MODERNIDADE, DESENCANTAMENTO DO MUNDO, MÍDIA E PODER
Por Mariana Ferreira Saraiva | 16/08/2010 | FilosofiaModernidade, Desencantamento do Mundo, Mídia e Poder
Quando, em seu texto "Ciência como Vocação" (1993), Max Weber afirmou que o homem "tem o destino de viver numa época sem Deus e sem profetas" (WEBER, 1993, p.30), ele fez referência ao momento denominado por alguns teóricos como "modernidade". Para Weber, esse tempo seria caracterizado por uma intensa perda dos sentidos existenciais e essenciais de tempos passados. Segundo a teoria Weberiana, o desenvolvimento científico a partir da racionalização seria uma das causas do que ele chamou de "desencantamento do mundo".
"A intelectualização e a racionalização geral não significam, pois, um maior conhecimento geral das condições da vida, mas algo de muito diverso: o saber ou a crença em que, se alguém simplesmente quisesse, poderia, em qualquer momento, experimentar que, em princípio, não há poderes ocultos e imprevisíveis, que nela interfiram; que, pelo contrário, todas as coisas podem ? em princípio - ser dominadas mediante o cálculo. Quer isto dizer: o desencantamento do mundo." (WEBER, 1993, p.13)
Segundo Weber, ao contrário do que se pensou, a ciência moderna não traz grande satisfação e felicidade ao homem que a ela se dedica. Ao contrário disso, a ciência dissolve crenças que, muitas vezes, dão sentido à vida dos homens.
"Qual é, então, sob estes pressupostos, o sentido da ciência como profissão, após o naufrágio de todas as antigas ilusões: "caminho para o verdadeiro ser", "caminho para a verdadeira arte", "caminho para a verdadeira natureza", "caminho para o verdadeiro Deus", "caminho para a felicidade autêntica"? A resposta mais simples é a que Tolstoi forneceu com as seguintes palavras: "A ciência carece de sentido, pois não tem resposta alguma para a única questão que nos interessa ? "Que devemos fazer? Como devemos viver?". Dificilmente se pode contestar o fato de que ela, com efeito, não faculta nenhuma resposta a esta questão." (WEBER, 1993, p.18)
Partindo do conceito de "desencantamento do mundo" podemos buscar algumas relações com o conceito de "modernidade líquida" proposto por Zygmunt Bauman. Para o autor a metáfora "modernidade líquida" aponta algumas características desse tempo que te início com a modernidade, marcada pela invasão do racionalismo instrumental, pelas novas tecnologias, pelo desenvolvimento capitalista, pela globalização, pela racionalização e pelo desenvolvimento científico. Bauman afirma a modernidade-líquida (ou pós-modernidade) como um momento de "derretimento dos sólidos", sejam eles valores e concepções, teorias científicas, tecnologias, modelo econômico e até mesmo padrões de comportamento. Segundo o autor, os sólidos se mantém e possuem durabilidade enquanto os líquidos têm a capacidade de leveza, têm flexibilidade e maleabilidade, estando sempre prontos a se adaptar.
"Mas a modernidade não foi um processo de "liquefação" desde o começo? Não foi o "derretimento dos sólidos" seu maior passatempo e principal realização? Em outras palavras, a modernidade não foi "fluida" desde sua concepção?" (BAUMAN, 2001, p.9)
Essa liquidez característica da pós-modernidade aponta um momento fruto de um movimento onde algumas mudanças fundamentais ocorreram. Podemos destacar a Revolução Industrial Inglesa do século XVIII como um dos acontecimentos que inauguraram a modernidade (período anterior à modernidade líquida). A Revolução trouxe consigo o ideal capitalista de produtividade material e de velocidade como padrão de qualidade. Esse ideal se firmou como uma das grandes bases da modernidade e também da pós-modernidade. E, dentro desse contexto, novas posturas e padrões de comportamento surgiram. Um novo modelo econômico (capitalismo) passou a ditar novas regras à essa sociedade surgida da tentativa de derretimento de antigos padrões sociais.
A produção, a velocidade, a informação, a portabilidade, e adaptabilidade são alguns dos novos padrões da pós-modernidade. Estar pronto para todas as situações e saber lidar (e até mesmo esperar) que os relacionamentos sociais e afetivos, por exemplo, sejam efêmeros, como num ciclo obrigatório de começo e fim, passou a ser um padrão de comportamento aceitável e muitas vezes desejável. Isso ilustra como a liquidez se tornou um novo sentido de comportamento ideal dentro dessa sociedade que Weber chamou de "desencantada".
Antigos valores de solidez e durabilidade, tradição, família e religiosidade abrem espaço para a fluidez, mudança, velocidade, adaptabilidade, produtividade e racionalidade. Até mesmo as concepções de tempo e espaço se reconfiguraram nesse momento. O desenvolvimento tecnológico ampliou a possibilidade de deslocamento para diversos lugares do mundo em um curto tempo, modificando noções de distância, espaço e tempo. O surgimento da internet, da comunicação em rede e do espaço virtual também alteraram significativamente essa relação de tempo e espaço. E é nesse cenário que podemos observar como a Mídia adquire espaço e força. Ideais de consumo e produtividade são propagados de forma explícita ou velada e, muitas vezes, "preenchem" um vazio existencial dessa sociedade.
A busca por bens materiais, por alcançar um padrão de beleza e um emprego ideal, por exemplo, tornaram-se prioridades na sociedade do "mundo desencantado". Tais valores se apresentam como padrões de felicidade e de realização pessoal em substituição a antigas tradições de família e religiosidade, por exemplo.
É bastante comum, em tempos de modernidade líquida, que os relacionamentos sejam efêmeros e que essas relações se estabeleçam sob alicerces frágeis totalmente distintos do sentimento do amor e de valores essenciais para constituição familiar, criação dos filhos e etc. Vivemos um mundo onde o progresso tecnológico, a racionalização e a ciência não trouxeram toda a felicidade que um dia se esperou. É inegável que a ciência trouxe benefícios ao homem, principalmente benefícios técnicos. O desenvolvimento tecnológico, da medicina e da informática proporcionaram ao homem inúmeras vantagens práticas. Porém, cabe examinar como dentro desse "mundo desencantado" alguns sólidos valores foram derretidos e como a Mídia ganhou terreno nesse cenário.
À fim de compreender algumas manifestações do poder da Mídia nesse contexto tratado por Max Weber e Zygmunt Bauman, podemos nos apoiar no texto do Oliviero Toscani, "A Publicidade é um cadáver que nos sorri" (1996) para analisar o papel da mídia publicitária na atualidade.
Toscani incicia seu estudo com um texto chamado "Aleluia! O Neném faz xixi azulzinho!", onde faz uma forte crítica à publicidade dos últimos 30 anos. O autor aponta, com uma escrita irônica e crítica, para uma sociedade ilusória e perfeita que é vendida pela mídia publicitária. Toscani chama atenção para a força dessa mídia que ocupa cada vez mais espaço e movimenta cada vez mais capital logo no início do seu texto. Para o autor, "os publicitários não cumprem a sua função: comunicar. Carecem de ousadia e de senso moral" (TOSCANI, 1996, p.25). E a publicidade, que é financiada por nós mesmos, vende imagens e mensagens cada vez mais "bestificantes" e alienadoras.
Toscani chega a listar uma série de "crimes" que a publicidade comete à sociedade, entre eles o crime de inutilidade social, que é o fato de as grandes empresas não usarem a publicidade em prol da conscientização ambiental, ecológica e social. Ao contrário disso, as grandes empresas usam seu poder de coerção vendendo a imagem de um "mundo perfeito".
Essa venda da imagem de um "mundo perfeito" pode ser vista como uma das formas que a mídia confere sentido no moderno mundo desencantado de Weber. Carentes de outros valores que forneçam sentido e guiem suas vidas, milhares de pessoas se apegam à valores de consumo como o caminho para a felicidade e para o bem estar. Para essas pessoas, o padrão de felicidade passa a estar condicionado ao "ter".
"A publicidade não vende produtos nem idéias, mas um modelo falsificado e hipnótico da felicidade. Essa ambiência ociosa e agradável não é nada mais do que o prazer de viver segundo as normas idealizadas dos consumidores ricos (...) A publicidade oferece aos nossos desejos um universo subliminar que insinua que a juventude, a saúde, a virilidade, bem como a feminilidade, dependem daquilo que compramos ." (TOSCANI, 1996, p.27 e p.28)
É possível notar que a publicidade procura vender, de diversas maneiras, a própria "felicidade". Seja na propaganda do creme que faz a mulher rejuvenescer 10 anos em uma semana, na do carro que faz o homem ser mais bem sucedido e bonito ou na do apartamento que traz harmonia para toda a família que nele vive. E, em um mundo carente de sentidos, em tempos de "crise econômica e espiritual" (TOSCANI, 1996, p.28) a busca pelo produto felicidade torna-se a razão de viver de muitas pessoas. E essas pessoas, já carentes de sentido, de afeto e de valores acabam chegando à conclusão de que jamais chegarão a viver da forma que a publicidade prega. O efeito disso é devastador: a cada dia que passa aumentam os casos de depressão, anorexia/bulimia e síndrome do pânico. Podemos dizer que a mídia publicitária é hoje também responsável por um problema que chega a afetar a saúde pública, o que aponta para a dimensão de sua função social e de seu "poder".
BIBLIOGRAFIA
BAUMAN, Zygmunt. Ser leve e líquido. In.: Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001, p.7-22.
TOSCANI, Oliviero. A publicidade é um cadáver que nos sorri. 2ª. Edição, Rio de Janeiro: Ediouro, 1996, p.13-40.
WEBER, Max "A ciência como vocação". In.: WEBER, Max: Ciência e Política: Duas Vocações, São Paulo, Editora Cultrix, 1993.