Meningite meningocócica

Por TANHA SCHMIDT | 28/05/2009 | Saúde

Neisseria meningitidis é uma das 3 bactérias causadoras de meningite mais comuns, fora do período neonatal, junto com Pneumococcus e Haemophilus; estas últimas tiveram redução de casos com a introdução de vacinas.

Como Neisseria meningitidis não é etiologia freqüente no período neonatal, abordaremos a doença em lactentes e crianças maiores.

Neisseria meningitidis, bacilo Gram-negativo, é tipada, sorologicamente, com base em polissacarídeos capsulares: A, B, C, D, X, Y, Z, 29E e W135.

Em países desenvolvidos predominam os sorotipos B, C, Y e W135; em países subdesenvolvidos, predomina o sorotipo A.

Fisiopatologia

A bactéria atinge o espaço subaracnóide pela via hematogênica ou diretamente, quando há um foco parameníngeo.

No espaço subaracnóide, a presença da bactéria desencadeia uma reação inflamatória por parte do paciente; esta resposta é mediada por células cerebrais equivalentes a macrófagos e produz citocinas e outros mediadores inflamatórios.

Entre os mediadores da resposta inflamatória encontram-se interleucina-1, fator de necrose tumoral – alfa e óxido nítrico e o resultado desta resposta é a lesão neuronal e apoptose (morte celular).

A seqüência de infecção e resposta inflamatória atinge os vasos corticais causando, em arteríolas, edema e lesão endotelial e, nas veias, trombose e obstrução ao fluxo; estas lesões aumentam o conteúdo intracelular de água e sódio, resultando em edema cerebral. Este quadro pode ser agravado pelo aumento da secreção de hormônio anti-diurético, síndrome de secreção inapropriada de hormônio anti-diurético, presente em muitos casos de meningite, que leva à maior retenção de água.

O edema cerebral compromete a circulação podendo causar hipertensão intracraniana, herniação de estruturas cerebrais e convulsões focais ou generalizadas.

Estas alterações intracranianas causam um quadro clínico de alteração de consciência, reflexos posturais e paralisia de nervos cranianos, que, sem tratamento, progridem para decorticação ou descerebração levando à parada cardio-respiratória.

Epidemiologia

Idade – a faixa etária mais atingida é de 6 a 12 meses; um segundo pico ocorre na adolescência.

Mortalidade

É significativa em pacientes com um quadro rapidamente progressivo.

Quadro clínico

- Rigidez de nuca;

- Opistótono;

- Abaulamento de fontanela;

- Convulsões;

- Fotofobia;

- Cefaléia;

- Alteração do sensório;

- Irritabilidade;

- Letargia;

- Anorexia;

- Náusea;

- Vômitos;

- Coma.

Exame físico

·Sinal de Kernig - decúbito dorsal, flexão da coxa ao nível do quadril-a extensão dos membros inferiores produz dor;

·Sinal de Brudzinski – flexão espontânea dos MIS após flexão passiva do pescoço;

·Lasègue – flexão da coxa ao nível do quadril, estando a perna em extensão, produz dor na região do nervo ciático.

Estes sinais, e também a rigidez de nuca, podem estar ausentes em crianças muito pequenas, debilitadas e desnutridas.

·Lesões cutâneas – variam de exantema eritematoso, maculopapular, inespecíficos, a púrpura ou petéquias.

·Sinais neurológicos focais – indicam mau prognóstico em termos de tempo de hospitalização e seqüelas.

·Convulsões – quando ocorrem nos 3 primeiros dias não apresentam, geralmente, mau prognóstico. Quando são prolongadas, de difícil controle e, principalmente, se apresentam após o quarto dia de internação, indicam evolução complicada e seqüelas graves.

·Empiema subdural – aparecem em estágio tardio, com quadro de sinais neurológicos focais e febre; a incidência deste quadro não tem relação com a etiologia da meningite.

·Coagulação vascular disseminada.

·Choque endotóxico.

Laboratório

Punção lombar

- Pressão - deve ser medida;

- Coloração – se o líquor não estiver claro, o tratamento deve ser iniciado imediatamente sem o resultado de outros testes;

- Pleocitose – com predominância de plomorfonucleares;

- Baixo nível de glicose - <50% da glicemia; medir a glicemia antes da punção lombar é útil para o diagnóstico;

- Aumento do nível de proteína - >50mg/ ml.

- Gram;

- Cultura;

- Testes de aglutinação para detecção de antígenos bacterianos – em pacientes sem tratamento são menos sensíveis que a coloração pelo Gram. Podem ser realizados em amostras de líquor, sangue e urina.

Pacientes no início do quadro ou com doença fulminante podem não apresentar alterações nos valores de células, glicose e proteínas, o Gram ser negativo, sendo positiva somente a cultura.

Contra-indicações da punção lombar:

- Pacientes instáveis – hipotensão ou dificuldade respiratória;

- Aumento de pressão intracraniana – abscesso, tumor ou outras causas. A punção deve ser adiada até o controle da pressão; TC ou MRI são necessários para auxiliar na conduta.

- Infecção no local da punção.

Pacientes parcialmente tratados

Em pacientes que receberam antibióticos antes do diagnóstico, considera-se que:

- Poucas doses de antibiótico oral ou uma dose única de antibiótico injetável não alteram os achados do líquor, inclusive a cultura;

- Em alguns casos a cultura pode tornar-se estéril, mas as alterações celulares e bioquímicas persistem; neste caso os testes para detecção de antígenos devem ser realizados no líquor, urina e sangue;

- PCR – teste mais sensível para o diagnóstico de meningite em pacientes pré-tratados.

Sangue

- Cultura.

Tratamento

O tratamento envolve suporte e uso de antibióticos.

Após a cura, todo o paciente deve ser submetido à avaliação auditiva.

vSuporte

- Correção de volume – deve ser feita para restaurar a pressão sistólica até 80mmHg, débito urinário de 500ml/m2 /dia e perfusão tecidual adequada. Como a Síndrome de secreção inadequada de hormônio antidiurético é comum em casos de meningite deve-se tomar cuidado para manter a hidratação adequada a cada caso, pois a sub-hidratação leva ao risco de perfusão cerebral diminuída, enquanto o excesso de líquidos provoca edema cerebral.

- Dopamina e outros agentes inotrópicos – usados para manter pressão e perfusão tecidual, quando somente a reposição volumétrica for insuficiente.

O paciente deve ser monitorado rigorosamente quanto aos sinais vitais e balanço hídrico.

vAntibióticos

Devem ser iniciados quando da suspeita de meningite e fornecer cobertura para a etiologia mais comum, as bactérias Pneumococcus, Meningococcus e Haemophilus.

A combinação inicial é Vancomicina + Cefotaxime ou Ceftriaxone.

Carbapenem é opção para o caso de resistência à cefalosporina; Meropenem é a escolha por causa do risco de convulsão com o uso de Imipenem.

Outras opções em caso de falha com o tratamento em curso são Oxazolidinona (Linezolid) e Fluoroquinolonas.

Em caso de hipersensibilidade à cefalosporina o antibiótico indicado para meningite meningocócica é o Cloranfenicol

Não há indicação de repetir a punção lombar após o tratamento.

Caso a febre persista ou retorne deve ser feita investigação cuidadosa, lembrando que, nesses casos, a causa mais comum é a flebite no local das injeções e a febre causada pelo uso de antibióticos.

Doses

- Vancomicina – 60mg/kg/dia de 6/6 horas;

- Cefotaxime – 200 a 300mg/kg/dia de 6/6horas;

- Ceftriaxone - 100mg/kg/dia de 12/12 horas;

- Meropenem – 120mg/kg/dia de 8/8 horas.

Duração da terapia

Meningite meningocócica – 7 dias.

Corticóides

Não há indicação em caso de meningite meningocócica.

Complicações

- Convulsões – a mais comum complicação; quando focais, persistentes ou de aparecimento tardio associam-se a seqüelas neurológicas;

- Síndrome de secreção inadequada de hormônio anti-diurético;

- Efusão subdural - geralmente assintomática e com resolução sem seqüelas;

- Abscesso cerebral.

Seqüelas

- Surdez – é mais comum quando a meningite é causada por H.influenzae;

- Cegueira;

- Motoras – hemiparesia, quadriparesia, hipertonia muscular, ataxia;

- Convulsões complexas;

- Déficits cognitivos – distúrbios de aprendizado;

- Retardamento mental e motor;

- Hidrocefalia obstrutiva;

- Atrofia cerebral.

Prognóstico

A meningite é uma doença grave com alto risco de óbito e a possibilidade de seqüelas. Alguns fatores, como convulsões prolongadas, de difícil controle e, especialmente, após o quarto dia de doença, indicam curso complicado e possibilidade de graves seqüelas. Outras intercorrências também pioram o prognóstico, como coagulação intravascular disseminada e choque endotóxico.

Os fatores associados a mau prognóstico, com morte podendo ocorrer em 24 horas, são:

- Hipotensão;

- Choque;

- Neutropenia;

- Petéquia e púrpura surgindo em<12 horas;

- Coagulação intravascular disseminada;

-Acidose;

- Extremos de idade.

O sorogrupo C apresenta as taxas mais altas de mortalidade e seqüelas como cicatrizes e amputação.

Em pacientes com evolução sem complicações, as seqüelas são raras.

Prevenção

Quimioprofilaxia

Consiste na administração de antibióticos a contatos de alto risco:

- Todos os contatos familiares;

- Contatos durante 7 dias antes da doença, nas seguintes situações:

- Creches ou jardim de infância;

- Secreções – contato direto através de beijo, uso de escova de dentes, uso de talheres ou estreito contato social;

- Ressuscitação boca a boca ou contato durante intubação endotraqueal;

- Dormir ou comer no mesmo cômodo que o paciente.

Antibióticos

Antibiótico

Idade

Dose

Rifampicina

Adulto

>1 mês

<1 mês

600mg de 12/12horas – durante 2 dias

10mg/kg de 12/12 horas – durante 2 dias

5mg/kg de 12/12 horas – durante 2 dias

Ceftriaxone

>15 anos

<15 anos

250 mg IM - dose única

125mg IM – dose única

Ciprofloxacina

>18 anos

500 mg – dose única

Imunização

Vacina conjugada quadrivalente (A, C, Y, W-135) – indicada de 11- 12 anos e no primeiro ano de faculdade para alunos que morem em alojamentos conjuntos. Esta vacina também é indicada para pacientes imunodeprimidos, com asplenia anatômica ou funcional e com deficiências dos componentes terminais do complemento.

Vacina conjugada contra meningococo C – indicada para lactentes a partir de 2 meses, aplicada em esquema de: <1 ano: 3 doses, com intervalo mínimo de 1 mês entre as doses; >1 ano, dose única.

REFERÊNCIAS:

1)Faust S, CathieK. Meningococcal Infections. www.emedicine.com. Acesso: 07/09/2007;

2)Kumar, A, Gaur, AH. Meningitis Bacterial. www.emedicine.com. Acesso: 07/09/2007;

3)Branco RG, Amoretti CF, Tasker RC. Meningococcal disease and meningitis. JPediatr (Rio J) 2007; 83 (2Suppl): S46-53.

4)Farhat CK, Marques SR. Doença Meningocócica. In: Farhat CK, Carvalho LHFR, Succi RCM, editores. Infectologia pediátrica. São Paulo: Atheneu; 2007.p. 413 – 429.

TANHA ALMEIDA SCHMIDT – E-MAIL: tanha.almeida@terra.com.br