Memorial: Desafios da vida acadêmica de um professor de Física
Por Sebastião Douglas Avelino Burgos | 18/02/2017 | EducaçãoIntrodução
A educação é a única maneira para um pobre subir na vida, já dizia a senhora Maria do Rosário, minha mãe e educadora. Segui este conselho e optei por estudar com afinco visando meu desenvolvimento pessoal e uma possível ascenção social. Em consequência aos meus esforços, passei no vestibular para o curso de Licenciatura Plena em Física - Universidade Federal do Pará. Nesta instituição, dei os primeiros passos na pesquisa científica e na produção de textos científicos. Contudo, todo curso de licenciatura tem a missão de formar professores, portanto, o processo de ensino-aprendizagem era objeto constante de estudo e observação. Toda esta dinâmica pedagógica do ensino fez-me questionar sobre minha verdadeira vocação. Cheguei a pensar que não tinha o dom para a docência. Na época, tive o atrevimento de dizer: “não nasci para ser professor”.
Este memorial objetiva descrever muitos dos desafios que enfrentei enquanto estudante, profissional e iniciante na pesquisa de Física. São abordados os fatores que me levaram a optar pela licenciatura e as dificuldades que enfrentei em relação à pesquisa na universidade. O mesmo apresenta experiências minhas relacionadas ao ensino de Física, as quais foram cruciais para que eu construísse um conceito sobre ensino de Física no Brasil.
Minha afinidade com as Ciências Exatas
Felizmente, na minha infância, estudar era divertido, gostava dos elogios dos professores e da minha família. Desde pequeno, a Matemática, a Física, a Química e a Biologia já eram as minhas disciplinas prediletas. Entretanto, Quando conheci a Física do ensino médio, com o seu estudo objetivo da natureza, sua capacidade de gerar tecnologias revolucionárias, percebi, enfim, em que queria me especializar.
O que me levou a optar pela Licenciatura em Física
O ato de lecionar esteve presente em minha vida desde a infância, quando ajudava meus “coleguinhas” com a lição de casa. Lembro-me, claramente, de ter dado uma aula única para, aproximadamente, 70% dos alunos da minha sala de aula, numa tentativa de prepará-los para as provas escolares da época. Ademais, estudar Física era algo que já estava claro em minha cabeça, desde o primeiro ano do ensino médio. Contudo, fazer disso uma profissão só foi possível com a ajuda dos meus professores e amigos, os quais me aconselharam a enveredar por esse mundo da docência.
Minhas dificuldades nos primeiros momentos como graduando em Física
Logo que entrei na universidade me deparei com uma realidade adversa, onde eu já não me destacava, percebi, na verdade, que estava muito aquém dos meus colegas e do ritmo de estudos exigidos para concluir com sucesso cada disciplina semestral. Nessa época, cheguei a estudar de dia e de noite. Importunava, frequentemente, meus professores, pois tinha dificuldade de entender os conteúdos abordados na sala de aula. Felizmente, meus esforços se traduziram em resultados e consegui acompanhar o ritmo de graduação.
Nos primeiros dois anos de graduação, eu só frequentava às aulas, mas a partir do terceiro ano, resolvi adentrar à pesquisa com o objetivo de produzir textos didáticos em Física. Meu primeiro objeto de pesquisa foi o rio Tapajós, especificamente o transporte de areia por estas águas. Nesse momento, percebi a grande dificuldade que se enfrenta ao fazer pesquisa no interior da Amazônia devido à falta de informações científicas referentes à região.
Primeiros contatos com a pesquisa em Física
Exatamente na metade do ano de 2010 entrei como voluntário no grupo de pesquisa do professor Manoel Roberval Santos Pimentel, intitulado: Produção e Caracterização de Novos Materiais. Naquele grupo de pesquisa, inicialmente entrei em contato com objetos e métodos de pesquisa em Física de Materiais. Conheci os tipos de reações de produção de materiais, como, por exemplo, reações de estado sólido e hidrotérmicas. Tive contato, também, com algumas das principais técnicas de caracterização de materiais, a difração de raios-x e a espectroscopia de infravermelho. Inicialmente, debrucei-me sobre a espectroscopia de infravermelho, com o objetivo de entender melhor a técnica e, posteriormente, adentrei às estruturas dos materiais. Com o tempo, percebi que trabalhar com Física do Estado Sólido demandava conhecimentos apurados de Química e de Física Quântica, por isso tive grande dificuldade para entender alguns conceitos inerentes à minha linha de pesquisa. Entretanto, graças a isso, hoje, orgulho-me de apresentar uma formação de carater interdisciplinar, com conhecimentos que abrangem a Física, a Química.
Admito, sem sombra de dúvidas, entre todos os ganhos advindos de minha iniciação científica o mais significativo foi conhecer os métodos científicos de investigação, ou seja, o pensamento científico. Este, independente do objeto de pesquisa, sempre será útil.
Dificuldades que enfrentei como iniciante na pesquisa
Fazer pesquisa na Amazônia é muito difícil, mas no interior do estado do Pará, é precário. Esta foi a conclusão que tive logo de imediato, pois as minhas dificuldades eram gritantes. No campus onde estudava havia poucos equipamentos, laboratórios, literaturas e reagentes químicos. Além disso, faltava apoio financeiro para viagens a congressos e a feiras. Outro problema que tive de enfrentar foi a falta de internet de qualidade.
Todos esses desafios apresentados, ainda que me cortem como pedras, me façam tropeçar ou mesmo me derrubem, eu continuarei firme em meus objetivos, na certeza de que "o que não provoca a minha morte faz com que eu fique mais forte (FRIEDRICH NIETZSCHE apude SAFRANSK, 2005)
Eu, enquanto professor
Embora seja um grande admirador da maioria dos meus professores do ensino básico e do ensino superior, nunca me vi como um professor. Eu julgava mal este profissional, sua remuneração, sua qualidade de vida, e seu plano de carreira. Era muito difícil para mim, enquanto estudante, entender a persistência e a dedicação dessas pessoas a algo que não traz prestígio, dinheiro, nem qualidade de vida. Contudo, após minha outorga, surgiu a necessidade de trabalhar para ganhar meu sustento. Isto levou-me para a sala de aula. Foi exatamente no exercício da profissão de professor que percebi o fascínio da educação, da formação do indivíduo e do aprender. A prática levou-me ao amor à profissão, e este sentimento me fez mudar... hoje sou professor, não por necessidade, mas por vocação.
Conclusão
A minha trajetória de vida foi marcada por desafios e muitas superações. A primeira delas foi a pobreza, alinhada com uma família desestruturada. Minha segunda grande barreira foi a ignorância e a alienação a respeito do mundo e de mim. Nesse aspecto a graduação me ajudou bastante a entender o meu lugar no mundo. Sendo assim, percebo que de vítima do sistema capitalista eu passei a fazer parte dele, como uma engrenagem bem pequena de uma fábrica bastante grande. Ainda assim, enquanto profissional da educação, eu sinto uma grande satisfação em fazer do meu trabalho uma missão.
Hoje, há um grande desafio posto em minha vida: me tornar um professor pesquisador, mesmo enfrentando todos os percalços da pesquisa científica na amazônia. Olho para o futuro com otimismo e com vontade de mudar o mundo e crescer com o Brasil.
Referências
Safransk, Rudger. Nietzsche: biografia de uma tragédia. Geração Editorial, 2005.