Mentiras E Mortes

Por Brunno Bueno | 07/11/2007 | Contos

Ela falou por quinze minutos, ele balbuciou alguma coisa concordante e despediram-se calorosamente. Gascoin pensava em como era complicado manter atenção em coisas idiotas quando estava trabalhando de verdade, nas missões. Havia acabado de negociar com um terrorista africano, localizou um líder guerrilheiro e executou um homem em plena luz do dia e sua linda namorada preocupada com propaganda de um carro.

Gascoin gostava dos esportes, de Liv e da vida luxuosa, mas Chase, Lince e Olivier, seus treinadores, haviam incutido nele o eterno desejo pelo perigo e o desrespeito pela vida, incluindo a sua própria.

Era óbvio que sua empresa era de fachada, uma eterna e berrante lavanderia do dinheiro das missões. Liv não imaginava isso, não imaginava muita coisa. Gascoin mantinha tudo e aproveitada honestamente os momentos com ela porque era o que tinha que fazer. Sentia falta mesmo era do perigo.

Terminado o carregamento das baterias era hora de abandonar o casulo, passara uma noite no hotel e isso era demais. Antes, comeu o que havia comprado no bar: queijo fresco salgado que daria ótima nutrição, pão, água e chocolate. No mesmo bar comprou analgésico e um xarope para tosse a base de aminofilina, um poderoso vasodilatador e um preparo avermelhado muito comum tanto na África quanto na Amazônia, chamado sangue de dragão, um forte coagulante e antibiótico.

Fechou a conta pagando com dinheiro e se mandou de carro pela estrada indicada pelo defunto.

 

Noutro ponto da cidade o consórcio contratante estava reunido para discutir a evolução do caso. Tudo acontecia numa mansão à beira-mar deslumbrante, com dezenas de empregados e comida e bebida fartos. Os carros no pátio de entrada significavam que dinheiro não era problema para os comensais.

Um deles discursava sobre suas desconfianças e fazia considerações quanto a uma provável repercussão mundial através da imprensa, se soubessem o que estavam fazendo.

Outro conjecturou que mesmo que um jornalista investigasse o caso, seria difícil ligar a missão ao grupo, o homem contratado era conhecido naquele meio como extremamente eficiente e discreto.

Fora novamente contestado por outro membro desconfiado, avisando ainda que, se caso falhasse, o homem alvo sairia vitorioso e isso bastaria para decretar uma crise sem precedentes no país.

O mais importante deles, não o idealizador, mas um dos membros mais antigos, disse que não sentia medo, como os demais. Somente o fato de o homem estar tentando já era suficiente para que eles tivessem sua pista.

Essa pista era na realidade o verdadeiro trunfo do grupo. Não pretendiam desembolsar mais trinta e cinco milhões de euros, ainda que isso representasse pouco para o orçamento dos reunidos, ou quase nada. Mas não pretendiam manter um homem com uma informação dessas. Definitivamente eles não pretendiam executar a segunda parte do pagamento.

Phillipe Monmartre, o único simpatizante do modus operandi da missão, discordava disso, mas tinha pouca voz entre os homens, era ainda, o branco do grupo.

Execuções eram bem normais nesse tipo de trabalho.

 

Enquanto Liv olhava-se no espelho, ainda somente de calcinha, tentando escolher uma roupa decente que causasse a impressão certa da reunião daquele dia, seu namorado estava num canto obscuro de selva africana com a cabeça de um homem pendendo entre os dedos.

O corpo caiu morto e o mercenário terminou de puxar o capuz preto sobre o rosto. O colete de proteção de calor era bastante eficiente para o tronco, mas a cabeça fervia e isso era ruim. Não tinha um cantil ou coisa semelhante para armazenar água e pretendia manter aquela posição pelo maior tempo possível.

Tinha duas opções: esperar o máximo que agüentasse para depois agir ou urinar no capuz, iria feder bastante, mas a umidade manteria a cabeça fresca.

O mercenário estava agora sobre a copa de uma árvore média, com visão interessante do acampamento itinerante do líder de guerrilha Ira Mancouse e o cadáver abaixo era de um de seus capangas.

O mercenário agradeceu aos céus pela brisa que amenizava a temperatura local. Observou durante seis horas a rotina do grupo e o fato de ninguém ter vindo até aquele local procurar o capanga parecia ser a única falha deles.

Eram altamente organizados: havia sentinelas nos dois pontos de entrada, barracas enfileiradas que pareciam ser para até oito homens, todas voltadas para o mar de onde, naquela época, soprava uma brisa melhor para resfriar os dormitórios. Não havia uma fogueira sequer para não chamar atenção para o grupo. Todos estavam armados como no acampamento de Sebastien, mas as armas estavam destravadas e os homens caminhavam livremente sem os dedos nos gatilhos, não queriam um tiro acidental.

Viu ainda quatro carros, dois jeeps de selva como o que ele havia deixado quilômetros atrás, e dois pouco mais modernos e velozes, talvez para uso do líder. Os carros pareciam ser abastecidos por homens que não portavam armas e eram os únicos que não estavam fumando. Atrás dos carros havia um veículo menor que devia ser um quadriciclo e o mais impressionante, um helicóptero Bell 205 dos anos setenta, marrom, descascado, sem portas, com as tampas do motor abertas e algumas tiras de tecido presas nas pás das hélices, devia estar em manutenção.

O local mais bem guardado, no entanto, era uma barraca pequena que parecia ser bem arejada, provavelmente o paiol dos explosivos.

Eram itinerantes e aquele aparelho pode ter sido avariado há poucos dias, afinal, não tinham um caminhão ou coisa mais pesada.

O mercenário checou seu equipamento, conferiu a quantidade de balas nos pentes e quantas granadas ainda tinha. Sabia que se precisasse sair rápido dali o mais eficiente seria atirar as granadas contra os homens que não fumavam, deviam estar perto do combustível.

Desceu das árvores na manhã seguinte sentindo pouca dor no corpo. Liv não entendia porque, quando estavam em casa, ele às vezes insistia em dormir em lugares desconfortáveis ao invés de ao lado dela na caríssima cama. Dizia que era devido ao calor.

Escondeu parte do equipamento dentro do jeep e dirigiu tranquilamente até a entrada do local. Dois homens apontaram suas armas e mandaram que ele parasse gritando em africâner.

Pôs as duas mãos pela janela do carro dizendo em francês que não estava armado e que somente tinha vindo fazer negócios. Os homens continuavam gritando e mantinham a cabeça dele na mira.

__ Damon Rakun! – gritou rápido.

Os homens pararam de gritar e um deles, ainda de arma em punho, veio até a janela do jeep. Trocaram várias palavras a esmo em diversas línguas até achar uma que se encaixasse. Foi um árabe muito precário por parte do soldado, Gascoin era fluente.

__ Vim procurar o general para fazer negócios. O senhor Rakun me mandou.

__Rakun... Conhecer... Você armado?

O motorista disse que sim e concordou em entrar desarmado. O soldado enviou uma ordem via rádio para a base que ficava a uns trinta metros da guarita improvisada.

Levou o jeep com cautela sempre sob os olhares dos homens do general.

“Eram todos generais” pensou Gascoin.

__ Quem é você agora? – perguntou um homem saindo de uma das tendas. Também portava uma arma, um fuzil AR-15 dos velhos, desfilava uma farda militar de deserto maior que ele, uma faca Raizorn na cintura e um telefone via satélite.

__ O senhor é o general Mancouse? – disse Kunta saindo do jeep.

__ Quem é o senhor? E por que Rakun mandou você até aqui?

Era um negro enorme, de olhos esbugalhados e mantinha sempre o queixo para cima. Falava gritado e debochava de tudo, parecia bastante confiante.

__ Quero fazer negócios com o senhor. Está disposto? Eu não sou do governo, não sou jornalista e preciso de alguns quilos de explosivos para uma missão na Europa.

Foi curto e grosso pra ter logo sua informação.

O general sorriu e parecia medir a atitude do estranho.

__Se você for do governo... – gritava pra todo mundo ouvir -... Eu mesmo vou cortar seus braços, mas como sou generoso, vou deixar você escolher qual braço!

__Esquerdo e acima do cotovelo, por favor. Se não pretende fazer isso, vamos cuidar logo do assunto.

Coragem era uma atitude que Mancouse sabia medir e respeitava. Mandou que o estranho branco entrasse e sentasse numa cadeira leve de metal.

__O que você quer comprar e quanto pode pagar?

__Rakun disse que posso conseguir explosivos com você. Preciso de C4 e não é pouco. Qualquer outra coisa concussiva como granadas de mão e morteiros são bem vindos à minha lista. Estou disposto a pagar cem mil dólares.

Ira sorriu novamente. Tinha os explosivos, tinha as granadas e os morteiros, o que não tinha era onde usá-los no momento e para quem vendê-los. Sequer estava disposto a checar o homem como o fez Sebastien.

__ Quando me trouxer todo o dinheiro e um caminhão capaz de transportar a carga toda, terá seus explosivos – o general então se levantou e voltou com uma garrafa de cachaça para que brindassem a compra – E armas? Não quer comprar armas?

Kunta acendeu um cigarro e tomou um trago da cachaça, não fazê-lo seria desrespeito.

__ Além dos explosivos o senhor ainda tem armas? Isso é bem interessante. Tive um problema com meu fornecedor...

__Ah! Mas eu tenho armas! Todas as armas que você precisar! Rifles, metralhadoras de torre e de mão, pistolas, munição para tudo isso!- vangloriava-se com seus homens.

__Isso é ótimo. O bastante para combater uma força tarefa bem equipada? Por que se for... – tirou a caneta do bolso -... Assino imediatamente – irônico.

__ Senhor Kunta no momento somos dois exércitos em um! – e os homens brandiram as armas.

O mercenário começava a fazer contas de cabeça quando um dos homens sorridentes abraçou o general, disse-lhe alguma coisa em africâner e continuaram sorrindo.

Com um sinal o homem mais próximo e atrás do negociante desferiu-lhe um golpe na nuca com a coronha da arma, o mercenário tombou inconsciente.

O senhor Kunta não era tão ingênuo normalmente. Não a ponto de imaginar que alguma coisa na África passaria despercebida pelos generais. Principalmente em se tratando de matar um agente deles em plena rua. O desgraçado Rakun era uma ponte entre as duas facções, Gascoin ignorou isso. Aquele era o homem responsável por duas coisas basicamente: recrutar novos membros para os grupos e identificar potenciais compradores de armas, drogas e escravos mineradores.

Havia executado a galinha dos ovos de ouro dos caras. Sempre que se mata alguém tem de esperar pelas conseqüências.

Os soldados levaram o mercenário para uma das tendas e puseram-no amarrado a uma cadeira. O general agora mudara de atitude e não estava mais sorridente como antes. Jogaram água para que ele acordasse.

Kunta ainda sentia a forte dor atrás da cabeça e parecia que a sala girava. O primeiro soco foi na têmpora esquerda, ninguém falava nada, apenas batiam. Retiraram a blusa preta e o colete esquisito que ele usava. Alguns soldados puseram-se a examinar as coisas dele.

Perguntavam-se o que poderia ser aquilo, uma fina camada de um tecido que ainda não tinham visto equipada com um medidor eletrônico com um relógio que diminuía. Encontraram o telefone via satélite e uma faca. Durante toda a tarde eles espancaram o mercenário sem, no entanto, deixá-lo inconsciente. Isso por ordem do general que pretendia saber o que ele queria de verdade e porque matara o senhor Rakun.

Kunta respirava com dificuldade e mantinha a cabeça baixa. Um filete de sangue vertia-lhe do nariz, mas era praticamente o único ferimento no rosto. Preferiam bater nas costas e nos joelhos ou, dos lados do tronco.

Gascoin mantinha um corpo forte e ágil. Sua habilidade como acrobata eram impressionantes até para Liv, ex-competidora de ginástica olímpica da Universidade Claude Bartou, Montreal. O namorado preferia o francês Le parkour, uma modalidade de correr pela cidade saltando de prédios, muros, obstáculos de todos os tipos

As contusões dos lados do tronco seriam arrasadores para uma pessoa normal, em pouco tempo e com poucas pancadas os rins entrariam em colapso e isso seria muito ruim, mas Kunta agüentava bem.

Devia ainda receber um prêmio da academia de cinema pela interpretação. A noite quanto um dos homens foi designado para a primeira guarda, Kunta pediu água.

Recebeu um balde de água gelada no peito. Ele gemia e tremia como um refugiado ou um náufrago faminto. A noite africana era escaldante e aquela água era o que o mantinha vivo e são. O soldado ria e falava alguma coisa em africâner. Na manha seguinte o general começou o interrogatório pela pergunta óbvia: quem é você?

Kunta não respondia e a cada momento era mais vilipendiado. Um dos soldados cortou-lhe o braço esquerdo com uma faca, a altura do deltóide, isso dificultaria bastante os movimentos de abdução e pronação daquele braço. Um martelo foi usado sem economia contra o joelho direito e Gascoin sabia que aquilo iria doer por um bom tempo.

 Se era do governo, se era agente estrangeiro, o que queria de verdade e pior, por que havia matado Rakun.

Kunta mantinha sua posição. Durante aquele dia foi impedido de dormir ou comer, manteve-se pensante devido aos baldes de água gelada que quando atiravam contra seu peito pareciam tirar a dor com a mão.

O general fazia perguntas genéricas na tentativa de minar o humor e o moral do prisioneiro. Ele queria mesmo era saber se o homem estava lá para matá-lo ou coisa pior, tomar seu bando de guerrilheiros.

Kunta mantinha o silêncio, o que foi irritando o general. Era exatamente o que o mercenário queria: frustrá-lo para que reagisse rápido.

Mancouse levantou-se da cadeira que estava diante do preso gritando, com os olhos esbugalhados e exigindo respeito em sua casa, Kunta erguer sofregamente a cabeça e sorriu. O general tomado pela raiva deu seu melhor soco na ponta do queixo do detento. Kunta deixou a cabeça cair e começou a babar em seguida.

Jogaram água e tentaram em vão acordá-lo para continuar com as perguntas. Todo torturador treinado, os da CIA, por exemplo, sabem que as únicas coisas que não interessam no momento de um interrogatório é um preso desacordado ou morto.

Início da noite. O preso continuava desacordado com as mãos amarradas atrás da cadeira. Cabeça e corpo jogados pouco para frente. O general deixou um homem de guarda e retirou-se para sua tenda. Quando as risadas do lado de fora cessaram indicando que os homens haviam ido dormir é que os senhores da academia deviam dar o troféu a Kunta.

O soco do general não o desacordou. Chase cumprimentava Gascoin, durante seus seis primeiros meses de treinamento, sempre com um soco na ponta do queixo. Isso porque o russo doido da KGB que treinou Chase fazia a mesma coisa com ela, mesmo sendo uma menina de quatorze anos.

Olhou discretamente ao redor, como se balbuciasse palavras sonolentas. O soldado estava ao lado dele, de frente, uns dois metros à esquerda. Preferia que estivesse à direita porque ainda era o braço bom, mas fazer o que.

As amarras estavam mais soltas devido à água toda que jogaram e Gascoin sabia como deslocar o polegar da mão direita, isso a ajudava mesmo a sair de algemas se não estivessem bem apertadas- essa ele não aprendeu com Chase ou Lince, foi depois um acidente de carro no rally do Chipre.

Soltou as amarras calmamente. O soldado lia alguma coisa num jornal pequeno, mantinha visão do prisioneiro, mas estava concentrado em outra coisa.

Kunta gemeu como se acordasse de um sono terrível. O soldado olhou desconfiado, não pretendia fazer nada e seguir exatamente as ordens que lhe haviam sido dadas: se o cara acordar, chamar o general Mancouse imediatamente.

O prisioneiro estremeceu sobre a cadeira e gemeu novamente. Dessa vez o soldado viu uma ponta da corda que caiu solta. Levou a mão à arma, mas não sacou do coldre, o homem continuava caído.

Por via das dúvidas era melhor checar se a corda estava bem presa.

O soldado não teve tempo sequer para gritar. O mercenário livrou as mãos e levantou-se tão rápido que quando o soldado notou, já tinha uma garra de águia presa em seu pescoço apertando como uma cobra constritora.

Tentou sacar a arma, porém, a força no pescoço era demais. O executor não o estava sufocando, mas apertava as laterais do pescoço comprimindo as artérias e que levam sangue ao cérebro.

A mão direita do soldado deixou cair a arma no chão. O mercenário segurava seu oponente quase inerte com o braço direito e olhava para a porta da tenda. O soldado ainda tentou levantar um braço para reagir, era mais alto que Kunta, mas estava praticamente de joelhos depois de alguns segundos.

O mercenário então girou o corpo ficando atrás do soldado e ainda apertando o pescoço. Fez com que ele baixasse até o chão, pegou a arma e deitou lentamente o homem de quase dois metros de altura. Morrendo vagarosamente e em silêncio, o soldado sentiu os olhos ficarem quentes pelo sangue extravasado para dentro dos globos oculares, a garganta secou como que instantaneamente, os músculos da pélvis foram ficando rígidos e as mãos frias.

Após a síncope, o mercenário ainda manteve a pressão por mais três minutos para interar seis, sabendo assim, que o homem tinha poucas chances de acordar e chamar reforços, ou mesmo de sobreviver a seis minutos sem oxigênio no cérebro.

Escondeu o corpo num canto escuro da tenda sem se preocupar demais com isso, checou quantas balas ele tinha naquela pistola inglesa antiga e pensou na primeira coisa que tinha que fazer.

Abriu lentamente a entrada de lona da tenda e olhou o movimento. Havia seis guardas fazendo a ronda noturna, três eram visíveis e outros três sumiam esporadicamente por entre os carros. Ou fazia a coisa silenciosamente ou teria de abater os seis. A primeira opção parecia melhor, tanto pela dor que sentia quanto pela condição de praticamente desarmado.

Deixou a tenda e rastejou furtivamente por entre as tendas ouvindo um barulho aqui e outro ali. Estava sem camisa, vestindo somente sua calça e sem sapatos. Um soldado o viu pelas costas e disse alguma coisa em africâner.

Não devia ser dos homens de confiança de Mancouse e não o reconheceu como sendo o prisioneiro por não ter tido o privilégio de entrar na tenda para assistir à tortura. O homem foi para trás de uma das tendas e o soldado, não obtendo resposta, foi logo atrás.

Dessa vez o alvo foi a parte da frente do pescoço, mas não para estrangular. O mercenário cravou um toco de madeira lateralmente destruindo as cordas vocais do homem. Tirou sua arma rapidamente e o segurou no chão enquanto se debatia. Agora tinha uma pistola, uma metralhadora Para-Fal e uma faca. O sujeito demorou cinco minutos lutando para usar as mãos na tentativa de tirar o galho no pescoço, morreu pela hemorragia.

Tinha os pés maiores que os dele e precisava de botas rapidamente. Kunta pensou em calçar aquelas botas, mas se precisasse lutar elas iriam tirar seu equilíbrio.

Ficou um tempo no escuro para saber se algum tinha ouvido algo. Na sombra em que estava acocorado via-se somente parte das íris brancas despigmentadas que Liv achava lindas. Parecia um cachorro do mato quando iluminado por um farol com aqueles olhos pequenos e brancos. Ninguém apareceu. Cheirava a lama perto de onde ele estava, notou que atrás havia um pequeno córrego lamacento e usou aquela lama para cobrir o rosto e o que pôde do corpo, ficando assim, tanto camuflado quanto frio.

Pela disposição das tendas era mais provável que tivessem levado suas coisas para junto do restante do equipamento. Como eram barracas desiguais, imaginou que as menores e mais numerosas eram dormitórios, a maior de todas era o refeitório dos soldados escolhendo assim, uma de tamanho médio para meter a cabeça simplesmente, e ver o que tinha dentro.

Deu certo. De dentro o soldado designado para tomar conta do paiol, sonolento, viu somente o que podia contra a luz, um rosto negro entrando.