Missão Não Revelada

Por José Marinho Filho | 10/06/2014 | Religião

MISSÃO NÃO REVELADA

José Marinho Filho*

 

            Decorria o mês de agosto de 2001, quando aquele homem viu-se acometido de grave doença: o temível câncer de próstata. Evidentemente, que uma doença desse tipo assusta e inquieta, porque, quase sempre, o seu desfecho é o falecimento do portador. Movido pelo desejo de viver, ele, já com 64 anos de idade, procurou ajuda médica tanto na urologia quanto na oncologia e a encontrou – das melhores -, diga-se, por oportuno. Submeteu-se, então, à cirurgia radical, de modo a extrair o tumor maligno que o atingira. Apesar da competência dos médicos que o operaram, dentre onze pacientes radicalmente operados, devido ao mesmo mal, somente ele teve o seu tumor recrudescido, por circunstâncias inexplicáveis para a própria medicina.

Contudo, aquele homem não lutava só. Sua esposa, filhos, parentes e amigos, estavam com ele, compartilhando seu sofrimento. Fieis à Igreja Católica Apostólica Romana, recorreram às orações, à intercessão de Santo Expedito e outras práticas religiosas, no sentido de que ele obtivesse as graças de Deus e fosse curado daquele mal.

Porém, além desses, havia outros amigos, de outras Igrejas e religiões, os quais também recorreram aos poderes divinos, na forma acreditada, visando a obtenção da cura daquele homem, mediante um milagre.  Ressalte-se a crença e atuação de um desses amigos, da corrente evangélica e líder na Igreja Batista, na qual há pessoas que são profetas da fé cristã e possuem o dom de falar a língua dos anjos e também de predizer acontecimentos na vida futura de outras pessoas.

            Então, esse seu amigo o levou a uma integrante da Igreja Batista - a irmã Maria -, uma profetiza a quem pediu que orasse em favor daquele homem, que se encontrava acometido daquela grave doença. Em transe espiritual, aquela senhora, após as orações próprias, começou a falar língua dos anjos, à qual, às vezes, traduzia, em língua vernácula, a profecia que realizava. Naquele dia, ainda em transe espiritual, a irmã Maria disse àquele homem que Jesus Cristo estava afirmando que ele não morreria daquele mal e que Deus tinha para ele uma importante missão, a ser realizada no plano do Senhor para a humanidade. Portanto, tendo fé, ele compreenderia o que Deus lhe estava reservando na vida. Frise-se que não houve profecia de cura total mediante milagre, mas apenas que ele não morreria de câncer. O homem, como já se disse, professa a fé católica apostólica romana, contudo, acreditou nas palavras da profetiza, embora pensasse consigo mesmo: o que ele poderia fazer de importante no plano de Deus para a humanidade?

            O tempo passa. O homem, após a cirurgia radical na próstata e as sessões de radioterapia, voltou à casa da irmã Maria, levado pelo mesmo amigo que já o fizera anteriormente. Novamente, a irmã Maria falou a língua dos anjos, mas desta vez para louvar a Jesus Cristo e dizer que aquele homem, que recebera a graça de ter continuado vivo, tinha ido agradecer pela continuidade existencial, a exemplo do que narra o Evangelho de Lucas (Cap. 17, vers.15 a 19).

Contudo, durante o transe espiritual da profetiza, nada foi determinado àquele homem. Nenhuma missão a cumprir lhe foi revelada. Por quê? Se anteriormente ele tinha sido avisado de que o Senhor Deus lhe reservara uma importante missão a cumprir em seu plano para a vida humana. O homem continuou então a esperar algum sinal que lhe servisse de orientação a respeito dessa profecia.

            O tempo continua passando. Flui o mês de junho de 2014. Já são decorridos aproximados 13 (treze) anos e, embora aquele homem não tenha sido curado totalmente do mal que o acometera e, apesar das sequelas do mesmo mal e dos efeitos colaterais do tratamento radioterápico, bem como do contínuo controle médico obrigatório ao qual ainda se submete periodicamente, por enquanto, o mal não o venceu, pois ele continua vivo, e com expectativa de continuidade vivencial, conforme lhe prognosticou a própria medicina, na qual ele também depositou fé e esperança de cura.

            Mas, qual seria a missão que Deus (ou Jesus Cristo), através da irmã Maria, disse estar reservada para ele, de modo a ajudar no plano de Deus para a humanidade? Como recebê-la e como cumpri-la? Alguma coisa ele deverá fazer, mas o quê? Ainda que a missão lhe deva ser revelada por critério de Deus, o homem começa a se preocupar, uma vez que a idade avança e ele não percebe qualquer sinal espiritual, a respeito.

Ocorreu-lhe então (Por motivos racionais, ou quem sabe por inspiração divina!) cumprir a missão (da qual falou a irmã Maria), a seu próprio modo, ou seja, escrevendo sobre os fatos; mas, principalmente, visando à sustentação básica da crença humana, independentemente de religião, porém, de acordo com a concepção fervorosa de cada pessoa, já que, no seu entendimento, um plano para a humanidade, mesmo sendo Divino, não pode se circunscrever a uma só religião, uma vez que todos os seres humanos constituem o povo de Deus, independentemente da religião ou da crença que se professe ou, ainda, da Igreja à qual pertença. Com essa convicção, aquele homem resolveu então escrever sobre a fé. Ainda que não lhe tenha sido revelada tal missão, pareceu-lhe o caminho a ser seguido.

            Por tudo isso, a partir de agora, nada mais poderá fazer-se aludir, uma vez que a tese que se coloca implica em responsabilidade de quem a defende, tendo em vista que a fé de cada pessoa constitui o sustentáculo da própria vida espiritual e, portanto, compete a cada ser humano admiti-la e desenvolvê-la, ou não. Embora, aquele homem (Em verdade, este autor) tenha nascido na fé católica, apostólica romana e a continue praticando, possui o entendimento de que as demais religiões e crenças merecem consideração e respeito, ainda que não agradem aos que cultivem fé diferente. Assim sendo, nenhuma pessoa tem o direito de censurar a fé da outra, sob nenhum pretexto, considerando o livre arbítrio concedido por Deus aos seres humanos, conforme ensina a própria Bíblia Sagrada:

“Porém, se vos parece mal aos vossos olhos servir ao Senhor, escolhei hoje a quem sirvais” (Josué, Cap. 24, v. 15) e ainda:

 “Do coração o homem medita o caminho a tomar, mas é Deus quem lhe dirige os passos” (Provérbios, Cap 16. V. 9).

Portanto, o que este autor fará nesse contexto será externar o que ele entende por fé, sem invadir qualquer outro entendimento correlato. Talvez, disseminando seu entendimento sobre o que seja a fé, ele consiga cumprir a missão profetizada, ainda que esta não lhe tenha sido revelada.

Indaguemos então: a fé é dom de Deus ou dos homens?

Como se vê, a pergunta se insere na filosofia religiosa, mas também na humana.

No meu entendimento, a resposta depende do tipo de fé que se cultive. Se for a fé cristã, não há como negar que ela seja um dom de Deus, conforme os ensinamentos da Bíblia Sagrada:

“Porque pela graça que me é dada, digo a cada um dentre vós que não saiba mais do que convém saber, mas que saiba com temperança, conforme a medida da fé que Deus repartiu a cada um” (Romanos, cap. 12, v. 3).

Comecemos, pois, por entender ser a fé um dom de Deus concedido às pessoas, às quais, a partir dela, poderão exercer o livre arbítrio de aceitá-la e desenvolvê-la, ou não, nesse ou naquele sentido, nesse ou naquele campo, nessa ou naquela atividade.

Então, há que se convir que, religiosamente, a fé constitui um fenômeno espiritual, de crença em um ser Divino, a quem a maioria dos fieis denomina Deus (Jeová para uns; Espírito perfeitíssimo para outros; Ser superior para outros tantos), a quem se coloca acima de todas as coisas. Ao que entendemos, religiosamente, a fé, pode ser cristã, judaica, islâmica, ou outras formas de busca de relacionamento com Deus. Ela indica o ser justo, que nela vive, conforme se vê no trecho do Livro de Habacuque, escrito cerca de 600 anos antes de Cristo:

“Eis que sua alma se incha, não é reta nele; mas, o justo pela sua fé viverá”(Hc, cap 2, v. 4).

Por tudo isso, os religiosos cristãos - católicos ou evangélicos -, demonstram ser a fé, da qual fala a Bíblia Sagrada, um dom de Deus que é concedido aos seres humanos. Mas, será que a fé cristã é apenas um dom espiritual divino? Ou será também um dom humano?

A mim parece que a fé não pode ser exclusivamente divina, tendo em vista que os seres humanos possuem o livre arbítrio para aceitá-la e desenvolvê-la ou não, segundo o entendimento que se possa extrair da leitura sagrada, conforme inúmeros exemplos, dois dos quais dados pelo próprio Jesus Cristo:

Tem ânimo filha, a tua fé te salvou (Mt, cap 9, v. 22).

E aconteceu que, indo ele a Jerusalém, passou pelo meio de Samaria e da Galiléia. E entrando numa certa aldeia, saíram-lhe ao encontro dez homens leprosos, os quais pararam de longe. E levantaram a voz dizendo: Jesus, Mestre, tem misericórdia de nós! E ele vendo-os, disse-lhes: ide e mostrai-vos aos sacerdotes. E aconteceu que, indo eles, ficaram limpos. E um deles, vendo que estava são, voltou glorificando a Deus em alta voz. E caiu aos seus pés, com o rosto em terra, dando-lhe graças; e este era samaritano. E, respondendo Jesus, disse: Não foram dez os limpos? E onde estão os nove? Não houve quem voltasse para dar glória a Deus, senão esse estrangeiro. E disse-lhe: Levanta-te e vai; a tua fé te salvou” (Lc.Cap17, vs. 11 a 19).

Logicamente, há que se notar que se fosse somente um dom divino, a fé teria de ser única, ou seja, igual em todos os seres humanos, já que, de acordo com o princípio de que todos somos filhos de Deus, não haveria explicações lógicas para que a fé de uns se sobrepusesse à de outros, não quanto a sua profundidade, mas, sim, quanto à aceitação e prática, pois, a fé cristã pode ser católica, (Romana ou Ortodoxa); mas também pode ser Evangélica, (Disseminada em diversas correntes). Há ainda a fé Espírita, na corrente kardecista, também cristã.

Registre-se que os cristãos firmam a sua fé em Jesus Cristo, o filho de Deus, e a desenvolvem conforme a Bíblia Sagrada, principalmente o Novo Testamento.

Contudo, a religião não é unicamente cristã, há o Budismo, o Islamismo, o Judaísmo, que são religiões milenares, não cristãs, cada um com a maneira própria de manifestar a sua fé religiosa (de caráter coletivo), cada qual defendendo ser a única que poderá conduzir os seres humanos à salvação eterna, desde que sejam seguidos os seus preceitos, rituais e crenças. Os dois primeiros seguimentos religiosos cultivam a sua fé nos Livros sobre o Carma e o Samnsara, e no Alcorão, respectivamente, que não serão abordados neste depoimento, porém, merecem todo o respeito e consideração religiosa, porque servem de aprendizagem e ensinamento para milhões de fieis. Já o Judaísmo desenvolve a sua fé com base no Torá (Antigo Testamento), de cujo ensinamento destaca-se a criação do homem e, portanto, de sua possibilidade religiosa, à semelhança divina:

“E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo réptil que se move sobre a terra” (Gn. Cap1, v. 28).

Há também o espiritismo, na corrente candomblé, (e nesta, a ramificação feiticista), que também é um tipo de religião e, portanto, dependente da crença de seus seguidores.

Há que se considerar ainda a religiosidade dos índios (principalmente, dos não civilizados) que, mediante rituais e crendices próprias, cultuam um Ser superior, no qual creem, demonstrando a sua fé.

Como se observa, a fé humana em Deus pode ser manifestada de diversas maneiras e em segmentos religiosos variados. Mas, porque será que a fé não é exercida de forma única, embora único seja o Deus de todos os seres humanos?

A mim parece que o fenômeno da crença (cujo caráter é particular) é que possibilita a um seguimento religioso cultivar sua própria fé, indicando assim que esta não é apenas um dom de Deus, mas, também do ser humano, que, inclusive, possui autoridade para utilizá-la, conforme a seguinte passagem bíblica:

“Em verdade lhes digo que, se tiverdes fé e não duvidares, não só fareis o que foi feito à figueira, mas até, se a este monte disseres: Ergue-te e precipita-te no mar, assim será feito.” (Mt. 21, 21).

Talvez, por isso, haja tantas Igrejas, tantas religiões, tantas formas de abordar e manifestar a fé. Talvez, por isso, possa-se explicar por que, um sacerdote católico romano deixa a própria família e renuncia à vida social comum, adota o celibato, e se dedica de corpo, alma e espírito à Igreja Católica Apostólica Romana, disseminando a própria fé que é a mesma da Igreja. No mesmo sentido, o sacerdote da Igreja Católica Ortodoxa, mesmo sem adotar o celibato, se dedica a pregar a própria fé e a conduzir seus seguidores, na forma da Igreja Ortodoxa. Talvez também por isso, os evangélicos (pastores e fieis), quase sempre, deixam a religião de origem e se dedicam àquela na qual acreditam haver sustentação para a salvação eterna, na forma da própria fé e da nova Igreja a que pertencem.

Quem sabe também por isso, os Espíritas, tanto na corrente Kardecista quanto no Candomblé, exercem e propagam a sua fé espiritual, da forma religiosa que lhes parece a mais apropriada.

E mesmo os ateus, que afirmam não aceitar nem desenvolver o dom da fé, ou os agnósticos que são indiferentes à existência de Deus, merecem ser compreendidos por aqueles que têm fé religiosa, já que também eles são possuidores do livre arbítrio nesse sentido.

Como se pode observar a fé, seja cristã ou não, merece reflexão, porque seja qual for a maneira como esta se desenvolve em cada pessoa, deve dar-se em benefício do aperfeiçoamento espiritual e pessoal próprios, no sentido de que se reconheça que, apesar de tantas igrejas, religiões e crenças, a humanidade deve constituir um só rebanho e um só pastor, conforme a vontade Divina expressa na Bíblia Sagrada:

“Ainda tenho outras ovelhas que não são deste aprisco; também me convém agregar estas, e elas ouvirão a minha voz, e haverá um rebanho e um Pastor” (Jo, cap.10, v. 16).

 “Porque quem não é contra nós, é por nós” (Mc, cap. 9, v.40).

“Porquanto, não há diferença entre judeu e grego; porque um mesmo é o Senhor de todos, rico para com todos os que o invocam” (Romanos, Cap. 10, v. 12).

A meu ver, há que se ter mente a necessidade de diferenciar o fanatismo do que seja a fé. Aquele, ao contrário desta, não me parece ser um dom, mas apenas uma convicção destituída de religiosidade.

Enfim, com esse raciocínio, espero ter cumprido a missão que me foi predita pela irmã Maria, mesmo sem revelação específica. Espero que cada pessoa que leia este artigo possa preservar a própria fé, e que cada um e todos nós respeitemos a fé alheia, seja em que sentido esta seja praticada e que se respeite até mesmo a manifestação daqueles que se dizem ateus, ou agnósticos, já que todos os humanos constituem o povo de Deus.

Referência bibliográfica: Bíblia Sagrada.

*José Marinho Filho é Tenente-Coronel QOR, da PMMG. Bacharel em Direito, especialista em Direito do Estado.

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