MEIOS DE CONTROLE DAS DECISÕES DO STF

Por Leticia Nicacio Araujo Feitosa | 07/12/2016 | Direito

Adota-se no Brasil o Sistema de Freios e Contrapesos (Checks and Balances System), modelo norte-americano em que se divide os Poderes da União em três: Legislativo, Executivo e Judiciário, previsão contida no art. 2º da CF/1988. De acordo com a explicação do especialista em história americana Martin Kelly (2016, p?), cada poder deve atuar de maneira a garantir que os dois outros poderes não excedam sua competência.

Percebe-se claramente a adoção do Sistema de Freios e Contrapesos nas atribuições de cada um dos Poderes da União, previstas sob o Título IV – Da Organização dos Poderes – na Carta Magna brasileira. Logo no caput do art. 48 prevê-se que “cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República” dispor sobre as matérias de competência da União; ou seja, é o Poder Executivo fiscalizando o Legislativo. No art. 49, incs. II, III, IV, V, IX, X, XIV, encontra-se expressamente que é competência exclusiva do Congresso Nacional (Poder Legislativo) autorizar diversas ações do Presidente da República (Poder Executivo), com atenção especial para o inc. X, onde se diz que cabe ao Congresso Nacional “fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta”.

Quanto ao Poder Judiciário, um exemplo é a determinação prevista no art. 84, inc. XIV, que os Ministros do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores serão nomeados pelo Presidente da República, após aprovação pelo Senado Federal; claro exemplo de controle dos Poderes Executivo e Legislativo sobre o Judiciário. Também se encontra previsto, no art. 52, II da CF/1988, que compete privativamente ao Senado Federal processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade (Legislativo controlando o Judiciário). Ainda, o STF possui competência para declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal (art. 102, I, a), sendo este um controle do Judiciário sobre o Legislativo.

O controle exercido pelos dois outros poderes sobre o Poder Judiciário não abarca a fiscalização sobre possíveis falhas no exercício de sua função típica: julgar. Apesar de a Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LOMAN –, à qual se submetem os Ministros do STF, prever penalidades de advertência, censura, remoção compulsória, disponibilidade, aposentadoria compulsória e até mesmo demissão, estas somente são aplicáveis em casos de transgressões administrativas ou penais. Nas instâncias inferiores, para conferir maior credibilidade à decisão e garantir a segurança jurídica, às partes é possível recorrer da decisão em instância superior, em respeito ao princípio do duplo grau de jurisdição. Contudo, nos casos de competência originária do STF, não havendo instância superior a esta, não é possível recorrer em caso de eventuais equívocos num julgamento seu. Assim, de que maneira seria possível exercer algum controle sobre as decisões proferidas no STF?

O professor Antônio Álvares da Silva sugere a criação de uma Corte Constitucional como forma de partilhar o poder de guardião da constituição atualmente concentrado nas mãos do STF, até mesmo para diminuir a carga de trabalho suportada pela nossa Suprema Corte, a qual seria composta de julgadores recrutados entre juízes, procuradores, advogados e professores universitários, mediante eleição direta pelo povo, sendo que cada partido apresentaria sua lista de candidatos à Corte na mesma época das eleições para presidente da república (2009, p.1). Esta ideia é alvo de críticas pelos que argumentam que a filiação de juristas a partidos políticos tornaria todo o processo de eleição vicioso, alegação refutada pelo professor Antônio Álvares, pois a escolha dos ministros do STF é feita pelo presidente da república, logo a conotação política dessa escolha já se faz presente.

O professor da UFMG Dr. Bernardo Gonçalves Fernandes, em palestra realizada no VI Encontro Nacional de Direito Público e Privado, realizado nos dias 24 e 25 de abril de 2014 na cidade de São Luís – MA, expôs quatro maneiras de controlar as decisões proferidas pela Suprema Corte nacional: o autocontrole, o controle social, o controle político e o controle jurisdicional.

O autocontrole consiste numa idéia certamente utópica, sendo o controle que o próprio STF, em respeito aos princípios éticos e morais, faz sobre si mesmo a todo tempo. De acordo com as ideias de Platão, em sua famosa obra A República, devemos contar uma “nobre mentira” aos nossos guardiões, para fazê-los pensar que são mais preciosos que o resto de nós e não se submetam aos desejos e impulsos medíocres da natureza humana:

[...] que, na realidade, eram então formados e criados no seio da terra, eles, as suas armas e tudo o que lhes pertence; que, depois de os ter formado inteiramente, a terra, a sua mãe, lhes deu â luz; que, por isso, devem considerar a região que habitam como a sua mãe e ama, defendê-la contra quem a atacar e tratar os outros cidadãos como irmãos, filhos da terra como eles [...]. Na cidade sois todos irmãos, mas o deus que vos formou misturou ouro na composição daqueles de entre vós que são capazes de comandar: por isso são os mais preciosos [...]. Porque um oráculo afirma que a cidade perecerá quando for guardada pelo ferro ou o bronze (PLATÃO, 1997, p. 110).

O controle social conta com a população, principalmente através dos meios de comunicação, sendo exercida uma pressão da vontade social sobre a vontade do magistrado e influenciando no conteúdo final de sua decisão, ou diminuindo sua coercibilidade. Um exemplo bastante simples do que seria o controle social foi o que ocorreu quando o STF declarou a constitucionalidade da Medida Provisória nº 2.152-2, a qual determinou a sobretaxa de energia elétrica e o respectivo corte pela recusa de seu pagamento como medida de racionamento de energia elétrica imposta pelo Executivo, em 2001, indo completamente contra o pensamento jurídico nacional. Esta decisão gerou grande inconformismo no povo e provocou a reação da magistratura em vários Estados, que mesmo após o posicionamento do STF, que como foi visto possui efeito vinculante para os demais órgãos do Poder Judiciário, continuou concedendo liminares em ações individuais e mesmo ações civis públicas propostas pelo Ministério Público Estadual contra as referidas medidas de racionamento de energia elétrica (ADC 9/DF, Rel. Min. Néri da Silveira, 2001).

O controle político está previsto na própria CF/1988, art. 52, inc. X, onde se estabelece a competência privativa do Senado Federal para suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal. Difere do controle europeu por órgão político, conforme descrito por Paulo Bonavides:

Determinados sistemas constitucionais, reconhecendo que o controle de constitucionalidade das leis tem efeitos políticos e confere ao órgão exercitante uma posição de preeminência no Estado, cuidam mais adequado e aconselhável cometê-lo a um corpo político, normalmente distinto do Legislativo, do Executivo e do Judiciário. Deixam assim de confiá-lo aos tribunais (BONAVIDES, 2011, p. 299).

No modelo europeu, como descreve Bonavides, o controle de constitucionalidade é entregue a uma espécie de assembleia. No Brasil, há duas espécies de controle de constitucionalidade: via de exceção (controle concreto ou difuso) e via de ação (controle abstrato ou concentrado). O controle por via de exceção ocorre unicamente quando, no curso de um litígio judicial, uma das partes levanta a objeção de inconstitucionalidade da lei que se lhe quer aplicar, em defesa de sua causa (BONAVIDES, 2011, p. 302). A declaração da inconstitucionalidade da norma neste caso vincula apenas as partes envolvidas na lide. Já o controle por via de ação se vale de uma ação de inconstitucionalidade prevista formalmente no texto constitucional; uma lei é impugnada perante determinado tribunal, podendo perder sua validade constitucional e ser anulada erga omnes (em relação à todos) (BONAVIDES, 2011, p. 307). O controle previsto no art. 52, inc. X da CF/1988 refere-se ao controle por via de exceção.

Como foi dito, o controle por via de exceção possui efeitos apenas entre as partes envolvidas na lide; porém, pode o Senado Federal suspender a execução da lei declarada inconstitucional por meio de resolução, como estabelece o art. 91, II do Regimento Interno do Senado Federal, produzindo assim eficácia contra todos. Contudo, o Senado pode também discordar do posicionamento do STF, e não suspender a eficácia da norma declarada inconstitucional, exercendo assim a faculdade que lhe permite a Carta Magna.

O controle jurisdicional é aquele desempenhado pelos Tribunais Internacionais, os quais atuam de maneira a resguardar a eficácia das normas internacionais que Brasil seja signatário. Segundo Portela (2015, p. 45), o ordenamento jurídico nacional é “formado por um conjunto de preceitos voltados a regular as condutas dos membros da sociedade internacional e o tratamento de temas de interesse global”. Ensina o autor que as normas internacionais são obrigatórias, e com frequência expressam a possibilidade de sanção em caso de descumprimento.

Como explica Portela (2015, p. 48), os entes que exercem a chamada jurisdição internacional são normalmente criados por tratados, que definem suas competências e modo de funcionamento; podem ser judiciais, arbitrais ou administrativos. O autor chama atenção para o fato de que, em geral, os Estados não são automaticamente jurisdicionáveis perante as cortes e tribunais internacionais, vinculando apenas os Estados que celebraram os tratados que os criaram ou que aceitem se submeter às suas competências.