MOVIMENTO DA ANTIPSICOCRACIA

Por Jacob Bettoni | 23/06/2009 | Direito

Pela abolição dos psicotécnicos

Jacob Bettoni

Os psicotécnicos para motorista começaram a ser aplicados, no Brasil, em 1966, depois de ampla propaganda argumentando que países desenvolvidos diminuíram os acidentes ao adotá-los. A verdade, porém, é que nesses países os acidentes baixaram com treinamento, educação, manutenção, sinalização viária, veículos melhores, motoristas sem sobrecarga de horários. No lugar da psicotécnica, ergonomia.

Testes que utilizam desenhos não são coisa moderna, mas superstições medievais sobreviventes na nossa cultura. Antes da descoberta do Brasil, o "Manual de Caça às Bruxas" lançou a crença de que esses testes evitavam desde secas até chuvas de granizo. As pessoas reprovadas eram consideradas bruxas e queimadas vivas. Para Szasz: "a semelhança fundamental entre os psicodiagnósticos da bruxaria e os de hoje é que nos dois existe burla contra a vítima e mentira ao público".

Em ciência, uma teoria só é válida se confirmada e falsa se for refutada empiricamente. Os números do Contran falam por si. Os testes não reduziram a escalada de aumento de acidentes. A proporção tem sido sempre superior ao aumento do número de veículos.

A questão foi levada tão a sério, nos EUA, que o chamado Relatório Rosenham invalidou os psicotécnicos porque "conduzem a erros em massa e não podem merecer confiança". Os dados e argumentos refutam cientificamente a hipótese de que psicotécnicos diminuem acidentes. Esses baseiam-se nas ultrapassadas teorias da projeção, repressão e utópicas categorias metafísicas, que já fizeram milhares de vítimas. Aplicados a Jesus Cristo, esses testes o classificariam como psicótico. Se um medicamento é proibido pela mera suspeita de efeitos colaterais indesejáveis, como é que psicotécnicos compulsórios ainda não foram proibidos? Eles não são apenas ineficazes; provocam dolorosos sofrimentos e injustiças.

Milhares de mártires do psicotécnico não devem aceitar passivamente o confisco do seu direito de guiar, não por terem infringido normas de trânsito, mas por terem desenhado mal. Em 1978, em Itajaí, a maioria dos taxistas foi reprovada no psicotécnico. O estado de Santa Catarina, pioneiramente, suprimiu o teste, na renovação da carteira. Meses depois, o Contran estendeu a medida a todos os brasileiros.

Apesar do veto lúcido da presidência da República, o novo Código de Trânsito manteve o teste, na primeira vez em que se tira a carteira. A grana falou mais alto: o "lobby" da indústria da policia do pensamento restabeleceu a medida. Mesmo assim, os acidentes continuaram em índices altos, confirmando a inexistência de relação causal entre acidente e teste.

Em dezembro de 2001, o "lobby" atacou de novo e conseguiu transformar um projeto, apresentado no Congresso Nacional, na Lei 10.350, determinando a realização do psicotécnico, também, na renovação da carteira.

Psicotécnico compulsório não é assunto de trânsito é tema de direitos humanos. Não é tarefa para psicólogo, é missão para jurista proteger direitos seqüestrados das vítimas ressarcindo os danos. Depois da antipsiquiatria, da microfísica do poder, dos direitos difusos, não podemos lavar as mãos dizendo que o psicodiagnóstico é um laudo. Não é laudo, muito menos científico: é "veredictum" de poder ilegítimo já delatado por Michel Foucault: a) decreta o que é permitido pensar, imaginar e expressar; b) usa regras tácitas procurando despistar o contraditório; c) define infrações para a expressão do pensamento; d) regulamenta autos de infração que podem ser lavrados por policiais do pensamento.

É na condição expropriadora da liberdade de pensamento que a psicocracia deve ser enfrentada. Como diz Fuller: "privar os seres humanos desta responsabilidade é supremo insulto, porque os reduz a um nível subumano".

O jurista Clínio Lira enquadra esses testes como lesivos aos artigos 1o, 6o, 12o e 23o da Declaração Universal dos Direitos do Homem e consubstancia a sua quádrupla inconstitucionalidade: a) promovem o crime de segregação mental; b) presumem antecipação de culpa já que o psicodiagnóstico desfavorável confisca o direito de guiar antes que o cidadão tenha infringido qualquer lei de trânsito; c) invertem o ônus da prova; d) afrontam a garantia constitucional do pensamento e sua livre expressão: Desenhos expressam pensamento. Psicodiagnóstico ousa proibir tacitamente maneiras de pensar.

Para Szasz, "é curioso como este método de difamação e assassínio do caráter tenha por tanto tempo escapado à detenção". Montmollin diz: " o psicoteste é anticientífico e ineficaz. A persistência doentia destas práticas medievais é uma ofensa à razão e à moral". Eysenck erradicou psicotestes para motoristas em vários países. Conclusão dele:" pessoas que sofreram acidentes e as que não sofreram não foram diferenciadas de modo algum pelos psicotestes. Bono, por sua vez, afirma: "alguns psicólogos acreditam que o psicotécnico é um anzol para pescar verdade"; e Fuller Torrey: "psicotécnicos não são mais científicos do que as técnicas usadas por feiticeiras. Thomaz Szasz conclui: "quem valoriza a liberdade não pode se satisfazer com menos que a abolição deste CRIME de degradação e segregação contra a humanidade".

Estou pensando na mão calejada de volante daquele intrépido motorista, trabalhador incansável: como ficará uma criatura dessas quando um psicotécnico confiscar-lhe o elementar direito de ganhar o próprio pão?

Jacob Bettoni é noergólogo, diretor do Centro de Pesquisa em Noergologia da Unibem e autor do livro "Revolução de Paradigma na Psicologia"

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