Memorial - Paulo Ivan Lima de Andrade

Por Paulo Ivan Lima de Andrade | 16/03/2017 | Crescimento

Sou o primeiro dos três filhos de Ivan Andrade dos Santos (Pastor Batista) e Helenilze Aparecida Lima de Andrade (Pedagoga: Supervisora escolar), nascido aos vinte dias do mês de abril de 1988, na cidade de Salinas, no Norte do Estado de Minas Gerais. Iniciei meus estudos no Colégio Presbiteriano de Salinas, onde cursei a pré-escola, primeira e segunda séries do Ensino Fundamental.

No ano de 1997, por questões de contenção de gastos, mudei para a Escola Estadual Professor Elídio Duque, em Salinas, onde estudei da 3ª à 8ª série. A convivência com os novos colegas, de realidade igual ou mais carente que a minha, possibilitou-me uma maior socialização dentro e fora da escola. Dentre as atividades ligadas à escola, cito a realização de muitos trabalhos em grupo, em que podíamos compartilhar do conhecimento e diversas outras atividades, como esporte, passeios e música. Logo formei um grupo de colegas, verdadeiros amigos, com os quais passamos a desenvolver os trabalhos escolares, de forma diferenciada, incluindo principalmente, a música, como estratégia de apresentação. Mesmo sem condições e com poucos recursos, tínhamos a nossa banda, com a qual participamos de vários concursos de paródias, datas comemorativas e apresentações de trabalhos das mais diversas disciplinas.

Ao longo deste período do Ensino Fundamental, cabe um destaque: houve um momento em que as quatro turmas existentes de 4ª série foram fundidas em apenas uma turma de 5ª série, pelo fato da escola não ter capacidade para comportar todos os alunos. Eu permaneci na mesma escola, mas vários colegas foram obrigados a seguir os estudos em outro lugar. Este fato desencadeou um aumento na heterogeneidade da turma em termos de nível de aprendizado e disciplina. Enquanto parte dos alunos participava ativamente das aulas e apresentava um grande potencial de inovação no desenvolvimento das atividades escolares, outro grupo era caracterizado pelo desinteresse e a passividade diante do conteúdo trabalhado na sala de aula. Logo tive que aprender a lidar com essas diferenças, a aceitar no meu grupo aqueles colegas com mais dificuldade de aprendizado, a compreender a realidade de amigos que não tinham nem o que comer direito, e que talvez esta fosse a causa do baixo rendimento destes na escola.

Ao findar a 8ª série do Ensino Fundamental, haviam basicamente três opções para prosseguir os estudos na cidade: Escola Estadual, Escola Particular ou Escola Agrotécnica. Mesmo tendo uma origem urbana, sem uma ligação mais direta com o campo, optei por fazer o processo seletivo do curso Técnico em Agropecuária Integrado ao Ensino Médio na Escola Agrotécnica Federal de Salinas. Após passar em primeiro lugar, o que representou uma importante conquista na minha vida, iniciei os estudos na nova escola no ano de 2003. Vários colegas da 8ª série também passaram no processo seletivo, e prosseguimos juntos até o final do curso.

É interessante destacar que, ao longo da trajetória na Escola Agrotécnica, o meu perfil profissional desejado mudou. Antes de começar o curso Técnico em Agropecuária, eu tinha uma vocação, um desejo de trabalhar com eletrônica, talvez fazer um curso superior de Engenharia Mecatrônica, como cheguei a cogitar com um colega de curso. Entretanto, a grande ênfase na prática profissional, ao longo do curso Técnico, despertou em mim uma certa afeição pelas ciências agrárias. Lembro-me das sistemáticas práticas semanais, nas diversas unidades de produção da Escola, desde o cultivo de hortaliças e culturas anuais até a criação de aves, peixes, suínos e bovinos. Toda esta bagagem de conhecimento prático, juntamente com os diversos estágios realizados levaram-me a mudar completamente, o foco da carreira que eu pretendia seguir.

Sobre o papel do estágio na minha vida, enquanto aluno e profissional, destaco o quão importante foram as experiências que tive. Trabalhei, desde o primeiro ano do curso, com um professor no seu projeto de pesquisa de Mestrado, o qual envolvia a avaliação do potencial de diversas variedades de cana-de-açúcar quanto à produtividade, qualidade do produto, dentre outros aspectos. No final do segundo ano, tive a oportunidade de realizar um estágio de 30 dias numa granja de suínos, com mais de 5000 animais, em outra região do estado de Minas Gerais, por indicação de um professor da área. Por fim, ao final do 3º e último ano do curso, realizei outro estágio de 30 dias, em uma grande empresa, no setor de Reflorestamento de Eucalipto, no Norte do Estado de Minas – a Gerdau. Esta última experiência foi determinante na escolha do meu curso superior de Engenharia Florestal.

Ao longo do Ensino Médio/Técnico, participei de dois processos de avaliação seriada para ingresso em duas Universidades: Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES e Universidade Federal de Viçosa – UFV. No último ano do processo, em 2005, quando precisava optar pelo curso, escolhi Agronomia na UNIMONTES e Engenharia Florestal na UFV. Passei nos dois, porém, optei pela Engenharia Florestal, pela maior afinidade com a área e pela localização da Universidade em Viçosa, MG, cidade natal do meu pai. Assim, poderia morar com a família, o que certamente foi um fator determinante e que possibilitou que eu fizesse o curso, em virtude do alto custo de deslocar-me para outra cidade para estudar em tempo Integral, sem a possibilidade de conciliar os estudos ao trabalho.

Em maio de 2006, logo após completar 18 anos, saí de casa rumo à Viçosa, a mais de 800 km de Salinas. Morei na casa dos meus avós paternos durante 7 anos, desde o início da Graduação e também Mestrado. Esta foi uma experiência, particularmente interessante e gratificante para mim, pois, diferentemente dos meus demais parentes, que moravam em cidades mais próximas dos meus avós, eu não tive o privilégio de conviver tão de perto com eles até então, pois só viajava para lá, uma vez ao ano. Com a mudança para a casa deles, tive a oportunidade de conviver, aprender e ser cuidado pela minha família por parte de pai, aos quais eu sou muito grato por isso.

Os anos se passaram e novos desafios surgiram a cada dia. As intermináveis horas de estudos na biblioteca da Universidade e o abrir mão do lazer e da convivência social para dar conta das disciplinas do curso, sobretudo daquelas referentes à formação geral da Engenharia, foram alguns destes desafios, dificuldades que surgiram e até assustaram um pouco, mas não me desanimaram de prosseguir no objetivo de me formar num curso superior.

Nova cidade, novos amigos, novas oportunidades. Foi de uma conversa com um grande amigo meu, sobre qual área iríamos seguir na realização de estágios, projetos de pesquisa e extensão, que fui apresentado aos professores do Laboratório de Painéis e Energia da Madeira da UFV, em meados de 2008. A partir de então, comecei a ajudar mestrandos e doutorandos em suas pesquisas. Em seguida, pude desenvolver meu próprio projeto de pesquisa como bolsista de Iniciação Científica, a partir do aproveitamento de resíduos para produção de Painéis de Madeira Aglomerada, linha de pesquisa que me direcionou e oportunizou a realização de um Mestrado neste mesmo laboratório.

Colei grau no dia 28 de janeiro de 2011. Naquele mesmo ano, iniciei o Mestrado no Laboratório de Painéis e Energia da Madeira, onde permaneci até meados de 2013, quando defendi a Dissertação e obtive o título de Mestre em Ciência Florestal. A partir de então, tinha duas opções: seguir a carreira acadêmica com o Doutorado ou sair em busca de colocação no mercado de trabalho. Fiquei com a segunda opção.

Nos meses que se seguiram à defesa da Dissertação, participei de um Treinamento na Produção de Carvão Vegetal, no qual pude conhecer vários profissionais do setor, inclusive o responsável por uma grande usina siderúrgica no estado do Maranhão. Conversando sobre a possibilidade de emprego, marcamos uma entrevista no escritório da empresa em Belo Horizonte. Após mais de sete anos em Viçosa, MG, parti em direção à capital mineira, na esperança de respirar novos ares, novas oportunidades.

Já em Belo Horizonte, fui posto de uma grande responsabilidade da função que estaria prestes a assumir, conforme a entrevista se desenrolava. Por outro lado, a minha expectativa salarial foi frustrada, sobretudo quando o entrevistador insistia em bater na tecla: “você tem uma excelente formação, mas não tem experiência”. Diante disso, resolvi rejeitar a proposta. Segui de volta à minha cidade natal, no norte de Minas Gerais, a partir de onde realizei uma verdadeira maratona em busca de um emprego, distribuindo currículos por toda região. Todavia, com o passar dos meses, não obtive nenhum retorno, o que começava a deixar-me apreensivo.

Até que um certo dia, uma tia, servidora do IFNMG, falou-me sobre um processo seletivo para professor substituto, no Campus Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha, muito próximo de Salinas. Eu relutei durante muito tempo a ideia de ser professor, mas resolvi tentar. Em outubro de 2013, inscrevi-me e passei na prova. No dia 22 de outubro, lá estava eu, prestes a iniciar a carreira como docente, sem nunca ter estado diante de uma sala de aula. Foi um grande desafio, mas a cada dia que passava, a lida como docente proporcionou-me um enorme aprendizado, mudando novamente a minha trajetória e concepções sobre a carreira.

Ao longo dos dois anos que se seguiram, além das atividades relacionadas propriamente ao Ensino em sala de aula, pude desenvolver e participar de vários projetos de pesquisa e extensão. Orientei diversos alunos em estágios e Trabalhos de Conclusão de Curso. A cada dia que se passava, eu aprendia a gostar mais e mais da vida de docente em um Instituto Federal, justamente pelo fato de que o professor tinha várias opções para desenvolver projetos dentro da escola e, principalmente, fora dela. Mas, o meu contrato era temporário, e eu precisava passar em um concurso para  efetivar-me na carreira. Neste tempo, fiz vários concursos Brasil afora: IFNMG - Minas Gerais, IFGOIANO - Goiás e IFPA - Pará. Neste último, obtive um bom resultado, ficando em segundo lugar. Mas, em outubro de 2015, encerrava-se o meu contrato com o IFNMG – Campus Araçuaí. Como estava em segundo lugar no concurso do IFPA e sem uma perspectiva clara de ser aproveitado, voltei novamente para Salinas.

A partir daí, comecei a colocar em prática um sonho antigo: ter meu próprio viveiro de mudas. No próprio quintal da casa dos meus pais, investi em melhorias na produção artesanal que o meu pai já desenvolvia por hobbie. Logo comecei a divulgar o trabalho e a vender mudas de árvores ornamentais e frutíferas na feira da cidade, algo que, no início, foi um tanto quanto desanimador. Com as vendas em baixa, cheguei a pensar em abrir mão de tudo, mas não desisti. Pelo contrário, resolvi  formalizar-me. Em meados de março de 2016, com a ajuda do SEBRAE, tornei-me um Microempreendedor Individual e, a partir de então, comecei a visitar vários viveiros, no estado de Minas Gerais, em busca de parcerias. Até que tomei uma importante decisão: investir boa parte das minhas economias na compra de um caminhão de mudas, uma carga fechada, em torno de mais de 10 mil reais. Era um valor bem alto para minha realidade, mas, baseado na perspectiva do mercado no qual eu estava  ingressando, resolvi arriscar, pois, naquela situação, revender era melhor que produzir.

Com a chegada das mudas, iniciei um intenso trabalho de divulgação na região. Neste meio tempo, fechei um contrato de consultoria com uma construtora responsável por grandes loteamentos na cidade, na qual fiquei responsável pela parte paisagística. Logo, as vendas se alavancaram, novos projetos particulares começaram a surgir e um novo pedido de mudas já se encaminhava. Trabalhei muito, mas estava satisfeito, pois foi um momento da vida em que o que eu pensava para mim, em pouco tempo se materializava.

No dia 12 de julho, quando eu estava descarregando um caminhão de mudas para o viveiro, recebi um comunicado do IFPA sobre o concurso que havia realizado em 2015. Era um chamado para ser aproveitado no Campus Óbidos, PA. No momento, senti um misto de alegria e choque ao mesmo tempo. Estava diante de uma carreira de professor num Instituto Federal, algo que havia mentalizado há pouco tempo para mim. Simultaneamente, os resultados de um investimento de tempo, recursos e muito trabalho começavam a se mostrar cada vez mais promissores no viveiro. Mais uma vez precisei tomar uma decisão importante. Abri mão do negócio com apenas três meses, o que foi motivo de grande surpresa para o consultor do SEBRAE, pois, na grande maioria dos casos, o fechamento de empresas dava-se pelo insucesso do empreendimento. Mas, eu estava decidido a encarar este novo desafio. Após honrar todos os compromissos com os clientes, no dia 09 de agosto de 2016, parti, sozinho, rumo ao Pará para a nova empreitada.

Já em Óbidos, fui colocado à prova logo de início, através da missão de construir o Projeto Pedagógico do Curso (PPC) Técnico em Florestas, sendo o único professor da área. Paralelamente, diversas outras atribuições surgiam a cada dia, na construção de documentos e mais documentos de um campus que ainda estava em processo de estruturação. Após vários meses de intenso trabalho, o PPC foi concluído e aprovado. Todas essas experiências permitiram fazer um paralelo entre dois momentos distintos da minha vida. Um, no qual os resultados de muito esforço e trabalho duro eram materializados e colhidos relativamente num curto espaço de tempo. E outro, no qual a burocracia se interpunha com entrave entre o planejado e o executado, entre o sonho e a realidade. Mas, este também era, e ainda continua sendo, um desafio a ser superado a cada dia.

Em janeiro de 2017, retornei à Minas Gerais para me casar, dando início a uma nova etapa dessa grande aventura que chamamos de vida. Se pudesse definir a trajetória do ser humano nessa Terra em uma única palavra, certamente seria “escolha”. A vida é feita de escolhas.