa vontade e disposição política se rompem barreiras sócio-econômicas como desigualdade no mercado de trabalho, preconceitos e descriminação.
3CONSIDERAÇÕES FINAIS.
A interação com os quilombos e candomblés no desenvolvimento desse trabalho, nos permitiu redirecionar o olhar para a questão social dessas comunidades. Um olhar onde se percebe a necessidade de se aplicar políticas públicas que resguardem o conjunto de direitos que compõe a cidadania. Não buscamos aqui discutir definições de cidadania, mas entender os valores que constituem esse conceito, e torna-se claro que são direitos atribuídos, mas não adquiridos por todos.
Na construção sócio-histórica do Brasil percebemos que a sociedade negra ainda esbarra na falta de conhecimento, estando alinhada apenas em relatos dos seus antepassados ou nas bibliografias que nos contam o passado escravizado de seu povo. Essas informações parecem limitadas apenas aos sofrimentos e não ganha a devida importância na formação da sociedade brasileira. Com isso a identidade se perde na linha do tempo ou na vergonha de serem considerados apenas construtores de uma história de heróis excluídos.
Dessa forma por mais que as todas as privações relativas se façam presente na questão social dessas comunidades, o que nos chama mais atenção são as privações relativas à subjetividade, "definida em função do contexto social em que se vive, a partir da consideração do padrão de vida e da maneira como as diferentes necessidades são supridas em uma dada realidade socioeconômica..." (CODES, 2008.p 16). Os negros dessas comunidades são privados aos meios da sociedade em que vive, e por isso lutam por manterem vivas suas tradições e até seu modo de produção, buscando tirar das suas terras seu sustento, por se sentirem excluídos e descriminados nas demais tradições que compões toda a sociedade brasileira.
A luta pela efetivação da lei 10.639/03, busca justamente informar à sociedade que esses meios em que os negros são privados foram construídos com sua força, história e mãos, e que o conhecimento e a preservação das tradições afrodescendentes representam o conhecimento e a preservação da história desse país. Através dessa lei o MNU acredita que o governo tenta diminuir a vertente racial da questão social na comunidade negra, que para esses grupos é a grande questão que impulsiona as demais mazelas da questão social existente dentre eles.
Talvez mostrando qual a verdadeira construção de identidade desses povos, positiva ou negativa possam se chegar às bases que abrigam os processos excludentes da comunidade negra na sociedade brasileira.
REFERÊNCIAS
ALBERTTI, Verena. Pesquisando o movimento negro no Brasil. São Paulo: 2008. Disponível em: http://maniadehistoria.wordpress.com/pesquisando-o-movimento-negro-no-brasil/
Acesso em: 18 Mar 2009, 15h30min
CODES, Ana Luíza Machade de. A trajetória do pensamento científico sobre pobreza: Em direção a uma visão complexa. Tese de doutorado. Brasília: UFBA, 2008.
BRAGA, Ubiracy de Souza. Uma explicação metodológica sobre movimentos sociais. Ideação N° 4. Feira de Santana: 1999.
CARRIL, L. Terras de Negros. Herança de quilombos. São Paulo: Scipione, 1997.
GONH, Maria da Glória. História dos movimentos e lutas sociais. A construção da cidadania dos brasileiros. São Paulo: Loyola, 2001.
IAMAMOTO, Marilda e CARVALHO, Raul de. Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: Esboço de uma interpretação histórico-metodológico. São Paulo: Cortez, 1982.
MUNANGA, Kabengele. A identidade negra no contexto da globalização. IN: Ethnos Brasil, Ano I, N° I. São Paulo: UNESP, 2002.
OLIVEIRA, Janete Regina e MENEZES, Maria Edna. Movimentos de resistência negra no Brasil: Afro-descendentes e as relações de trabalho no Brasil: Enfoque Geográfico. Centro Universitário Fundação Monsenhor Messias
ORIXÀS. Revista Orixás. Ano I, N° II, São Paulo: Minuano, [s/d].
PAZ, Maura Rosa de Paulo. Revisitando a história e a construção da identidade nos quilombos - subsídios para uma educação libertária do afrodescendente. São Paulo: PUC- São Paulo, [s/d].
PERUTTI, Daniela Carolina. Quem são os Quilombolas. São Paulo, [s/d].
Disponível em: http://pessoas.hsw.uol.com.br/quilombolas2.htm
Acesso em: 11 Abr 2009, 14h50min
República Federativa do Brasil. Constituição de 1988. Edição Atualizada em 1999. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 1999.
Centro Universitário UNA
Rua Aimorés, N° 1451 – Lourdes – Belo Horizonte – MG – CEP 30140-071.
Telefone: (31) 3235-7300
Alan Pereira da Silva
Geralda Aparecida Roques
Keliane Ribeiro da Silva
Maria José Ferreira Souza Campos
Marina Aparecida Siqueira de Oliveira
Mariza Muniz Guilherme
Narúbia Dutra Gomes
Serviço Social
1° Módulo – Movimentos Sociais
Movimento Negro
Coordenadora de Curso: Professora Kênia Augusta Figueiredo
Orientadora: Professora Simone Gomes da Silva
Belo Horizonte
2009.