Mimese

Por Renata souza | 14/01/2019 | Crônicas

                                                                   Mimese

O significado de mimese para Platão e  Aristóteles não era o mesmo, porém a arte não deixou de existir e encantar....

  O dever era realizado depois das tarefas de casa. Tomava um banho e majestosamente pegava o seu caderno. Seu semblante demonstrava concentração. O lápis! Ela nunca usava a caneta, se sentia à vontade com o grafite  e com ele fazia a lição.

  Em pequenos  intervalos , eu , uma criança de dez anos a monitorava. Imaginava-me professora e ela era uma  dama de cinqüenta e  poucos anos, cabelos curtos, grisalhos, de um olhar distante, transparente. Parecia não nos ver.

  O traçado era sempre o mesmo O  subir e descer da vogal cursiva “e” remetia a um vestido de bailarina e assim , vários vestidos se formavam.

  Como o traçado da vogal “e” a Dama dava voltas em outros lares, sem nunca pertencer a nenhum. Quando se cansava, seguia com seus pertences para outro lugar.

  Perguntava-me nesses períodos distantes se ela fazia a lição, que de tão sempre lhe fazia brilhar os olhos. .Sentia-me uma professora frustrada. Tinha certeza que ela voltaria.

  No outono as folhas escolhiam um canto do quintal e lá se acomodavam até que me davam a incumbência  de joga-las dentro de uma cisterna desativada. Sentei-me na borda da cisterna e fiquei admirando o ciclo da natureza e  o  quão belos e distintos são. Folhas bailavam ao sabor do vento e esse movimento  me trouxe a lembrança da minha “aluna” e da professora que morava em mim.

  Um pouco distante havia um portão de madeira. Fixei meus olhos no chão  como numa prece.      Ouvi o portão abrir e lá estava minha aluna, minha querida aluna! Ela adentra de forma cautelosa e insegura. Seus olhos  vazios , dessa vez diziam muito. Seus cabelos estavam mais brancos e algumas rugas a mais. Segurei em suas a mãos e a  conduzi  ao quarto de estudos, nesse caminho percebi que apenas o corpo se transformara, a criança ainda estava ali, dentro do corpo senil.

  Abriu a sacola e retirou o caderno, passou as folhas lentamente e pude perceber que  há muito tempo não o utilizara.

  Páginas e páginas foram cobertas pelos vestidos de bailarina. E, nosso  olhar de cumplicidade nos diziam que não tínhamos motivos para nos preocuparmos.  Sempre haveriam  folhas e bailarinas   O  outono , no seu silêncio, já nos ensinara que tudo tem seu tempo e que apesar das diferenças  entre eu e ela, as estações do ano, Platão e Aristóteles, a arte e suas várias manifestações sempre prevalece.

Renata 01/2019