Minha vida na rua...
Por Heloisa Pereira de Paula dos Reis | 14/09/2015 | CrônicasMinha vida na rua
Hoje moro na rua. Aqui descanso minha cabeça, e fujo dos meus problemas que não são poucos. Tento esquecer o passado, para eliminar a angústia que vive em mim. Não bebo, não fumo, não me drogo, mas carrego comigo o estigma da menos-valia.
Vivo um dia após o outro, sem me perguntar nada. Foco apenas o momento. Já nem sei onde anda a tal felicidade, que pensei um dia encontrar.
Moro na companhia do meu negão. Cachorro amigo, companheiro, que já me defendeu de quem queria me fazer mal. Latindo, rosnando, mordendo. Uma vez fui ferido em uma briga e precisei ser hospitalizado. O meu negão ficou na porta do hospital, quietinho, esperando que eu aparecesse.
Durmo sentado em uma cadeira que ganhei a tempos. Não gosto da sujeira do chão.
Tenho um radinho para ouvir à noite. Espanta a solidão e me conta coisas do mundo.
Dualidade de sensações... Sinto falta de alguma coisa, mas não sei o que é. Só sei que é impossível retroceder no tempo. Se eu pudesse voltar ele não seria o mesmo, não estaria mais lá, moraria apenas nas minhas lembranças, na minha imaginação.
A muito tempo não me olho no espelho. Não quero ver o outro que há em mim, aquele que se apossou da minha vida, e me transformou em alguém que não reconheço mais, tão diferente daquele que já fui um dia. Sinto vergonha de mim, uma sensação de inadequação ao me saber suado, sujo, cabelo feio, barba por fazer a tanto tempo... Roupas que de tão usadas, parecem ser uma segunda pele. Estão impregnadas em mim.
Quantas vezes, às vésperas de acontecimentos importantes, sou tirado de onde vivo, e levado para lugares que nunca vi. Jogam minhas coisas fora, e eu choro por perder o tão pouco que tenho. A volta é tão difícil, é um recomeçar de novo, tendo novos companheiros morando ao lado. E é tão difícil entender essa família da rua...
Não gosto de albergues, pois perco minha liberdade, tenho que conviver com quem não quero e sou obrigado a fazer coisas das quais não sinto mais falta. Querem até vigiar meu banho... Coisa mais chata!
Faço minhas necessidades na rua, pois não tenho casa e muitos donos de bares impedem minha entrada. Procuro sempre um lugar mais reservado, mas nem sempre encontro. Então faço onde der.
Tenho sempre comigo dois tijolos, uns pedaços de madeira e fósforo, para poder cozinhar o que eu tiver no momento. A pouco tempo levaram meus tijolos e eu não sabia o que fazer quando a fome bateu. Mas naquele dia, apareceram uns homens que me deram comida pronta e um copo de suco. Foi bom, mas não sei se melhor que a minha comida. Com o tempo perdi o paladar para comidas diferentes, que dizem melhor preparadas.
Será que fui deformado pela vida que levo, ou levo a vida que me deformou?
Não sei.