Medicina paliativa - que qualidade?

Por António Lourenço Marques Gonçalves | 17/08/2012 | Arte

MEDICINA PALIATIVA – QUE QUALIDADE?

 (Este artigo corresponde à conferência “Medicina Paliativa - Que Qualidade?” que proferi na mesa Redonda “O Hospital e a Qualidade”, durante as comemorações do 16º Aniversário do Hospital Distrital de Castelo Branco, em 29 de Abril de 1993. Considero-o um artigo a destacar, porque nessa altura, em Portugal, o tema dos cuidados paliativos era quase desconhecido. A Unidade de Tratamento da Dor D. Eva Nunes Corrëa, do Hospital Distrital do Fundão, tinha sido inaugurada menos de meio ano antes, em 20 de Novembro de 1992 e começava a dar os seus frutos).

 A medicina paliativa, na perspectiva da qualidade, é um tema que, apesar de não ser aparentemente tão nobre como os outros tradicionais da medicina de agudos, não deixa de se revestir de um interesse enorme e é de grande actualidade. É sobre uma área da medicina aplicada à doença sem solução e que arrastará, inevitavelmente, o doente à morte, num prazo de tempo que pode ser variável, mas habitualmente não muito longo, que iremos fazer uma breve explanação, um pouco a pensar na necessidade que temos em implementar estruturas que possam, na realidade dos nossos hospitais, cumprir esta exigência do tratamento dos doentes, com maior qualidade. A Unidade de Tratamento da Dor Crónica do Hospital a que pertenço, e cuja criação se fica a dever à iniciativa e empenho de médicos, com o apoio dos Conselhos de Administração dos Hospitais Distritais do Fundão e de Castelo Branco e que contou, entre outros, com o patrocínio dos senhores comendadores Nunes Corrëa, destina-se a desempenhar um papel neste campo, que pode ser pioneiro.

 Infelizmente, persiste algumas vezes uma certa confusão entre etes cuidados e os habituais cuidados da medicina de agudos ou então com cuidados menos diferenciados e exigentes, como se fossem parentes pobres da própria medicina. Quer dizer, não é raro os cuidados paliativos estarem misturados com os cuidados de doentes agudos, em alguns casos pela natureza da doença envolvida, mas noutros em prejuizo do doente e das instituições que os produzem. Mais dramático é rotular de paliatva a própria ausência de cuidados, o que também pode acontecer. Embora seja um sentimento repugnante, ainda é possível encontrar, por vezes, quem defenda que perante situações incuráveis o melhor é não fazer nada e abandonar o doente à sua sorte. Ora, tal atitude é geradora de situações profundamente dramáticas e desumanas, pois nas fases terminais da doença, pelo contrário, aumentam as necessidades dos doentes e dos seus familiares. Necessidades e problemas perante os quais a medicina tem capacidade para engendrar respostas aceitáveis que ajudem a proporcionar uma melhor qualidade à vida que resta. É hoje possível atingir para muitos destes doentes uma vida de qualidade aceitável e uma morte mais tranquila. E é uma obrigação dos responsáveis organizar os meios técnicos e promover a formação dos meios humanos adequados, para que tais apoios estejam disponíveis.

 Estamos profundamente imbuídos de ideias que enquadram geralmente a assistência que é prestada pelas instituições de saúde dentro de uma finalidade curativa. Custa-nos pensar que a actividade dos médicos não possa ser de outra forma. E isto porque ou não valorizamos suficientemente determinadas situações de doença às quais se adaptam cuidados de natureza diferente dos cuidados agudos ou porque aceitamos mal as limitações do nosso trabalho, treinado para a cura, quando confrontados com a morte que é uma parte da vida. A morte não deve ser encarada sempre como uma coisa má que acontece ao doente. E se a vida não deve ser prolongada a todo o custo, choca-nos, no entanto, algumas vezes, a “repulsa e frustração” dos técnicos de saúde perante o conjunto de problemas humanos nos limites da degradação do doente terminal. É o doente que por vezes parece que ninguém quer!

 Muitas doenças assumem particular dramatismo nas suas fases terminais. No entanto, parece-nos que a doença oncológica, pelas suas particularidades, é a que melhor poderá servir de modelo para organizarmos esta nossa conversa sobre a medicina paliativa. Incluem-se nesta entidade clínica situações cuja gravidade e prognóstico podem variar muito, desde apresentações perfeitamente curáveis, até à doença totalmente incapacitante ou dramaticamente mutilante, de duração mais ou menos longa, habitualmente dolorosa e que é mortal. Infelizmente, eapesar dos grandes avanços ocorridos nos últimos vinte anos no diagnóstico e no tratamento de muitos tipos de cancro, a taxa de cura dos cancros diagnosticados ainda não ultrapassa muito os 50%, sendo esta taxa variável consoante as situações, apresentando os melhores valores nos casos mais precocemente detectados e/ou quando se utilizam todas as possibilidades actuais de tratamento.

Muitos doentes com cancro diagnosticado morrem por causa dessa doença. Se não há cura, os cuidados de saúde dispensados apenas terão consequências no controlo da doença e dos seus sintomas e manifestações e nem sempre, no prolongamento da vida. Neste sentido, um Centro de Oncologia proporciona em grande medida tratamentos e cuidados de natureza paliativa. Acresce que a doença oncológica é definida como um dos principais problemas de saúde. Por exemplo, no nosso distrito de Castelo Branco, o plano integrado de Saúde, elaborado em 1992, colocou-a como o quarto problema, em importância, a seguir, por ordem decrescente, às doenças cérebro-vasculares hipertensivas, aos acidentes por veículo motor e às doenças do coração. Sendo assim, compreendemos que o período terminal desta doença mereça uma atenção muito especial, até porque é na sua vivência, em particular, se não houver acompanhamento, que reside a maior carga de angústia e terror suscitados por esta doença, mesmo em pessoas saudáveis.

Quando a doença se torna terminal, percorrido o caminho do diagnóstico e dos tratamentos dirigidos à cura, os cuidados assumem uma outra natureza. Depois dos serviços agudos virão outros sectores da assistência, por onde vai transitar o doente atá à morte. Basicamente, diremos que uma vez que os cuidados já perderam o sentido curativo, se propõem agora ou a prolongar a vida com qualidade ou, quando esse prolongamento da vida colida com a desejada qualidade, se centrem exclusivamente nesta exigência e desprezem o prolongamento de uma vida que perdeu o seu sentido não interferindo no momento da morte, não o atrasando nem o acelerando.

 É indiscutível que importa melhorar a qualidade de vida durante o tempo que resta ao doente. E a especificidade da situação impõe uma forma diferente e inovadora de prestação de cuidados. Muitas pessoas, em número que provavelmente está a crescer, necessitam de apoios fortes e profissionais quando surge a ruptura causada pela evolução da doença. Uma das primeiras necessidades é efectivamente o acompanhamento. Os sentimentos de abandono e de solidão são dos mais angustiantes que estes doentes e as suas famílias podem sofrer.

 FRAGMENTAÇÃO POTENCIAL DOS CUIDADOS

Os cuidados dos doentes oncológicos repartem-se pelas diferentes estruturas de saúde vocacionadas para tal. Assim, a origem dos cuidados e das preocupações pode localizar-se a partir do médico de família perante a suspeita de doença neoplásica. O doente é depois assistido no hospital da área de residência que, ou tem a possibilidade de estabelecer o diagnóstico e planear a competente terapêutica ou, em alternativa, e é o que acontece muitas vezes, liga o doente ao centro oncológico de referência. Aí será feito ou confirmado o diagnóstico e será estabelecida a terapêutica definitiva, quer cirúrgica, quer por radiação ou quimioterapia, etc.

 Chegados a este ponto, habitualmente, o doente entra no plano de tratamento que, ou se concretiza na totalidade no centro oncológico ou então é prosseguido no hospital da sua área de residência. Entretanto, são feitos check-ups periódicos no Instituto de Oncologia. O doente pode assim ficar curado. Mas pode acontecer tratar-se logo no início do diagnóstico de doença terminal ou então a neoplasia vir a evoluir rapidamente com expansão metastática e, apesar de novos tratamentos, entrar em fase terminal, não sendo possível beneficiar de procedimentos curativos. Se o doente ainda se mantém ou frequenta o centro oncológico, este abandoná-lo-á a partir desta altura para ser assitido junto do hospital da sua área e com o apoio do médico de família e das estruturas locais. As necessidades e os problemas desta fase da doença têm melhor satisfação neste ambiente com a utilização do domicílio e com o apoio, se possível, de um sistema de cuidados do tipo hospício.

 O doente nestas condições poderá ainda ser submetido a cuidados mais ou menos complexos e que, basicamente, distribuiremos por três níveis distintos: 1. Cuidados médicos, que incluem a utilização de antibióticos apropriados, suporte transfusional nas hemorragias ou anemias graves, nutrição parentérica, quimioterapia paliativa, e radiação, para controlo dos sintomas; 2. Cuidados intensivos e suporte avançado de vida, incluindo resuscitação cardiopulmonar; e, finalmente, 3. Cuidados gerais destinados exclusivamente a garantir o maior conforto ao doente, sem a preocupação pelo prolongamento da vida. A medicina paliativa poderá corresponder aos dois primeiros níveis referidos, tendo os seus programas objectivos diferentes do último nível, que corresponde ao que habitualmente se chama hospício, nos Estados Unidos. Enquanto que a medicina paliativa, já não curando, tem ainda por objectivo prolongar a vida, que deve ser de qualidade, já no caso dos cuidados do tipo hospício a tónica é colocada na qualidade e não na quantidade da vida. Parece-nos assim que o hospício não é tanto um lugar mas antes um conceito inovador sobre o tratamento das doenças terminais. Assume-se que no quadro de uma determinada doença oncológica terminal, importa acima de tudo melhorar a qualidade de vida do tempo que resta, não havendo interesse em interferir no momento da morte, em particular, no seu atraso.

 A ênfase destes cuidados centra-se no ambiente domiciliário. É desejável, do ponto de vista da qualidade de vida que antecede a morte dos doentes, proporcionar-lhes o conforto de um ambiente conhecido, com a companhia dos familiares e amigos, o alívio mais completo possível dos sintomas, e quando possível a oportunidade de ainda fazerem algo que possa dar sentido à vida.

 O movimento que levou à implementação deste tipo de cuidados teve origem nos anos sessenta, na Inglaterra e tem-se difundido por vários países. O famoso Hospício de São Cristóvão, o pai dos hospícios modernos, foi fundado em Londres, em 1967. Dez anos depois, em 1977, foi fundada nos Estados Unidos da América a Organização Nacional de Hospícios que definiu estes como “programas de serviços paliativos e de suporte administrados centralmente para providenciar cuidados destinados a resolver os problemas físicos, psicológicos, sociais e espirituais dos doentes terminais e das suas famílias”. Os serviços são providos de equipas multidisciplinares, coordenadas por um médico, mas incluindo outros profissionais de saúde e voluntários. A maior ênfase, como dissemos, centra-se nos cuidados domiciliários, com a possibilidade de concretizar períodos de internamento para controlo de sintomas e /ou descanso das famílias, bem como quando não há outra alternativa para o caso concreto.

 A distinção entre cuidados cuja ênfase é colocada na qualiadde de vida e não na quantidade de vida é de extrema importância e a opção por uns ou por outros assume o maior realce. É, no entanto, muitas vezes uma escolha difícil.

 O tratamento global do cancro é em grande medida paliativo, já que, tem uma alta mortalidade. Quer dizer, em muitos casos o tratamento apenas +é eficaz no controlo da evolução da doença e no prolongamento da vida. Neste sentido, um centro de oncologia é também uma unidade de cuidados paliativos. Quando o prognóstico é incerto mas há possibilidade de haver resposta tumoral ao tratamento, ou caso se aguarde essa resposta, é aceitável a utilização da terapêutica paliativa, como a quimioterapia, a radioterapia ou a utilização das substâncias endócrinas. No entanto, num bom número de doentes estas opções não são realísticas.

 Se a terapêutica citotóxica modificada e simplificada pode ser útil em alguns casos, no controlo sintomático da doença terminal, os efeitos secundários desagradáveis ou as dificuldades do tratamento, que podem ser aceitáveis mais cedo quando há razoável esperança de cura, devem ser bem ponderados do ponto de vista dos benefícios esperados. Assim, em muitos casos talvez se não justifique a sua implementação. As drogas escolhidas devem, contudo, ser sempre facilmente administradas, terem eficácia por via oral, terem efeitos secundários mínimos, facilmente controláveis, e requererem uma vigilância e monitorização exequíveis de uma forma simples.

 Portanto, se há razoável esperança na resposta ao tratamento ou se o prognóstico é positivo quanto ao prolongamento de uma vida com qualidade, então o tratamento antineoplásico deve ser continuado e agressivo. Mas se o doente está em fase terminal e o prognóstico é negativo, então pode ser desumano continuar com essas terapêuticas agressivas. Quando o tratamento com fins terapêuticos falha e os efeitos secundários são muito maus, então esse tratamento deve ser parado.

 O PROBLEMA DA DOR

Um dos sintomas mais importantes do doente oncológico avançado é habitualmente a dor relacionada com o cancro ou com as metástases ou ainda como resultado das terapêuticas oncológicas. Bonica, um famoso anestesista norte-americano, pioneiro do movimento que a seguir à 2ª guerra mundial se começou a desenvolver para se encontrar a resposta mais eficaz ao tratamento da dor, e que se materializou na criação das clínicas da dor, refere que 60 a 80% dos doentes com cancro avançado, na sua fase terminal, sofrem dor de intensidade moderada a intensa, e muitas vezes insuportável.

 Uma das abordagens destes doentes pode assim ser centrada no sintoma dor, utilizando estruturas organizadas para prestar cuidados necessários ao seu tratamento. Os doentes admitidos nas respectivas consultas e programas, com ou sem internamento, podem mesmo não ser terminais mas necessitarem de tratamentos mais complexos como a administração dos analgésicos por vias diferentes da via oral, a via epidural, por exemplo, ou pela necessidade de monitorização ou de frequentes ajustamentos terapêuticos com incrementos rápidos das doses de narcóticos, etc. Outros doentes podem querer morrer em casa, mas não têm família ou não têm condições mínimas no seu domicílio. Há ainda doentes que foram sempre seguidos no Instituto de Oncologia, mas quando a doença se torna avançada são transferidos para a sua comunidade. Estes doentes e as suas famílias podem sentir-se abandonados pelo sistema de saúde que os acompanhou até então. A dor e outros problemas podem ser de difícil solução apenas com o apoio do médico de família e dos centros de saúde. E os cuidados, embora possam mudar de natureza, não podem ser suspensos. Eles devem mesmo ser enriquecidos agora com o contributo do tratamento domiciliário e o suporte da comunidade.

 Uma equipa multidisciplinar deve encarar a resolução de todos esses problemas que se associam ao doente terminal. O centro das atenções é o doente e a sua família e os cuidados devem ser fundamentalmente disponibilizados pelo médico, pela enfermeira e pela assistente social. Tem grande importância a colaboração de um psiquiatra e de um capelão. Também a dietista pode desempenhar um papel insubstituível na melhoria da qualidade da vida destes doentes. Nos Estados Unidos, estas equipas também incluem muitas vezes um terapêuta de música, uma vez que a música tem a propriedade única de “atrair e distrair o indivíduo, ajudando muitos doentes a dominarem o stress associado à dor e à doença. A música proporciona relaxamento, reduz a ansiedade, diminui a percepção da dor e estimula a comunicação entre o doente e a família.”

 Estas equipas, embora baseadas num hospital, orientam-se fundamentalmente para a comunidade. Nos Estados Unidos, já há mais de dez anos que existem equipas deste tipo, que inclusivamente materializam cuidados alternativos ao hospital (a extensão domiciliária de oncologia médica) fazendo entre outras coisas a administração de quimioterapia paliativa, transfusões paliativas de sangue e algumas análises sanguíneas (contagem das células). Um estudo publicado em 1983, no volume 120 de Progressos na Investigação Clínica e Biológica”, dedicado ao cancro, conclue que a qualidade de vida destes doentes com cancro avançado a fazer terapêutica paliativa no domicílio, era significativamente superior, quando comparada com o tratamento exclusivamente hospitalar.

 OUTRAS QUESTÕES

Gostava ainda de rever, embora muito sucintamente, três aspectos particulares que se associam ao doente terminal e que podem influir e/ou traduzir directa ou indirectamente a qualidade sobre os cuidados prestados.

 A INFORMAÇÃO

Em primeiro lugar, a informação do doente e da sua família. Uma deficiente comunicação entre o médico e o doente é muitas vezes uma causa importantíssima de angústia, conflitos e desconfiança. A comunicação correcta e séria com o doente é um passo tantas vezes complicado do processo terapêutico. Comunicar ao doente o diagnóstico bem como transmitir-lhe informação precisa sobre os riscos e os benefícios dos procedimentos diagnósticos e terapêuticos, bem como as suas alternativas, é talvez a decisão mais difícil de tomar e há muita insegurança por vezes sobre o modo de o fazer. Entre nós, é um hábito ser-se parco nesta informação. A maioria das vezes, evita-se a conversa, talvez convencidos de o doente não desejar saber ou que não suportará a verdade.

 Nos Estados Unidos, por exemplo, em cerca de vinte anos, passou-se da posição de não revelar praticamente nada (em 1961, 88% dos médicos não revelavam o diagnóstico), para a posição contrária. Em 1979, 98% dos médicos já informavam claramente os seus doentes acerca do diagnóstico e do prognóstico da doença oncológica, até porque a falta desta informação pode ter importantes implicações jurídicas e mesmo penais. Esta viragem muito rápida nos Estados Unidos, embora com maior lentidão, também se verifica noutros países, em especial na Europa e entre nós. Os doentes manifestam um interesse crescente em conhecer o seu diagnóstico e querem informações sobre as opções terapêuticas, incluindo as alternativas.

 Uma maneira habitual de entre nós se contornar a dificuldade é envolver previamente a família. Há, no entanto, quem pense que não é moralmente e mesmo juridicamente aceitável informar os membros da família de um doente, sem a autorização e o conhecimento do próprio doente, quando este está no pleno gozo das suas faculdades mentais. Neste caso, será um direito do doente recusar o envolvimento dos seus familiares, no processo da doença e só a ele competirá decidir, em colaboração com o seu médoco acerca do seu próprio tratamento, mas isso implica que tenha informações precisas e completas. Ainda não há muito tempo, num Conselho de Bioética, em Lisboa, em que se debateu o consentimento informado e a responsabilidade médica, ficou claro, como disse o Padre Feytor Pinto, que “todos os doentes, qualquer que seja o seu grau de diferenciação, têm o direito de conhecer a sua situação clínica, bem como os exames e tratamentos propostos”. No entanto, o médico também tem o dever de não prejudicar o doente, devendo adequar muito bem, com forte personalização, a informação que vai fornecer. Como se esta fosse um medicamento com efeitos secundários indesejáveis e complicações, se não for administrada pela via correcta, na dose recomendada e na altura devida. A inteligência, a idade e a estabilidade emocional dos doentes são determinantes na escolha dessa informação. A vontade em estar informado deve ser um parâmetro a determinar o grau de explicação e os seus detalhes.

 EUTANÁSIA

O segundo aspecto, que embora não sendo fundamental, merece, a meu ver, pelo menos uma referência de natureza informativa, é a eutanásia, que é legalmente proibida entre nós e na grande maioria dos outros países. No entanto, é claro que a sua discussão vem aumentando nos últimos tempos. Mais lá fora, mas em Portugal também vão surgindo, com alguma frequência, artigos na imprensa que abordam este tema “proibido”. É, porém, um assunto que as revistas científicas tratam com grande seriedade, ao lado das outras questões relacionadas com a ética médica, como as decisões sobre a vida e a morte, a investigação clínica em doentes graves, o estabelecimento de prioridades perante recursos médicos limitados, a abstenção terapêutica, etc., etc.

 A eutanásia pode ser definida como “a terminação rápida e indolor da vida humana para libertar alguém da dor e do sofrimento”.  Há quem defenda este procedimento argumentando que uma morte assim “é muito mais humana que a morte prolongada que ocorre depois da decisão de supender o suporte activo da vida em doentes com cancro terminal”.

 Defendemos, no entanto, que os médicos não se devem envolver, por exigência ética, nos movimentos que defendem a eutanásia.Compete-lhes, pelo contrário, lutar tenazmente contra o sofrimento dos doentes, aliviando a dor e os outros sintomas desconfortantes e devem circunscrever os seus cuidados ao suporte da vida que se deseja sem sofrimento. A qualidade e o empenho dos cuidados prestados ao doente terminal são a melhor forma de afastar o desejo do doente em morrer antecipadamente, com o recurso a este processo.

 Havendo, no entanto, países em que a eutanásia é legal, onde portanto os médicos que desempenham esse acto não são perseguidos, julgamos ser útil referir, nesta reunião científica, quais as directrizes que habitualmente se têm em conta nos casos desta prática. Essas directrizes, muito precisas, estão dependentes de cinco verificações obrigatórias: 1. O explícito pedido repetido do doente, consciente, que não deixe qualquer dúvida acerca do seu desejo; 2. O sofrimento físico ou mental ser intenso e insuportável e sem qualquer esperança de alívio; 3. A decisão do doente ser informada e consistente; 4. Verificar-se a ausência completa de alternativas terapêuticas; 5. Serem responsabilizados pelo acto, dois médicos, o médico com competência para a administração da eutanásia e um outro clínico. O método mais usual é através da indução do sono com um barbitúrico, seguido de uma injecção endovenosa de um relaxante muscular.

 O LOCAL DA MORTE

O terceiro aspecto que quero referir, e com o qual concluo esta minha exposição, tem a ver com o local da morte. O lugar onde o doente com doença avançada acaba por morrer assume significativa importância e pode traduzir a boa qualidade dos cuidados prestados na fase terminal, em particular se a sua escolha estiver de acordo com o desejo do próprio doente em consonância com a sua família. O domicílio, quando há condições, é certamente o desejável. Mas a morte no hospital é cada vez mais frequente. Quando ela aqui ocorre, a duração do tempo prévio da hospitalização pode servir de indicador relativamente fiel sobre a qualidade do tratamento e dos cuidados no próprio domicílio e reflectir também a eficácia dos apoios médicos e não médicos da comunidade. Também os sintomas de difícil controlo, a necessidade de cuidados pouco consentâneos com a execução domiciliária, a existência de pressões de ordem psicossocial e de sentimentos de insegurança do doente e dos familiares e ainda o juizo destes sobre a desvalorização da morte doméstica, são outros motivos que reforçam a tendência de a morte acontecer no hospital. Mas, idealmente, a morte deveria regressar ao lar da família. E falámos num caminho muito importante.

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Castelo Branco, 9 de Abril de 1993