Minha Viagem A Israel
Por Félix Maier | 26/03/2007 | SociedadePreâmbulo
O capítulo abaixo, extraído de meu livro "Egito - uma viagem ao berço de nossa civilização", Thesaurus, 1995, 232 pg., trata da viagem que fiz com minha família a Israel, em 1991, época em que servia na Embaixada do Brasil no Cairo (1990-92) como Auxiliar do Adido Militar. Espero que gostem também do "passeio"!
Shalom!
Félix
CAPÍTULO VII
VIAGEM A ISRAEL
O Canal de Suez e o deserto do Sinai
Israel é, sem sombra de dúvida, um país que todo cristão gostaria de conhecer. Fazer uma peregrinação pela Terra Santa deve ser um sonho acalentado por muitos. Se os árabes têm três cidades sagradas que gostariam de visitar ao menos uma vez na vida - Meca, Medina e Jerusalém -, o cristão também tem três peregrinações importantes a escolher: a Terra Santa, o Sepulcro de São Pedro, no Vaticano, e o Caminho de Santiago, da França até a Espanha. O Caminho de Santiago, atualmente, é uma peregrinação que se tornou bastante notória depois que o escritor brasileiro Paulo Coelho lançou o livro Diário de um Mago, provocando um aumento considerável de romaria para aquele lugar santo.
No dia 6 de junho de 1991 viajamos a Israel, onde ficamos até o dia 12, para fazermos a nossa peregrinação pela Terra Santa. Fomos de ônibus até Tel Aviv, como outros amigos nossos já tinham feito, sem que houvessem tido qualquer problema.
Saímos cedo, às 05:30 horas da manhã, e tivemos que ficar aguardando um bocado de tempo na saída da cidade, em Heliópolis, até que chegassem os outros ônibus com destino à Terra Santa, para as cidades de Tel Aviv e Jerusalém. É que até à fronteira com Israel, junto com o comboio de ônibus, segue sempre uma caminhonete cheia de soldados armados, para dar proteção aos viajantes, a maioria turistas. Vez em quando era feita uma vistoria em todos os ônibus e qualquer carro suspeito que seguia os ônibus logo era barrado. Várias vezes durante o trajeto até à fronteira foi feita a substituição da patrulha motorizada que protegia os turistas.
Passamos por Ismailia e logo depois atravessamos o Canal de Suez num ferry-boat. Uma imagem insólita - e não é miragem - é você ver navios vagando em pleno deserto. É essa a impressão que se tem, enquanto não se consegue ver a água do Canal. Junto ao mesmo houve uma parada dos ônibus e aproveitamos para tomar um refrigerante, bater fotos e filmar o local. O Wagner, meu filho, quase caiu dentro do Canal quando sentou na borda encimentada. Pudemos observar a passagem de vários petroleiros levando a carga preciosa. Há alguns superpetroleiros, de tão enormes e pesados, que não conseguem passar pelo Canal com o petróleo. O petróleo, nesse caso, é sugado do petroleiro para as tubulações que levam o óleo de Suez até Port Said, no Mediterrâneo. Lá, as máquinas fazem de novo o bombeamento do óleo para dentro das entranhas do petroleiro. Há projeto de se alargar e aprofundar o canal, para aumentar o fluxo dos navios e permitir a passagem dos superpetroleiros, de grande calado, carregados com petróleo.
Na passagem pelo Sinai, pudemos observar muitas cáfilas de camelos e dromedários e rebanhos de cabritos, e os pastores tomando conta. Não conseguimos identificar o que aqueles bichos comem, pois é tudo deserto, com poucas touceiras de capim seco e alguns oásis com suas palmeiras características, as tamareiras. À beira da estrada, que passa por El-Arish, há um duto de água, único meio de matar a sede dos rebanhos de animais e dos habitantes que vivem nas paupérrimas aldeias daquela região. Não há plantações, a não ser nas proximidades da fronteira com Israel, onde pudemos observar muitos pomares.
Chamou nossa atenção a grande quantidade de destroços de carros de combate no percurso, para nos lembrar as várias guerras enfrentadas por egípcios e israelenses. É comum se encontrar esqueletos humanos inteiros, ainda hoje, naquelas escaldantes areias, como vimos em fotografias de alguns jornais egípcios.
Finalmente chegamos a Rafah, na fronteira com Israel. Depois de tudo vasculhado, as bagagens radiografadas, os passaportes verificados cuidadosamente, entramos em Israel. Tudo muda, da água para o vinho, como num passe de mágica. Os banheiros muito limpos, praças bem cuidadas, muitas flores e muito verde - um mundo bem diferente do que deixamos para trás, com muita sujeira, feio, as lojas caindo aos pedaços.
A irrigação controlada por computador
A viagem segue, agora com ônibus e motorista de Israel, e pudemos verificar muitas plantações viçosas de milho, o trigo sendo colhido, tudo mecanizado. Quase não se vê pessoas no campo. A palha de trigo é toda aproveitada, para forragem, as máquinas durante a colheita já deixam os fardos pelo campo para serem recolhidos pelos tratores. Não há ca¬sas isoladas, mas somente cidades, vilas e kibbutzim. Eles vivem em comunidade por motivo de segurança, já que estão em pé de guerra permanente contra os árabes dos territórios que ocuparam. Os kibbutzim (plural de kibbutz) são colônias agroindustriais onde as pessoas trabalham num sistema de cooperativa e os produtos são distribuídos entre a comunidade. O excedente é ven¬dido e o dinheiro retorna em benefício de todos. Ninguém possui carro nem trator. Tudo pertence à cooperativa. Porém, nem todos os kibbutzim são tão rígidos assim. No entanto, o kibbutz deve ser o único sistema de vida "comunista" que deu certo no mundo.
Durante a viagem também pudemos observar o moderno sis¬tema de irrigação que há em Israel, onde os desertos produzem laranja para exportação. A água vem, principalmente, do Mar da Galiléia, através do Aqueduto Nacional, e é controlada por computador. Cada área, dependendo do tipo de plantação, recebe o estritamente necessário que necessita de água. Não há desperdício. Chegando a Tel Aviv, pudemos notar muitas flores junto às calçadas e às casas, grandes parques para a diversão de todos, onde os israelenses fazem piquenique nos dias de folga.
Ficamos todos hospedados na casa do sargento José Carlos de Freitas, então auxiliar do adido militar brasileiro em Israel. Além do Freitas, sua esposa Edinéa e os filhos nos receberam com muito calor humano, uma hospitalidade bem brasileira.
No dia seguinte, o Freitas nos levou para conhecer Belém e Jerusalém. Só sua filha Aninha nos acompanhou. A Néa ficou em casa, os filhos Rafael e Felipe tinham aula. E também não daria para todos viajarem no carro. Um carrão, por sinal, um Mercedes 1982 muito bem conservado, com ar-condicionado e vidros elétricos.
Viagem a Belém e Jerusalém
Na viagem para Jerusalém, o Freitas nos foi falando sobre muitas coisas de Israel, dos locais citados na Bíblia, dos kibbutzim, da eterna violência entre árabes e judeus. O Freitas é doutor no assunto: rodou mais de 30 mil km em Israel, sempre conhecendo a fundo todos os locais sagrados da Terra Santa, muitas vezes acompanhado por um padre que muito ensinou a ele. Em 1993, o Freitas publicou o livro Doze Cartas de Israel, no qual relata sua experiência durante os dois anos em que viveu naquele místico país.
Deixamos para trás Tel Aviv, com suas avenidas cheias de flores. E olha que estava começando o verão e a irrigação das flores e dos parques estava proibida, por causa da falta de chuvas que deixou o nível das águas do Mar da Galiléia muito baixo, o pior dos últimos anos. Na auto-estrada que liga Tel Aviv a Jerusalém, passamos por vários kibbutzim e pela extensa pradaria, a planície litorânea, que se derrama por toda a costa do Mediterrâneo até Gaza, palco das lutas de Sansão contra os filisteus.
Finda a planície, começamos a subir em direção a Jerusalém. Dá para ver algumas carcaças de carros de combate da época da Guerra dos Seis Dias e que lá são deixadas como monumentos. Chama a atenção a enorme quantidade de pedras nas encostas. Finalmente começamos a avistar Jerusalém, a parte nova da cidade, com muitos assentamentos sendo feitos, devido à continuada imigração de judeus do mundo inteiro, principalmente russos. O então Ministro da Habitação, Sharon, pretendia colocar um milhão de judeus em torno da cidade, fazendo um cinturão. Como sabemos, após a Guerra do Golfo Pérsico, a nova situação política no Oriente Médio não permitiu que os assentamentos de judeus em Israel, nos territórios ocupados, continuassem a ser realizados, tendo em vista as "costuras" políticas para um futuro plano de paz que prevê a autodeterminação dos palestinos, o que ninguém sabe se um dia será efetivamente implementada.
Todas as construções em Jerusalém são feitas com pedra. Há uma lei que obriga isso. Matéria-prima é o que não falta. Até os edifícios em concreto armado são envoltos com pedras. Tijolo não existe.
Belém da Judéia
Contornando Jerusalém, fomos conhecer primeiro a cidade de Belém. Na sua entrada, visitamos o túmulo de Raquel, esposa de Jacó, local de grande romaria dos judeus. Jacó, também conhecido como Israel, é o pai dos 12 filhos que deram origem às 12 tribos de Israel. Junto ao túmulo, coberto por pano negro, havia um grupo de rabinos, com seus chapéus enormes e longas roupas pretas, barba comprida e cabelos em longas tranças, fazendo suas orações em tom de lamento. De um lado, só homens, obrigados a usarem o kipá, um chapeuzinho sem abas. Do outro, só mulheres, obrigadas a usarem xales encontrados no local, caso estivessem usando blusas sumárias. Fora, uma patrulha de soldados israelenses dava segurança ao local. Como sabemos, Belém fica dentro da Cisjordânia, o território ocupado por Israel na Guerra de 1967. A população predominante é árabe.
Belém é a terra do Rei Davi, aclamado Rei de Israel por Samuel, o profeta. De acordo com a tradição cristã, o nascimento de Jesus está ligado à existência da família de Davi em Belém, para onde Maria e José retornaram para o recenseamento, pois José era da família de Davi (Mateus 2: 1-5).
Em Belém visitamos a Basílica da Natividade, o local onde nasceu Jesus. A Basílica é da época bizantina, iniciada pelo imperador Constantino no século IV e depois modificada e ampliada por outros imperadores. Constantino foi quem proclamou a tolerância e o reconhecimento do cristianismo, no Edito de Milão. Na invasão persa de 614, o templo não foi destruído porque havia em suas paredes pinturas dos três reis magos com trajes persas. Naquela invasão, os persas carregaram para seu país a verdadeira Cruz de Cristo e massacraram 30.000 cristãos, além de venderem milhares deles como escravos.
A porta de entrada da Basílica é muito baixa e a gente tem que se curvar para ter acesso ao interior do templo. Vimos uma marca, onde antigamente havia um portão enorme, de uns 4 m de altura. O Freitas nos explicou porque a porta foi reduzida. Quando os turcos conquistaram a Palestina, invadiram o templo montados em seus cavalos, fazendo dele uma estrebaria. Esse o motivo de a porta hoje ser tão baixa: para evitar uma profanação semelhante àquela que ocorreu então.
Dentro da enorme Basílica da Natividade a emoção tomou conta de nós. A Basílica é dividida em várias naves, das religiões ortodoxa grega e latina (católica). Havia um culto religioso na nave ortodoxa e ao fim da cerimônia um sacerdote, de longa e negra barba, distribuía pão aos fiéis que deixavam o templo. Com certeza, era para lembrar a última ceia, quando Jesus distribuiu pão a seus discípulos, e também para lembrar a todos a aprender a dividir seu pão com os mais pobres, aqueles que nada têm. Também recebemos um pedaço de pão do sacerdote.
Conhecemos, depois, o local onde Jesus nasceu, na Gruta de Belém, que fica nos subterrâneos daquela Basílica. Há um marco, em forma de estrela dourada, que identifica aquele local sagrado. O Freitas nos convidou e rezamos um pai-nosso e uma ave-maria. Em silêncio, meditamos sobre os mistérios de nossa fé, tão pequenina e inconstante frente ao tão grande desprendimento de Cristo. Foi, sem dúvida, um dos lugares da Terra Santa que mais fundo nos tocou, saber que ali havia nascido nosso Salvador há quase 2 mil anos. Ao lado da estrela, o local onde ficava o estábulo com os animais. Descendo algumas escadas, encravadas na rocha, chegamos ao lugar onde São Jerô¬nimo trabalhou na tradução da Bíblia - do hebraico e do grego para o latim -, que ficou conhecida como a Vulgata.
Todos os lugares sagrados da Terra Santa têm sua autenticidade comprovada através da tradição oral, desenhos, ilustrações e textos escritos ao longo do tempo.
Em Belém ainda aproveitamos para comprar algumas lembrancinhas: rosários, postais e souvenirs. Compramos um presépio muito bonito para minha mãe, todo feito em madeira de oliva. Muitos vendedores árabes nos importunaram, até que comprássemos alguma coisa. Mas os árabes em Belém são todos muito amáveis e sorridentes e não dá para ficar sem comprar alguma coisa.
Uma das melhores recordações de minha infância é o presépio e o pinheirinho que minha mãe arrumava escondido de mim e de meus irmãos e só à noite nos chamava para dizer que o Menino Jesus já tinha trazido os presentes. Cantávamos O Tannenbaum e Noite Feliz, os olhos de todos brilhando mais que as bolas de vidro colorido e as luzes dos pisca-piscas na árvore de Natal. Antes daquela noite mágica, dias e dias a fio, até as cigarras anunciavam mais uma chegada do Menino: Kinder ruig, Kinder ruig, Christ Kindchen kooooooooooooooooooooomt! (crianças quieto, crianças quieto, o Menino Jesus veeeeeeeeeeeeeeeeeeeeem!) - como nos ensinou mamãe, em alemão. E hoje, o que acontece? Mataram o Menino Jesus, a tevê inventou o Papai Noel, as grandes lojas de brinquedos se tornaram a única atração, os shopping-centers fervem como formigueiro, o dia de Natal não faz mais juz ao nome, o aniversariante não é sequer lembrado.
Deixamos de conhecer, nas imediações de Belém, o Campo dos Pastores e a Gruta de Leite, a conselho do Freitas, pois aquela área dos territórios "administrados" por Israel - como eles se referem aos territórios ocupados - tem sido palco de freqüentes distúrbios entre judeus e árabes. Na Gruta de Leite, segundo a tradição, enquanto Maria amamentava Jesus, o derrame de algumas gotas de seu leite teria causado o embranquecimento da rocha.
Tanto em Belém, quanto em outras cidades israelenses, pudemos ver muitas casas com placas coletoras de energia solar. Hoje, todas as edificações em Israel devem prever a utilização dessa moderna fonte de energia.
Jerusalém, cidade sagrada de 3 religiões
Retornamos depois para conhecer Jerusalém. Inicialmente, fomos ao Monte Scopus e ao Monte das Oliveiras, de onde se tem a melhor vista da cidade velha de Jerusalém, toda cercada por muralhas, como nas cidades medievais. O Monte das Oliveiras já não faz mais juz ao nome. Poucas oliveiras são vistas no local. Aquela área faz parte da Jerusalém oriental, tomada dos árabes em 1967. Os camelôs do lugar fazem questão de só falar árabe, sentem-se ofendidos se alguém falar em hebraico e garantem que aquele território é palestino.
Do alto do Monte das Oliveiras vê-se o Vale do Cedron, onde na época de Cristo era um lugar imundo, com muito lixo e para onde eram mandados os leprosos. Vê-se uma das portas que dá acesso a Jerusalém, a Porta Dourada, que atualmente está lacrada. Segundo a tradição judia, o Messias irá entrar por aquela porta. Para impedir que isso aconteça, os árabes a fecharam...
Aos pés do Monte das Oliveiras fica um cemitério judeu. Os judeus pagam uma fortuna para serem enterrados naquele local, pois acreditam que quando o Messias chegar, no Juízo Final, serão os primeiros a ressuscitarem.
Do Monte das Oliveiras vê-se em destaque, dentro da ci¬dade velha de Jerusalém, a Mesquita de Omar, também conhecida como Domo da Rocha, com sua enorme cúpula dourada. O nome "Mesquita de Omar" é incorreto. Na realidade, Omar Ibn Al-Khattab, o segundo califa, ao conquistar Jerusalém em 637, apenas identificou o local onde Maomé tinha subido aos céus, segundo a tradição islâmica. Foi o califa Abdel Malik Ibn Marwan, em 691, quem realmente construiu a mesquita que se tornou o terceiro local mais sagrado do islamismo, depois de Meca e Medina. Para isso, durante 7 anos ele mandou buscar tesouros egípcios para pagar o ouro da cú¬pula dourada. A Mesquita de Omar continua sendo uma das edificações mais belas em todo o mundo.
Tanto em Jerusalém, quanto no Sinai, vimos muitas viaturas brancas com a inscrição UN (United Nations), usadas pelas Nações Unidas em missão de peacekeeping (manutenção da paz).
Finalmente conhecemos de perto Yeurushalaym, em hebreu antigo a "Cidade da Paz", a nossa Jerusalém e Jerusalém de todos os povos da terra, a cidade santificada pelas três religiões monoteístas - judia, cristã e islâmica -, reivindicada por dois povos e habitada por quinze comunidades. A história da Cidade Santa data de aproximadamente 3.000 mil anos atrás, quando o Rei Davi fez dela a sua Capital.
Entramos na Jerusalém antiga, cercada por muralhas, por sua porta principal, a Porta de Damasco. Tem este nome porque está voltada para a capital da Síria. Há, ao todo, 8 portas. Destacam-se, ainda, a Porta Nova e a Porta de Jafa, esta última voltada para o antigo porto de mesmo nome, agora um subúrbio de Tel Aviv. A cidade velha é pequena, não passando de 4 km² de área dentro das muralhas.
Era uma sexta-feira, dia santificado para os muçulmanos, e pudemos ver uma enorme multidão de árabes que se comprimiam nas estreitas vielas da cidade antiga. Anunciando seus produtos aos gritos, com mil e uma quinquilharias, vendendo de tudo, de pão a cobra, é fascinante aquele genuíno mercado persa.
As ruelas são praticamente intransitáveis no quarteirão árabe. Avançamos com muita dificuldade por entre a multidão, filmando e fotografando tudo. Além do quarteirão árabe, a cidade é ainda dividida em quarteirões cristão, judeu e armênio. Compramos algumas lembranças em metal e em madeira - como uma escultura da Sagrada Família, em oliveira talhada -, além de algumas camisetas estampadas na hora. O Freitas nos levou para conhecer a Via Crucis, o longo caminho de sofrimento de Cristo, até a Basílica do Santo Sepulcro, construída pelo imperador Constantino. No Santo Sepulcro pudemos ver onde Ele foi sepultado e uma rocha fendida nos lembra a ocorrência de um terremoto por ocasião da morte de Jesus. A Basílica é ricamente decorada em estilo ortodoxo grego e é grande o número de fiéis que lá acorrem. Aproveitamos para rezar e meditar sobre os mistérios de Deus ter-se tornado homem para morrer pela nossa salvação.
Fora do templo, os "vendilhões" nos fizeram comprar um kipá, aquele chapeuzinho sem abas que os judeus colocam na cabeça para as orações, ou mesmo quando andam normalmente pelas ruas da cidade, como vimos muitas vezes.
Em vários pontos da cidade antiga podem ser vistas es¬cavações arqueológicas, que comprovam as diferentes épocas da cidade milenar. Basta dizer que a antiga cidade de Jerusalém já foi destruída 17 vezes e reconstruída 18.
Passando pelos vários quarteirões, pudemos ver a diferença entre os mesmos, em matéria de higiene. No setor árabe, a multidão é compacta e existe muita sujeira. Em compensação, os árabes são joviais, querem nos vender qualquer coisa, provocam o jogo da pechincha - uma marca bem árabe. No setor judeu a limpeza é absoluta, mas o movimento de pessoas é reduzido. Carrancudos, os judeus não se importam se você vai comprar algum objeto com eles. Dizem os preços das coisas com uma total indiferença, como se fosse um grande sacrifício falar com o turista. Até parece que não precisam daquilo para viver.
O Muro das Lamentações foi o lugar que mais nos impressionou em Jerusalém. Os rabinos, todos vestidos de negro, com aquelas tranças de cabelo enormes, orando em tom de lamento, balançando suas cabeças para um lado e para outro, chorando a destruição do Templo Sagrado, provocam um sentimento de muito respeito. Com chapéus de abas largas ou com enormes gorros de pele, era fácil identificar a nacionalidade de muitos dos rabinos presentes no largo pátio e em frente ao Muro.
Após a destruição do Templo de Salomão por Nabucodonosor, um outro templo foi erguido por Herodes, o Grande. Esse Segundo Templo veio a ser destruído por Tito, em 70 de nossa era. O que sobrou desse Templo é a parede ocidental, conhecida como "Muro das Lamentações". Os judeus ortodoxos querem construir o Terceiro Templo no lugar do Primeiro, mas não podem porque os árabes construíram no local o que hoje se conhece como a Haram Ash-Sharif (Esplanada das Mesquitas), destacando-se a Mesquita de Omar. A cúpula desta Mesquita ficou ainda mais brilhante em 1994, quando o Rei Hussein, da Jordânia, despendeu 8 milhões de dólares para cobri-la com 85 kilos de ouro misturado com cobre e níquel. Como se sabe, mesmo após a Guerra de 1967, quando Israel tomou o restante de Jerusalém dos árabes, a wafd (custódia) da Haram Ash-Sharif continuou sendo da Jordânia. Além da Arábia Saudita, os palestinos de Yasser Arafat também querem ser os guardiães daquele sítio sagrado, assim como os mullahs (religiosos) ira¬nianos. Os judeus ultra-ortodoxos querem destruir as mesquitas, jogando bombas e enormes blocos de pedra, do alto, a partir de helicópteros, para conseguir o espaço necessário para a construção do novo Templo.
O Muro das Lamentações tem o lado esquerdo reservado só para os homens, que devem cobrir suas cabeças, usando chapéus negros ou um kipá, que é emprestado na entrada. No outro lado, separado por uma cerca, só as mulheres têm acesso. As mulheres também devem cobrir suas cabeças com um lenço para ter acesso ao Muro. É comum se deixar um bilhete com algum pedido secreto nas frestas do Muro. Dizem que o pedido será atendido.
Jerusalém, que deveria ser a Cidade da Paz, apresenta um conflito insolúvel. Os judeus a fizeram sua capital, embora todos os países se façam representar por suas embaixadas em Tel Aviv. O Conselho Nacional Palestino - uma espécie de parlamento no exílio -, por sua vez, decretou, em 1988, Jerusalém como Al-Qods, em árabe "A Santa", e capital de um Estado palestino, que compreenderia a Cisjordânia e a Faixa de Gaza. Os árabes têm em Jerusalém a Esplanada das Mesquitas, junto ao Muro das Lamentações e temem que os judeus destruam aquele que é o terceiro lugar mais santo do islã, para reconstruir um novo templo. Além disso, há o mundo cristão, que tem em Jerusalém alguns dos seus locais mais sagrados, como o Santo Sepulcro, a Capela da Ascensão, o Monte e o Horto das Oliveiras e a Via Crucis. A internacionalização de Jerusalém foi prevista pela ONU quando em 1947 fez a partilha da Palestina, dividindo o país em território judeu e palestino. Os judeus aceitaram a resolução da ONU, apesar das hostilidades do movimento sionista, porém os países árabes a recusaram totalmente, declarando guerra aos judeus. E o problema persiste até hoje, sem solução à vista.
Cesaréia Marítima
No dia seguinte, um sábado, o Freitas, antes de seu costumeiro churrasco no parque, nos levou para conhecer a antiga cidade de Cesaréia Marítima. Era o local onde os navios romanos aportavam, trazendo tudo o que necessitavam para dominar a Palestina. Lá pudemos admirar um anfiteatro em bom estado que dá vista para o Mar Mediterrâneo e que foi reformado para ser palco de shows diversos. Naquele teatro romano, alguns cristãos também foram atirados aos leões, como se fazia no Coliseu em Roma, durante a época das duras perseguições. Junto ao anfiteatro o Rei Herodes possuía um palá¬cio. Hoje, restam como testemunhas apenas alguns enormes blocos e colunas de pedra tombadas e espalhadas no local.
Há enormes estátuas de pedra nas imediações, porém com as cabeças decepadas. Observa-se que as várias levas de invasores, após o domínio romano, só não destruíram o que não foi possível.
Impressionam as largas muralhas, com fosso d'água - na época com crocodilos, com certeza -, para proteção da pequena cidade. No antigo porto podem ser vistas ruínas do pier da época romana e restos de construções que misturam vários estilos arquitetônicos, como o romano, o bizantino e o árabe. Em Cesaréia destaca-se, ainda, um gigantesco aqueduto em bom estado de conservação.
Após registrarmos tudo com fotos e filmagem, voltamos a Tel Aviv para um churrasco em plena praça, onde até batemos uma bola.
Nazaré de Jesus, Maria e José
Domingo, dia 9 de junho, conhecemos a cidade de Nazaré e vários outros lugares sagrados em volta do Mar de Tiberíades, conhecido também como Mar da Galiléia.
Na viagem até Nazaré, pudemos novamente contemplar a exuberante agricultura israelense, toda mecanizada, na fértil planície de Esdrelon. Uma música que o Freitas colocou no toca-fitas do carro, sobre Jesus de Nazaré, do Padre Zezinho, ia preparando nosso espírito para a visita à cidade da Sagrada Família.
Na subida para Nazaré, pudemos observar novamente a enorme quantidade de pedras que há também naquela área. Nem por nada que nos tempos bíblicos eles utilizavam pedras para apedrejar os pecadores... Como Nazaré e Jerusalém, as cidades todas são construídas em cima dos morros ou de colinas. Antigamente, era para facilitar sua defesa frente aos inimigos. E a planície, ainda hoje, é destinada exclusivamente para a plantação.
A cidade de Nazaré é dominada pela Basílica da Anunciação, que se destaca imponente. É uma cidade de tamanho médio, numa parte predominando os cristãos e os árabes, e noutra os judeus, que habitam a Nazaré Illiat. A Basílica fica no local onde era a casa de Maria, mãe de Jesus. Rezamos novamente uma ave-maria na nave principal e depois pas¬samos a admirar uma série de quadros, com imagens de Nossa Senhora dos mais variados países, como Nossa Senhora de Guadalupe, de Fátima, Aparecida. Há até uma Nossa Senhora com feições japonesas.
Em seguida conhecemos o local onde era a oficina de São José. Possui escavações na rocha, uma cisterna d'água e vários cubículos. Era um sistema inteligente para morar, dentro da rocha. Além de uma maior segurança, lá dentro é muito mais fresco no verão do que no lado de fora, com o sol escal¬dante. E no inverno deve ser também mais quente. A mesma observação fizemos mais tarde quando entramos no túmulo de Lázaro, em Betânia: dentro estava bem fresquinho e fora um sol arrasador, naquela região onde começa o Deserto da Judéia.
De Nazaré fomos a Caná da Galiléia, o local do 1º milagre de Jesus, quando transformou água em vinho. Lá compramos alguns souvenirs, como uma lamparina a óleo de oliva, semelhante àquelas usadas na época de Cristo. Como nesse local se celebrava um casamento na época do milagre - as bodas de Caná -, há dentro da igreja vários quadros e bandeiras, dos países mais diversos, com pedidos de casais que aí deixaram essa lembrança para que se tornassem muito felizes. O Freitas celebrou, vamos dizer assim, novas bodas em Caná, quando um padre "confirmou" o casamento com sua mulher Edinéa na época que estiveram morando em Israel. É um costume que muitos casais seguem, provenientes dos mais remotos pontos do planeta.
De Caná seguimos para a cidade de Tiberíades, a principal cidade junto ao Mar da Galiléia, famosa pelas fontes termais, hotéis modernos e spa. De lá fomos a uma série de locais bíblicos, todos próximos ao Lago. Passamos por Magdala, terra natal de Maria Madalena, que era um entreposto comercial importante dos romanos, com vias pavimentadas e poços para banhos. Subimos o Monte das Bem-Aventuranças, onde Jesus proferiu as 8 bem-aventuranças à multidão. Há uma basílica, em forma octogonal, para lembrar a pregação de Cristo. Ao lado da basílica há um renque de eucaliptos, junto à estrada, e deixamos nossos nomes gravados numa daquelas árvores.
Yam Kinnéret, o Mar da Galiléia
Continuando nossa peregrinação, seguimos para Tabgha, onde fomos conhecer o Mar da Galiléia, ou Yam Kinnéret, como é conhecido pelos judeus. O local é muito bonito, com flores e riachos, onde uma placa pede silêncio para que os peregrinos possam se concentrar nas orações e nas meditações.
Junto ao Mar da Galiléia há uma igreja sobre uma rocha para simbolizar o primado de Pedro: "E eu digo-te que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela" (Mateus 16: 18). Dentro daquela igreja há uma imensa pedra, a Mensa Christi (Mesa de Cristo), abaixo do altar, sobre a qual Jesus teria repartido refeições com seus discípulos. O Mar da Galiléia estava com suas águas em um nível muito baixo, por causa da falta de chuvas. Muitas pedras podiam ser vistas nas suas margens. O Mar é na realidade um lago bastante grande, por isso tem esse nome. É um mar interior, de água doce, que fica numa depressão de mais ou menos 200m abaixo do nível do mar e é alimentado, principalmente, pelo Rio Jordão. As águas do Kinnéret alimentam o Aqueduto Nacional, levando o precioso líqüido para vasta região do país. As águas do Mar da Galiléia continuam pelo Rio Jordão até o Mar Morto, onde a água é muito salgada e não existe nenhum tipo de vida.
Ainda em Tabgha visitamos a igreja que marca o local da multiplicação dos pães e peixes. A igreja é dirigida por alemães e, junto ao altar, há um mosaico da época bizantina, retratando o milagre: 2 peixes e um cesto com pães. Aproveitamos para comprar alguns pratos em cerâmica que nos fazem recordar até hoje aquele passeio. Naquela região há alguns kibbutzim e pudemos novamente ver muitas oliveiras, comuns em todos os locais por onde passamos. A oliveira é uma árvore que se desenvolve nos terrenos mais inóspitos, em barrancos cheios de pedra. A oliveira, em Israel, é um símbolo de resistência, assim como são as tamareiras nos desertos que conhecemos no Egito.
De Tabgha fomos a Cafarnaum, onde há vestígios da antiga cidade, pequena, toda em ruínas. Há algumas colunas majestosas que sobraram de uma antiga sinagoga, que nos fazem lembrar dos tempos em que Jesus pregava seus ensinamentos numa sinagoga em Cafarnaum. Ao lado da sinagoga, há um Memorial dedicado a São Pedro, que está suspenso sobre as ruínas da casa daquele apóstolo. Bem ao lado do Mar da Galiléia. Como sabemos, Pedro era pescador. Há nas imediações uma linda igrejinha em estilo ortodoxo russo, com cúpulas que lembram a Basílica de São Basílio em Moscou. Em Cafarnaum pudemos ver o único vestígio ainda existente, feito em alto-relevo numa pedra, da famosa Arca da Aliança. Junto às ruínas de Cafarnaum há um marco com a inscrição Via Maris (Estrada do Mar), que balizava a antiga estrada romana que vinha dar no Mar da Galiléia.
Depois, contornamos o Mar da Galiléia, passando por sobre o Rio Jordão numa ponte estreita com estrutura metálica e piso de madeira. O Jordão é bastante estreito, sem grande volume de água. É menos caudaloso que o Rio Jordão que passa por Guarapuava, no Paraná. Passamos perto das Colinas de Golã, que Israel tomou da Síria na Guerra dos Seis Dias, em 1967, e continuamos na estrada que circunda o Mar da Galiléia, junto às escarpas da fronteira com a Jordânia. No percurso, o Freitas nos mostrou a região de Gerasa, local em que duas pessoas estavam possuídas pelo maligno e Jesus ordenou que saíssem, permitindo que se incorporassem nos porcos que estavam nas imediações. Os porcos, em disparada, se atiraram num despenhadeiro e morreram nas águas do Lago (Mateus 8: 28-32). Há vestígios de uma antiga cidade no local, agora em completa ruína.
Continuamos a observar uma grande quantidade de kibbutzim instalados naquelas paragens distantes, com sua vida muito bem organizada, casas de bom acabamento e muito espaço. É de admirar que essa população, proveniente principalmente da antiga União Soviética, tenha se instalado nesses locais isolados do resto do país, bem na barba do inimigo. Mas era certamente a política de ocupar todos os espaços do país, incluindo o território da Cisjordânia. Com a aceleração do número de assentamentos para judeus no país, naquela época, distribuídos estrategicamente, a idéia não poderia ser melhor para fazer valer a máxima uti possidetis - ocupar para possuir.
Finalmente, conhecemos de perto o Rio Jordão, logo na saída do Mar da Galiléia, em direção ao Mar Morto. No Jordão aproveitamos para as fotos e filmagem, além do indispensável banho dos pés em suas águas. Fizemos um lanche e levamos um vasilhame de água colhida do Jordão para guardar de lembrança.
Já à tardinha daquele domingo inesquecível em nossas vidas, cansados, andando o dia inteiro, subimos o Monte Tabor, de 400 m de altura, onde há em seu cume a Basílica da Transfiguração. Subimos até o alto de carro, por um caminho estreito e perigoso. Parece que a gente vai despencar a qualquer momento. Mas vale a pena. Belvedere de 360 graus, a paisagem do alto do Monte Tabor é lindíssima, com os vilarejos nas encostas das colinas e a planície cheia de plantações, parecendo tapetes de cores diversas
Antes de retornarmos a Tel Aviv, passamos rapidamente pela cidadezinha de Naim, habitada por árabes, para ver a igreja que lembra a ressurreição do filho de uma viúva, feita por Jesus.
Uma estória de Jesus
Meu amigo Eli Meireles contou uma estória interessante sobre Jesus Cristo. Que certamente não irá agradar às feministas xiítas.
Em sua peregrinação pela Terra Santa, levando os ensinamentos da caridade, do perdão e do amor ao próximo, ia Jesus no lombo de seu burrinho. Ao descer uma encosta, junto ao Rio Jordão, o burrinho acabou ficando preso em um lamaçal. Por mais que Jesus puxasse o jumento pelo cabresto, não conseguiu desatolar o animal.
Perto do local havia um grupo de mulheres, cantarolando e rindo bastante, lavando suas roupas no Rio Jordão. Jesus se aproximou das mulheres para pedir auxílio para puxar o burrinho para fora do lodo, mas só ouviu impropérios: "Vai embora, vagabundo, vai procurar o que fazer". Jesus disse às mulheres que iriam se arrepender muito no futuro pela má vontade demonstrada, porém elas apenas continuaram rindo e fazendo pouco caso do Mestre.
Dirigiu-se, então, Jesus para uma birosca onde havia alguns bêbados em algazarra, com jarras de vinho nas mesas. Jesus solicitou o auxílio dos pinguços e estes imediatamente foram ajudar o Mestre a tirar o jumento da lama. Jesus abençoou a estes pelo auxílio prestado, porém amaldiçoou as mulhe¬res que ficaram indiferentes ao pedido de ajuda.
Essa a razão pela qual, até hoje, por mais pobres e sem dinheiro que estejam os cachaceiros, estes sempre encontram um jeito de conseguir a bebida de seu vício. As mulheres, porém, por mais que se dediquem a limpar suas casas, a dar um capricho especial em cada detalhe, todo santo dia a casa aparece desarrumada e suja, há roupa para lavar, comida para fazer, começando a rotina do mesmíssimo serviço de cada dia, como uma maldição sem fim.
Tel Aviv e Jafa
Na segunda-feira, dia 10 de junho, permanecemos em Tel Aviv para resolver alguns problemas, como marcar a data da volta ao Cairo e trocar algum dinheiro. A moeda local é o shekel novo. O nome da moeda é, sem dúvida, uma lembrança do tempo em que a inflação em Israel era à brasileira, quando a moeda se desvalorizava muito e teve que ser substituída por uma "nova" moeda. Um dólar, na época, valia 2,6 shekels novos. Os preços em Israel são bastante salgados, se comparados aos do Egito. Mas as frutas e legumes têm um preço semelhante. De Israel levamos feijão preto, que não existe no Cairo, e café, de qualidade superior à encontrada no Egito.
Em Israel, os jornais apresentam as datas do calendário gregoriano e do calendário hebraico. Em 1995, por exemplo, o ano novo judeu (Rosh Hashaná) começará no dia 24 de setembro, e será o ano 5756.
Aproveitamos a 2ª feira para passear por Tel Aviv e sua orla marítima. Conhecemos uma feira nos moldes das en¬contradas no Rio de Janeiro, onde se compra quase de tudo. Os israelenses são bastante estúpidos no atendimento ao estrangeiro. Inquiridos sobre preços, demonstram má vontade em responder. Meu filho Wagner pegou um objeto para manusear e o dono da banca arrancou o mesmo de suas mãos, empur¬rando e quase derrubando meu filho no chão.
Conhecemos a antiga cidade de Jafa, cidade histórica, agora engolida pela Grande Tel Aviv. Nessa cidade ficava o porto que recebia o cedro do Líbano para a construção do Templo de Salomão, em Jerusalém. Dá ainda para ver as ruínas do antigo porto, com um quebra-mar mais ao largo. Naqueles dias, o pacifista israelense Nabie Nathan estava em um barco, em alto-mar naquela região, fazendo greve de fome em protesto ao modo como o governo israelense vinha conduzindo sua política frente aos palestinos nos territórios ocupados. Em Jafa, com uma população predominante de árabes, pudemos ver alguma sujeira pelas ruas e sentir o cheiro típico da comida cheia de condimentos. Na partição da Palestina, feita pela ONU, além de Gaza e da Cisjordânia, o enclave de Jafa estava também previsto para ser território palestino. Jafa é o local onde o profeta Jonas foi expelido da boca da baleia.
Uma coisa que nos impressionou em Tel Aviv foi a limpeza das ruas, as flores e os inúmeros parques verdes para recreação da população. O trânsito é muito disciplinado. Todo mundo respeita os sinais, inclusive os pedestres. Estes, só atravessam as ruas nas faixas apropriadas e quando o sinal está verde. Se os pedestres não respeitarem os sinais, ou atravessarem fora de sua faixa restrita, podem receber multa. O interessante é que não se vê polícia por perto e todos cumprem as leis. E o pedestre sempre tem preferência: pisou na faixa, o carro é obrigado a parar, mesmo que o pedestre esteja errado. Assim, um atropelamento, em Israel, é uma dor de cabeça que o motorista terá pelo resto da vida. No Brasil acontece o contrário. Quando você vai atravessar uma rua, com a mulher ou com as crianças, precisa tomar algumas precauções, com medo dos motoristas: "Vamos correr, que ele já nos viu!"
Na terça-feira, dia 11 de junho, fomos conhecer a região do Deserto da Judéia, passando por Jerusalém para ir até Jericó e depois até o Mar Morto.
Jericó, a cidade de 70 séculos
Na descida de Jerusalém para Jericó, paramos num local onde há uma igrejinha para nos lembrar a parábola do Bom Samaritano. Junto à igreja, há uma tenda árabe típica, onde um beduíno nos brindou com uma música extraída de um violino rústico e depois nos fez ouvir um ritmo estranho, feito com um soquete de madeira batendo numa jarra de barro. Com água fervendo sobre as brasas, ofereceu-nos um copo de chá. Retribuímos a gentileza dando-lhe um bakshish (gorjeta). No mesmo local, estava parado um ônibus com turistas brasileiros. Havia entre eles até uma pára-quedista do Exército, já na reserva. Meu amigo tenente Adílson, do Rio de Janeiro, quando escrevi a respeito, me disse que eu tinha visto uma miragem no deserto. Os milicos ganham muito pouco para viajar tão longe...
Nas imediações, paramos para observar, ao longe, um mosteiro que fica dependurado num canyon, com bastante verde em volta - um verdadeiro oásis perdido no meio do deserto. E, à esquerda, uma pequena queda d'água, com um canal que atualmente leva água até Jericó. Na época de Herodes, havia um aqueduto que levava água de Jerusalém até o seu palácio em Jericó.
Quando voltávamos para o carro, vimos esquadrilhas de aviões a jato passando a baixa altitude, voltando de um bombardeio no sul do Líbano, como soubemos depois pelos jornais. É a máxima do "olho por olho, dente por dente" que faz Israel revidar, com extremo rigor, todos os ataques que sofre, principalmente os do sul do Líbano, onde xiítas islâmicos apoiados pelo Irã e pela Síria - do grupo Hizbullah - continuamente atingem os israelenses com bombas, destacando-se o míssil soviético katiúcha, também conhecido por "órgão (sexual) de Stálin".
Até hoje, os judeus quase não se misturam com os árabes. Há vilas e cidades só de árabes, que a gente logo identifica pelos minaretes das mesquitas, e outras só de judeus. Os árabes nos territórios ocupados têm a placa de seus carros com cor diferente da dos judeus, para fácil identificação, e precisam de autorização para se locomoverem no país. Embora a mão-de-obra em Israel seja composta, principalmente, por árabes dos territórios ocupados, estes são tratados como cidadãos de segunda categoria, recebendo somente 50% do salário de seus colegas judeus.
A presença de patrulhas do exército israelense nos territórios ocupados é uma constante, com jipes muito bem armados, vidros protegidos com telas de ferro, para fazer face às pedradas dos palestinos, e um vergalhão resistente na frente da viatura para evitar que algum cabo de aço degole os soldados dentro do jipe.
As mulheres servem no exército normalmente, durante dois anos. Os homens, três anos. Todos eles andam sempre armados e levam o fuzil para casa. Quando tiram serviço à beira-mar, é comum os soldados tirarem a roupa para um rápido mergulho. Nesse ponto, eles têm uma certa liberdade. Os soldados não se importam muito com a apresentação pessoal: barba por fazer, cabelos longos, uniformes em mau estado e botas sem polimento. Mas o treinamento é duro. Com inimigos por todos os lados, a "síndrome do holocausto" é uma crença de que a sobrevivência do Estado de Israel está em risco permanente.
A mídia local e a americana trabalha muito bem este aspecto da ameaça permanente, para angariar simpatia ante os olhos do mundo inteiro. Para isso, todos os ataques muçulmanos são imediatamente explorados pela imprensa e o revide dos judeus quase não aparece nos jornais locais, apenas na imprensa internacional. O lobby judeu é muito forte na imprensa mundial. Se você hoje sintonizar a BBC de Londres, ouvir a Voz da América ou abrir qualquer periódico europeu ou americano de peso, verá que a questão árabe-israelense é explorada diariamente, mesmo que não tenha ocorrido nenhum fato novo. É aquele martelar eterno, como "água mole em pedra dura, tanto bate até que fura" - o mesmo que ocorre hoje com a pressão americana sobre Cuba ou a recente invasão ao Haiti. O objetivo, nos casos acima citados, é sempre o mesmo: conquistar corações e mentes.
Por outro lado, há sempre mais de uma "verdade" na imprensa árabe. Por exemplo, quando guerrilheiros no sul do Líbano mataram, em 1991, 3 soldados israelenses e feriram 5, a TV egípcia só noticiou os feridos.
Os melhores soldados e pilotos de Israel vêm dos kibbutzim, onde muitas vezes a população judia já sentiu na pele o confronto com árabes e, por isso, o sistema organizacional comunitário é muito maior do que nas cidades. No primeiro ano de serviço militar vão tirar guarda nos territórios ocupados, onde há mortes praticamente todos os dias. Muitos não agüentam a pressão e acabam se suicidando.
Não se vêem quartéis. Tudo deve estar escondido nos desertos ou debaixo da terra. O segredo para eles é fundamental, pois têm o território diminuto e estão cercados por inimigos por todos os lados. O Freitas disse que nem as baterias de mísseis antimísseis americanos Patriot eles deixaram ver de perto. Ficaram protegidos atrás de dunas de areia, em Tel Aviv, longe dos olhos da população, quando foram instalados para fazer frente aos mísseis Scuds lançados pelo Iraque na Guerra do Golfo, em 1991.
Jericó é uma cidadezinha humilde, onde há uma série de barracos que abrigam os refugiados palestinos, com aspecto de favela. Pode-se ver ruínas da época romana. Jericó é considerada a cidade mais antiga do mundo, com mais de 7 mil anos de existência. A cidade fica dentro dos territórios ocupados por Israel em 1967 e faz parte do Acordo entre Israel e a OLP, em setembro de 1993, que estabelece uma autonomia relativa dos palestinos sobre Jericó e a Faixa de Gaza, a ser feita paulatinamente, com a iniciativa "Faixa de Gaza e Jericó primeiro" - dando a entender que a autonomia será ampliada, mais tarde, para o resto da Cisjordânia. Com atentados em ambos os lados, a exemplo do grupo extremista judeu Espada de Davi, que promoveu um atentado através do médico Zaruch Goldstein na Mesquita dos Patriarcas, em Hebron (18 Jul 94), ou o atentado do grupo islâmico Hamás contra um ônibus em Tel Aviv (19 Out 94), será muito difícil incrementar esse recente Acordo. Que, apesar de tudo, é um importante passo para resolver de vez a questão palestina, embora Yasser Arafat tenha alertado sobre o processo de "balcanização" que poderá ocorrer na região, com enclaves judeus e palestinos se firmando em toda a Cisjordânia.
Em Jericó o Freitas nos mostrou uma espécie de árvore citada na Bíblia, o cicômoro. Foi do alto de um cicômoro que o pequeno Zaqueu subiu para ver Jesus, quando este passava por Jericó, no meio da multidão (Lucas 19: 2-4).
Depois, ainda em Jericó, fomos conhecer um mosteiro encravado nas encostas de uma montanha, o Monte da Tentação. Segundo a tradição, foi naquele Monte que Jesus sofreu uma das tentações do demônio (Mateus 4: 8-10). Do alto do mosteiro tem-se uma linda vista do oásis de Jericó e das plantações ao pé do Monte da Tentação que servem de sustento aos monges. Em frente ao mosteiro há outra montanha, com uma casamata e antenas que são os olhos israelenses que perscrutam o horizonte, para não permitir a surpresa do ataque inimigo.
Uma coisa ficou firmada em minha memória, ao contornarmos quase todo o país, junto à fronteira de Israel com a Jordânia. As fronteiras geográficas atuais ajudam muito a manutenção da existência do Estado de Israel, com o profundo vale do Rio Jordão, com penhascos nos dois lados, o que dificulta muito a invasão ao país. É uma barreira natural. Se Israel devolver os territórios ocupados aos palestinos, Tel Aviv poderá ser alvo, não dos mísseis katiúcha, mas de simples canhões.
Menor que o menor estado brasileiro, que é Sergipe, computando-se os territórios ocupados, Israel passaria a sofrer um pesadelo permanente de o holocausto vir a qualquer momento. Como nação soberana, para ter alguma segurança, as fronteiras atuais não deveriam ser modificadas. Mas existe o povo palestino, que viveu naquelas terras por mais de mil anos, que tem sua tradição e sua cultura já reconhecidas em todo mundo. Que precisa, também, de sua pátria.
Os palestinos já poderiam ter seu território, desde 1948, quando a ONU fez a partilha da Palestina. Porém, os países árabes vizinhos de Israel atacaram o recém-nascido Estado judeu algumas horas depois de sua criação, e o problema perdura até nossos dias, depois de quatro guerras que não resolveram nada.
Os judeus proclamam que a Terra Prometida lhes foi doada por Deus. Que isto está registrado nas Sagradas Escrituras. Os árabes, por sua vez, dizem que por causa da rebelião dos israelenses contra Moisés, durante a saída do Egito, tiveram como castigo o sofrimento de 40 anos no de¬serto do Sinai e, por isso, não têm mais o direito sobre a Palestina. O Corão é claro quando diz que "um dia toda a Palestina será dos muçulmanos" (21: 106-113). Convém lembrar o lema dos grupos fundamentalistas islâmicos Hizbullah (Partido de Deus), no sul do Líbano, e Hamás (Entusiasmo), em Israel: "A guerra continuará até que Israel deixe de existir e até que o último judeu no mundo seja eliminado".
Visita a Qumran e ao Mar Morto
Depois de conhecer Jericó, fomos em direção ao Mar Morto. O calor estava de lascar. Junto ao Mar Morto, depois de vermos o marco que registra a maior depressão da Terra - 394 m abaixo do nível do mar -, fomos a Qumran.
Nesse local, em 1947, foi feito um achado arqueológico dos mais importantes, em termos filosóficos e teológicos, tanto para a religião judaica, quanto para a religião cristã e a muçulmana. Um pastor, ao procurar uma ovelha desgarrada, acidentalmente achou numa caverna jarras contendo vários manuscritos referentes a comentários sobre textos bíblicos (Naum, Habacuc, os Salmos). Estes e outros manuscritos descobertos posteriormente, em Qumran e suas imediações, vieram a se tornar os famosos "Manuscritos do Mar Morto". Além dos textos bíblicos, os Manuscritos incluem conjunto de normas que a comunidade de Qumran seguia, textos sobre magia e astrologia, hinos místicos e visões sobre o fim do mundo. Os Manuscritos do Mar Morto, de Edmund Wilson, e Para Compreender os Manuscritos do Mar Morto, de Hershel Shanks, são dois importantes livros es¬critos sobre o assunto. Até hoje, nem tudo está decifrado, porque os judeus dificultaram o acesso a esses documentos até há pouco. Muitos desses manuscritos encontram-se no Museu do Livro, em Jerusalém, um prédio projetado pelo brasileiro Oscar Niemayer. Sabe-se que os documentos serviram para esclarecer vários aspectos da incipiente religião cristã, muito mais influenciada pelo judaísmo do que se imaginava.
Qumran era habitada por essênios, em sua maioria monges, uma seita da qual participava João Batista. Habitavam em escavações nas encostas rochosas do Wadi (Vale) Qumran para se protegerem dos inimigos, principalmente das legiões romanas, que acabaram arrasando o local em 67 de nossa era. Jesus Cristo, durante certa época de sua vida, teria vivido com os essênios.
Junto ao local onde paramos, ao lado de uma loja, há vestígios da antiga comunidade de Qumran, agora reduzida a escombros de pedra. Ao longe, nas montanhas, podem ser vistas escavações nas rochas, como grutas, que teriam servido de moradia aos essênios.
Para guardar de lembrança, compramos uma miniatura da jarra famosa e cópias de manuscritos, além de um folheto explicando a importância daquele achado. Na mesma loja compramos lembrancinhas, como chaveiros, selos para meu filho Wagner, agora um colecionador convicto. Do alto, pendurado dentro da loja, enquanto andávamos de um lado para outro, várias câmaras de TV nos vigiavam, com vários "olhos" embutidos num mesmo aparelho, em seu movimento giratório, parecendo um disco voador.
De Qumran fomos até a margem do Mar Morto. Lá aproveitei para tirar algumas fotos de meus filhos tomando banho naquelas águas extremamente amargas, praticamente sentados sem se afundarem, devido à alta densidade de suas águas. Deve-se ter cuidado para não molhar os olhos com aquela água, pois arde muito. Alguns banhistas estavam deitados ao sol com os corpos untados de lama negra que há na margem do Mar Morto. Dizem que tem poder medicinal.
Junto ao sul do Mar Morto ficavam as cidades de Sodoma e Gomorra, destruídas por um fogo do céu ou meteoritos, por causa de seu pecado. Atualmente, há um novo vilarejo nas imediações, que se chama Sedom.
Junto ao Mar morto fica a elevação de Massada, símbolo da resistência judia contra o invasor romano. Massada era uma fortificação construída por Herodes para se defender dos inimigos. Depois da destruição de Jerusalém por Tito, em 70 de nossa era, a resistência dos judeus continuou até 73, quando Massada foi finalmente tomada pelos romanos. Os últimos judeus, no alto do forte, não se entregaram ao inimigo e preferiram morrer, cometendo suicídio em massa. Sobe-se até o alto de Massada a pé ou em um teleférico. Para Israel, "Massada nunca mais será tomada pelo inimigo".
Na volta para Tel Aviv, passamos por Betânia, agora pertencente à Grande Jerusalém, para conhecer o túmulo de Lázaro. Os árabes, quando conquistaram a Palestina, fecharam a entrada original do túmulo, construindo uma mesquita no local. Um frade franciscano, posteriormente, cavou na rocha um outro caminho que dá acesso à câmara mortuária nos dias de hoje.
Passamos novamente por Jerusalém, onde entramos no Horto das Oliveiras, um jardim com muitas flores e plantas, que estava sendo cuidado por um idoso frade franciscano. Lá podem ser observadas centenárias oliveiras que os botânicos acreditam possam ser da época de Cristo. Junto ao Horto há a Igreja do Getsêmani, também conhecida como Igreja das Nações, no local da traição e sofrimento de Jesus, onde encontramos um outro grupo de brasilei¬ros fazendo sua peregrinação.
Haveria, certamente, outros locais de grande interesse que nós não conhecemos, como o Museu do Holocausto, em Jerusalém, ou uma maquete muito bem elaborada da cidade de Jerusalém, com o 2º Templo, no primeiro século de nossa era. Porém, devido à gentileza do Freitas nos explicando detalhadamente cada ponto histórico, com uma profundeza de conhecimento, muito chegamos a conhecer sobre a Terra Santa em nossa peregrinação. A ele somos eternamente gratos.
Dia 12 de junho voltamos ao Cairo de ônibus. Tudo correu tranqüilo. Até o nosso carro, que havíamos deixado em frente ao Hotel Sheraton, em Dokky, junto ao Nilo, estava sem nenhum problema. Todo coberto de poeira e fuligem negra, só demorou um pouco para ligar o motor. Certamente, o "copinho" do carburador estava seco, sem gasolina...