MOTIVOS QUE DIFICULTAM A INSERÇÃO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO MERCADO DE TRABALHO

Por HENRIQUE FREITAS DE LIMA | 16/03/2015 | Direito

3.5 MOTIVOS QUE DIFICULTAM A INSERÇÃO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO MERCADO DE TRABALHO

A inserção da pessoa com deficiência no mercado de trabalho formal esbarra em diversas dificuldades, sendo as principais: a dificuldade de acessibilidade, o baixo grau de escolaridade, a falta de qualificação profissional, a falta de apoio familiar, o preconceito dos gestores e dos colegas de trabalho e o medo de perder o benefício dado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), entre outras.
Um fator relevante que impedia a inserção da pessoa com deficiência no mercado de trabalho era o fato de ela ter de se abster do benefício pago pelo INSS, o Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social (BPC), destinado a quem não trabalha e tem renda familiar per capita de até um quarto do salário mínimo. Esse benefício era perdido definitivamente, caso o beneficiário ingressasse no mercado de trabalho.
Isso desestimulava a procura por postos de trabalho. Mas, em setembro de 2011, a situação mudou, pois, se o beneficiário não conseguir manter-se no trabalho, ele volta a receber o benefício sem precisar passar pelo processo de requerimento ou de avaliação da deficiência e do grau de impedimento pelo INSS.
Essa situação mudou após a divulgação da Lei 12.470 de 31/08/2011, a qual prevê que as pessoas com deficiência voltam a ter o direito ao recebimento do benefício em caso de desemprego, independentemente de novo requerimento administrativo, conforme se observará abaixo:
Art. 21-A.  O benefício de prestação continuada será suspenso pelo órgão concedente quando a pessoa com deficiência exercer atividade remunerada, inclusive na condição de microempreendedor individual.
§ 1o  Extinta a relação trabalhista ou a atividade empreendedora de que trata o caput deste artigo e, quando for o caso, encerrado o prazo de pagamento do seguro-desemprego e não tendo o beneficiário adquirido direito a qualquer benefício previdenciário, poderá ser requerida a continuidade do pagamento do benefício suspenso, sem necessidade de realização de perícia médica ou reavaliação da deficiência e do grau de incapacidade para esse fim, respeitado o período de revisão previsto no caput do art. 21.
Percebe-se ainda que a dificuldade de inserção das pessoas com deficiência ao mercado de trabalho muitas vezes é resultado não especificamente das limitações físicas ou psíquicas, mas sim da falta de qualificação para o exercício da atividade laboral, visto que tais pessoas enfrentam diversas dificuldades (barreiras físicas, preconceitos, etc.) para estudar, requisito este necessário para o aprendizado de uma profissão.
Não há como negar que a pessoa com deficiência tem uma grande desvantagem competitiva em relação às pessoas com plenas capacidades físicas e psicológicas. Pode-se evidenciar tal discrepância em uma das atividades mais essenciais ao ser humano, qual seja, o estudo, pois, a depender do tipo e do grau da redução da capacidade, o indivíduo terá bastantes dificuldades de aprendizado em uma turma comum, motivo pelo qual necessitará de aulas específicas, o que nem sempre é viável.
Não podemos olvidar também que a plena efetivação das igualdades de oportunidades entre pessoas com e sem deficiência exige ações bem mais abrangentes que a mera obrigação da criação de vagas de trabalho específicas para este público. Poderíamos citar como exemplos de ações complementares a obrigatoriedade de fornecimento de serviços educacionais especializados para tais pessoas e as leis de acessibilidade, tendo em vista que sem a formação educacional e sem condições de acesso fica impossível o exercício da atividade laboral, ainda que existam vagas de emprego a serem preenchidas.
Por fim, a partir do exposto nos dois parágrafos anteriores, pode-se inferir a seguinte constatação: o aparato legal existente no Brasil pode ser considerado avançado em relação ao de muitos outros países; mas, cabe ratificar que a pura existência de tais instrumentos legais não é o suficiente para propiciar a inclusão social e profissional de uma pessoa com deficiência. O conjunto de leis vigentes muitas vezes garante, tão somente, a “obrigatoriedade” da inclusão, deixando de prover, por exemplo, a criação de condições para que a inclusão seja efetivamente realizada.

3.6 DA EFETIVIDADE DA APLICAÇÃO DA POLÍTICA DE COTAS PARA O TRABALHO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

Como dizem os doutrinadores, o direito é a ciência do “dever ser”, isto é, consiste em um conjunto de prescrições atinentes ao modo como as relações sociais deveriam ocorrer. Ora, partindo-se deste conceito, há de se admitir que somente pode ser norma jurídica o mandamento passível de descumprimento, pois, caso tal possibilidade inexistisse, estaríamos diante de uma lei da física/natural ou algo similar.
Parece cabível a afirmação de que não há uma só lei jurídica 100% (cem) eficaz, ou seja, não há ato normativo que não seja descumprido com maior ou menor incidência. Não é difícil inferir que, no tocante à legislação assecuratória de trabalho às pessoas com deficiência, também há grande dificuldade em sua fiel efetivação.
Antes de se abordar as principais barreiras à efetivação de tais ações afirmativas, analisar-se-á o que se entende por eficácia ou efetividade das normas jurídicas.
Nas palavras de Norberto Bobbio:
a eficácia é um critério de valoração da norma jurídica, tendo esta “o problema de ser ou não seguida pelas pessoas a quem é dirigida (os chamados destinatários da norma jurídica) e, no caso de violação, ser imposta através de meios coercitivos pela autoridade que a evocou”. Avalia o grau de eficácia de uma norma pelo nível de espontaneidade da mesma: quanto menos instrumentos coativos forem necessários para seu cumprimento, maior será sua eficácia. (grifo nosso).
Miguel Reale, por sua vez, conceitua eficácia da seguinte maneira:
A eficácia se refere, pois, à aplicação ou execução da norma jurídica, ou por outras palavras, é a regra jurídica enquanto momento de conduta humana.  A sociedade deve viver o Direito e com tal reconhecê-lo. Reconhecido o Direito é ele incorporado à maneira de ser e de agir da coletividade. [...] A eficácia [...] tem um caráter experimental, porquanto se refere ao cumprimento efetivo do Direito por parte de uma sociedade, ao “reconhecimento” (Annerkenung) do Direito pela comunidade, no plano social, ou mais particularizadamente, aos efeitos sociais que uma regra suscita através de seu cumprimento.
Por fim, infere-se que a aplicabilidade está diretamente relacionada ao grau de efetividade/cumprimento da norma, seja de forma espontânea, situação em que a coletividade incorpora em seu imaginário coletivo a obrigatoriedade de adequação aos dispositivos legais, ou de forma coercitiva, situação em que, diante da transgressão da norma, o aparato estatal atua no sentido de garantir-lhe o cumprimento ou de, pelo menos, sancionar os transgressores.  
Ressalte-se que a primeira barreira é de ordem sociopsicológica, pois ainda há a ideia de que a pessoa deficiente é um inválido que, no máximo, merece proteção assistencialista por parte do Estado. Deve-se ressaltar também que as ações afirmativas não são vistas com bons olhos por todas as pessoas; na verdade, parece que os setores mais conservadores da sociedade estão mais associados às ideias neoliberais, segundo as quais não caberia ao Estado interferir diretamente na relação entre o capital e o trabalho.

3.7 HABILITAÇÃO E REABILITAÇÃO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA AO MERCADO DE TRABALHO
Como já fora mencionado anteriormente, muitas vezes, em virtude de diversas dificuldades, principalmente no que diz respeito à educação, as pessoas com deficiência não possuem as qualificações básicas necessárias para o exercício de atividades mais complexas, limitação esta que muitas vezes é decorrente não da deficiência em si, mas sim, da falta de estrutura para uma correta formação profissional.
 Para sanar tais dificuldades vivenciadas pelas pessoas com deficiência, a legislação estabelece critérios para a promoção da habilitação e reabilitação de tais indivíduos ao mercado de trabalho. Deve-se diferir a habilitação da reabilitação; aquela consiste na utilização de técnicas de ensino teóricas e práticas que promovam a necessária qualificação do cidadão ao mercado de trabalho, tornando-o apto ao exercício de uma atividade econômica capaz de garantir-lhe o sustendo; ao passo que esta é destinada principalmente aos trabalhadores (portanto, já executores de atividades profissionais) que, em decorrência de acidente de trabalho, tiveram significativa limitação de sua força de trabalho, de forma que já não estão mais aptos ao pleno exercício da atividade que anteriormente exerciam, motivo pelo qual serão reabilitados para o exercício de outra atividade produtiva, ou pelo menos, para o exercício adaptado da atividade que já exercia.
Em suma, pode-se afirmar que a habilitação é realizada com as pessoas com deficiência que ainda não preenchem as vagas do mercado de trabalho, ao passo que a reabilitação é vivenciada pelos cidadãos que, uma vez empregados foram vítimas de qualquer tipo de limitação de sua força laboral.
A habilitação é de responsabilidade conjunta do Estado e da sociedade. Na prática, é obrigatória às instituições públicas e privadas de ensino profissional, tais como os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnológica (outrora CEFETs – Centros Federais de Educação Tecnológica). Cabe a essas instituições “oferecer cursos profissionais de nível básico à pessoa portadora de deficiência, condicionando a matrícula à sua capacidade de aproveitamento e não a seu nível de escolaridade” (art. 28. §2º, do decreto n. 3.298/99).
Já a reabilitação está a cargo do Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), por meio do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), conforme assegura o artigo 136, §1º, do decreto nº. 3.048/99. O §2º desse dispositivo permite celebração de convênio de cooperação técnico financeira com outras instituições, geralmente aquelas integrantes do Sistema “S”, tais como o SENAI (Sistema Nacional de Aprendizagem Industrial) e o SENAC (Sistema Nacional de Aprendizagem Comercial), os quais oferecem cursos de aprendizagem para pessoas com deficiência que buscam tanto habilitação quanto reabilitação profissional.        
Infelizmente, há grande dificuldade de se executar um sistema de habilitação e, principalmente, de reabilitação efetivo, visto que tais atividades exigem a colaboração mútua de profissionais de diferentes áreas tais como pedagogos, terapeutas, fisioterapeutas, tradutores de linguagens de sinais, etc. Em virtude da dificuldade de execução das referidas políticas, em muitas ocasiões, pessoas que poderiam exercer outras atividades laborais acabam restritos ao Benefício da Prestação Continuada instituído pela Lei de Organização da Assistência Social.
Sobre as dificuldades de implantar medidas de reabilitação, disserta José Pastore:
É verdade que a reabilitação é uma atividade complexa e que custa caro. Mas a manutenção dos portadores de deficiência como afastados e recebendo ajuda da previdência social também é cara. Por isso, nos países mais avançados, um dos grandes objetivos dos sistemas de seguridade social é acelerar a volta ao trabalho, o que estimula as agências de reabilitação a investir adequadamente na recuperação dessas pessoas. Isso é importante para os portadores de deficiência e para as finanças da seguridade social. Serviços ineficientes retardam a volta ao trabalho e causam prejuízos a toda a sociedade.  
Como Bem destaca José Pastore, em curto prazo pode parecer difícil e até mesmo inviável, em virtude dos altos gastos, a execução de políticas de habilitação e reabilitação, todavia deve-se ressaltar que, caso tais processos não sejam executados, a previdência social suportará o ônus de custear benefícios às pessoas com deficiência.
Ressalte-se ainda que as empresas pagam tributos sobre os salários pagos aos trabalhadores, sejam deles deficientes ou não, de forma que, no momento em que uma pessoa fica dependendo de benefícios assistenciais, o governo tem custos de duas modalidades, pois se obrigada a pagar mensalmente o valor de um salário-mínimo aos assistidos e deixa de arrecadas tributos oriundos da renda dos mesmos indivíduos.