MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO RECURSO DE EMPOWERMENT DA SOCIEDADE CIVIL

Por Sebastião Rodrigues de Sousa | 17/11/2017 | Sociedade

RESUMO
Neste estudo tem-se por objetivo desenvolver uma reflexão sobre a mediação comunitária enquanto recurso de empowerment da sociedade civil, a partir de uma revisão da literatura especializada, portanto, a pesquisa classifica como qualitativa. O estudo parte da compreensão de que a sociedade brasileira é desigual e que a desigualdade conduz a conflitos que colocam em desequilíbrio a harmonia social. Os conflitos existem e devem ser solucionados, o que pode ocorrer de diversas formas. No entanto, a forma mais adequada é a mediação comunitária. A mediação comunitária efetiva-se a partir da participação da sociedade civil ou da comunidade em assuntos de seu interesse, os quais nem sempre são solucionados a contento quando, por exemplo, são submetidos ao julgamento pela justiça estatal, a qual é lenta e onerosa. A mediação, por si só, demonstra o nível de amadurecimento, de emancipação e de empowerment da comunidade. Assim, ela pode e deve ser utilizada como recurso de solução de conflitos no âmbito privado e comunitário. No último caso, os conflitos mais frequentes são decorrentes de políticas públicas que nem sempre atendem de forma adequada as demandas da comunidade. A participação da sociedade civil em órgãos colegiados de gestão e de controle social é legitima e adequada, a despeito dos embates políticos ali verificados, de cujos embates devem resultar a solução dos conflitos.
Palavras-chave: Conflitos. Mediação. Comunidade. Empowerment.

ABSTRACT
This study aims to bring about a reflection on community mediation as a resource for empowerment of civil society, from a literature review, therefore, the research is qualified as qualitative. The study comes from the understanding that Brazilian society is unequal and that inequality leads to conflicts that unbalance social harmony. Conflicts exist and they must be addressed, which can occur in several ways. However, the most appropriate way is community mediation. Community mediation becomes effective through participation of civil society or community on topics of its interest, which are not always satisfactorily solved when, for example, are subjected to trial by the state justice, which is slow and costly. Mediation, by itself, demonstrates the level of maturity, emancipation and empowerment of the community. Thus, it can and should be used as a resource for resolving disputes in the private and community levels. In the latter case, the most common conflicts are a result of public policies that do not always meet adequately the demands of the community. Civil society participation in collegiate bodies of management and social control is legitimate and appropriate, regardless of the political clashes that there are, from whose struggles should solution to conflicts be given rise.
Keywords: Conflict. Mediation. Community. Empowerment.

INTRODUÇÃO
Neste estudo tem-se por objetivo desenvolver uma reflexão sobre a mediação comunitária enquanto recurso de empowerment da sociedade civil, a partir de uma revisão da literatura especializada, de forma que a metodologia da pesquisa se configura como qualitativa.
Parte-se da compreensão de que se vive em uma sociedade caracterizada pelas relações globalizadas em que os conflitos afloram a todo momento, em especial, em decorrência das desigualdades, cujas desigualdades tendem a acentuar-se, mesmo com a existência de políticas públicas destinadas a combatê-las.
No entanto, o combate às desigualdades, em especial, sociais e econômicas não se configura apenas como um dever do Estado, mas de toda a sociedade, a principal interessada. Para estar preparada para combater as desigualdades, a comunidade precisa possuir uma parcela de poder, o qual não decorre da transferência benévola do Estado para os cidadãos, mas da conquista por intermédio da participação.
Em países como o Brasil, a participação da sociedade civil na esfera pública encontra-se legitimada, uma vez que está prevista, inclusive na Constituição Federal. Embora isto seja importante, não se configura como garantia de participação da sociedade civil na solução de problemas e conflitos que lhe dizem respeito. É necessário se formar uma consciência de que a sociedade civil pode e deve concorrer para a superação dos conflitos que permeiam as relações sociais ou socioinstitucionais.
Uma das possibilidades de atuação positiva e propositiva da comunidade para a solução dos conflitos é a mediação, a qual se constitui como um recurso democrático que valoriza as partes envolvidas nos conflitos e as respeitas a partir de princípios éticos que valorizam o ser humano e estabelecem atitude de abertura para o outro, independente de suas características e condições pessoais/sociais.
Isto só se alcança se a comunidade estiver consciente de suas responsabilidades e possibilidades sociais. Do poder que ela tem, enquanto organização composta por cidadãos capazes de conviver com as diferenças do outro, sem tentar reduzi-lo à condição de objeto, de posse, o que sempre provocará resistência, portanto, conflitos.
MEDIAÇÃO DE CONFLITOS
Do ponto de vista de uma abordagem existencialista, conforme Sartre (1999, p. 453), “o outro me olha e, como tal, detém o segredo de meu ser e sabe o que sou; assim, o sentido profundo de meu ser acha-se fora de mim, aprisionado em uma ausência; o outro leva vantagem sobre mim. Sou experiência do outro: eis o fato originário”.
Decorre que assim como o eu do outro, em sua heterogeneidade e alteridade resiste a se deixar tematizar e apropriar, o meu eu, de igual forma, resiste à tematização e apropriação, o que pode resultar em conflitos, os quais devem ser tratados a partir de uma dimensão ética necessária, pois o ser humano é um ser de relações.
Essas relações nem sempre são harmônicas, portanto, por vezes, são caracterizadas por conflitos, nem sempre fáceis de serem equacionados e superados. Os conflitos existem, em sua grande maioria, não porque os seres humanos sejam maus por natureza, mas porque são diferentes, pensam e agem ou reagem de forma diferente, o que remete a questão do conflito à dimensão da alteridade.
Acrescenta Gallo (2011) que a relação com o outro, a relação entre os seres humanos é conflituosa porque implica em posse. Ou seja, nas relações entre humanos, desde o
momento inicial, a partir do olhar, há uma tentativa de captura e retenção. De posse a que o outro resiste porque não deseja ser reduzido à condição de objeto possuído.
Assim, pode-se afirmar que só existe conflito porque o outro é outro mesmo, independente de minha opinião sobre ele, de minha tematização a respeito do eu do outro. Para que viva e conviva de acordo com uma postura ética, é necessário estabelecer meios para solucionar os conflitos. Os meios de solução de conflitos podem ser classificados, conforme Nascimento (2011, p. 1), em dois grupos distintos: “autocomposição e heterocomposição”. A autocomposição se constitui da conciliação e da mediação, enquanto a heterocomposição é composta pela arbitragem e pela justiça distribuída pelo Estado.
Do ponto de vista conceitual, conforme Sena (2007, p. 96), a mediação é definida como “a conduta pela qual um terceiro aproxima as partes conflituosas, auxiliando e, até mesmo, instigando sua composição, que há de ser decidida, porém, pelas próprias partes”. Isto caracteriza a autocomposição, a qual, mesmo admitindo a presença de uma terceira pessoa, o mediador, é efetivada pelas partes envolvidas no conflito, cuja solução depende dessas partes interessadas de forma direta. Acrescenta Campos Filho (2010, p. XXI) que:
A mediação tem sido implementada em diversos contextos, apresentando permanentemente propostas de pacificação social, fundamentadas no diálogo, na intercompreensão e na implicação dos sujeitos na construção de soluções pacíficas para os conflitos que vivenciam.
A mediação não se configura como um fenômeno recente. Pode-se afirmar que sua gênese coincide com o surgimento dos primeiros desacordos entre as pessoas, portanto, é mais antiga que qualquer sistema de justiça organizado pelo Estado. Isto é confirmado por Torremorell (2008), o qual afirma que desde tempos imemoriais já havia nas tribos e povoações, pessoas consideradas sábias a quem se recorriam quando se estabeleciam situações de disputas e de conflitos, as quais, por sua experiência e sapiência, promoviam a mediação e concorriam para se construir as bases a partir das quais, os problemas poderiam ser solucionados.
Isto é confirmado por Neto (2010, p. 20-21), autor que afirma que Confúcio (700 a.C), já prescrevia que a melhor forma de resolução de conflitos é a mediação e que o recurso aos tribunais deveria ser evitado, uma vez que a harmonia da sociedade deve ser construída a partir da observância de regras morais em que a palavra dada detenha um valor inalienável, igual ou superior a um contrato escrito ou a uma sentença judicial.
Por sua importância, a mediação não se configura apenas como uma técnica de resolução de conflitos, mas como demonstra Vinyamata (1999 apud TORREMORELL, 2008, p. 20), ela se apresenta na contemporaneidade como “[…] uma inovadora corrente de pensamento e de aplicação do mesmo, que aspira compreender e a intervir positivamente na resolução dos conflitos de uma maneira pacífica e não violenta”. Na compreensão de Neto (2010, p. 19):
Mediação, método dialógico de resolução de conflitos, consiste na intervenção de um terceiro, pessoa física, independente, imparcial, competente, diligente e escolhido em consenso, que coordena reuniões conjuntas ou separadas para que as pessoas envolvidas em conflitos construam conjuntamente a melhor e mais criativa solução. Este método, indicado pela Organização das Nações Unidas (ONU) como a mais adequada maneira de promoção da cultura da paz, pode ser empregado em inúmeras áreas.
Então, a mediação, mais que mera técnica utilizada para a solução de conflitos, se configura como um campo de estudo e de reflexão sobre as relações, nem sempre amistosas entre humanos, as quais, através da mediação, podem ser restabelecidas de forma a ser restaurada a harmonia desequilibrada pela situação conflituosa, com ganhos para as partes envolvidas e para a paz social.
O senso comum tende a definir a mediação apenas como uma técnica alternativa à solução de conflitos, cuja principal virtude seria resolver problemas de forma rápida e barata sem a necessidade de recorrer aos tribunais, sempre mais morosos e onerosos. Isto, no entanto, não se sustenta.
A mediação não anula a ação da justiça ministrada pelo Estado e nem existe para diminuir o número de ações judiciais. Ela existe e é ou deve ser utilizada, porque representa uma possibilidade de diálogo entre os seres humanos, mesmo quando interesses pessoais estão em jogo. Neste caso, a mediação é uma prova de que o ser humano, a despeito das diferenças, pode e deve buscar e construir as bases para a solução de conflitos, a partir de uma postura ética pautada em valores que devem nortear a convivência humana, já que o ser humano teria dificuldades, não apenas de viver, mas até de sobreviver sem a presença de outros humanos.
A mediação deve ser guiada por princípios axiológicos reconhecidos em uma dimensão teleológica. Embora se reconheça que os valores norteadores da convivência humana se modificam no decorrer do tempo e de um local para outro, há princípios éticos que não devem ser desprezados, sob pena do ser humano se tornar menos humano e até desumano, o que justificaria a tese enunciada por Plauto (254-184 a.C.) e popularizada por Thomas Hobbes (1588-1679) de que o homem é o lobo do homem.
Hobbes (s/d), parte do pressuposto de que sem a intervenção do Estado para a regulação das relações entre os seres humanos, bem como para a resolução dos conflitos, eles viveriam sob constantes disputas na defesa de seus interesses, em detrimento do interesse de outros. Na compreensão de Hobbes (s/d, p. 46):
Os homens não tiram prazer algum da companhia uns dos outros (e sim, pelo contrário, um enorme desprazer), quando não existe um poder capaz de manter a todos em respeito. Porque cada um pretende que seu companheiro lhe atribua o mesmo valor que ele se atribui a si próprio e, na presença de todos os sinais de desprezo ou de subestimação, naturalmente se esforça, na medida em que a tal se atreva (o que, entre os que não têm um poder comum capaz de submetê-los a todos, vai suficientemente longe para levá-los a destruírem-se uns aos outros), por arrancar de seus contendores a atribuição de maior valor, causando-lhes dano, e dos outros também, através do exemplo.
Neste caso, Hobbes (s/d) considera que a natureza humana é má e que, portanto, a convivência entre humanos deve ser regulamentada pelo Estado. Isto não está de acordo com a civilidade. E por mais que haja conflitos entre os seres humanos, eles não podem reduzir o homem à condição de irracionalidade e de mera animalidade. Os conflitos existem e podem ser solucionados, inclusive e de preferência, através do recurso à mediação, recurso sempre menos traumático que as sentenças judiciais prolatadas pelos tribunais.
Assim, a mediação não pode ser caracterizada apenas pelo binômio ganhar-ganhar ligada ao princípio da satisfação, mas, como afirma Torremorell (2008), deve caracterizar-se como um recurso capaz de promover a justiça social fundada na autodeterminação e na independência dos cidadãos, os quais, enquanto sujeitos de direitos, podem e devem ser protagonistas dos processos de solução dos próprios conflitos, ocorram eles na esfera privada ou comunitária.
EMPOWERMENT DA SOCIEDADE CIVIL
O termo empowerment tem origem na Língua Inglesa e de maneira bastante simplificada, na compreensão de Baquero (2012), aponta para a obtenção, ampliação ou reforço de poder. A sociedade civil, no entanto, não busca o empowerment por acaso, mas porque tenta minorar os efeitos dos sistemas de dominação a que tem sido submetida ao longo do tempo.
Afirma Baquero (2012, p. 173) que “a dominação está presente nas sociedades ao longo da história sob diferentes formas”. Em face disso, é justo que a sociedade civil procure
formas de emancipação, e isto é possível através do empowerment ou empoderamento dos sujeitos individuais e coletivos.
No Brasil, vivencia-se um sistema político-administrativo caracterizado pela democracia representativa em que a sociedade civil confere poder a representantes eleitos através de processos eleitorais livres. Embora a democracia representativa seja legitima e deva ser preservada e fortalecida, muitas vezes ela não é suficiente para garantir que as demandas sociais sejam atendidas pelas políticas públicas e sociais, o que resulta em conflitos. Para garantir a efetividade dessas políticas públicas e a superação de tais conflitos, é necessário que a sociedade civil disponha do poder necessário para interferir nos destinos dessas políticas, o que é alcançado através do exercício direto da democracia pela sociedade civil.
Neste caso, é possível deduzir que o nível de intervenção da sociedade civil nos assuntos de seus interesses, inclusive nas políticas públicas, depende do seu nível de organização, de participação, de empowerment. A participação social no âmbito das políticas públicas brasileiras se dá, de preferência, através de órgãos de deliberação coletiva que colaboram na concepção, implementação e controle das políticas públicas, de modo especial na dimensão do controle. O controle social, na compreensão de Arraes (2012, p. 73):
Consiste na participação social dos cidadãos na construção e regulação das políticas públicas. Tal noção baseia-se na premissa de que é importante garantir que os diferentes segmentos da sociedade e as representações da população de um modo geral possam participar desde as formulações das políticas públicas (sob a forma de planos, programas e projetos), acompanhamento e avaliação da execução das mesmas até a definição da organização de recursos para que estas se conformem de acordo com interesses da coletividade. O controle social, portanto, demonstra uma conquista jurídico institucional da participação social.
Os órgãos de deliberação coletiva dos quais a sociedade civil participa de forma efetiva, são os conselhos gestores e de controle social de políticas públicas como a da educação e da saúde entre outros. Como esses órgãos são organizados de forma paritária entre o poder público e a sociedade civil organizada, em tese, o poder é distribuído de forma equitativa.
Os conselhos, por se tratar de instâncias de poder, podem ser considerados como arenas políticas ou arenas públicas em que se instalam conflitos decorrentes de interesses nem sempre convergentes. No entanto, conforme Cruz e Freire (2003, p. 78):
A arena pública mostra-se mais adequada para pensar a ação coletiva, visto que aborda as relações de conflito e de cooperação como construídas segundo uma lógica dramatúrgica, na qual os atores interpretam determinados papéis, agindo de
acordo com a interpretação que fazem das ações e comportamentos dos outros e de suas próprias posições em uma situação dada.
Neste caso, os conselho gestores e de controle das políticas públicas se mostram como as instâncias mais adequadas à solução de conflitos e à busca de cooperação entre os diversos interessados, o que se configura como um exercício de cidadania que se dá a partir de princípios democráticos, e de empowerment da sociedade civil ou da comunidade. Ressalta-se que quanto mais a comunidade participa das tomadas de decisão e do controle no âmbito público, mais poder ela adquire.
MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA E EMPOWERMENT DA SOCIEDADE CIVIL
É do conhecimento público que sistema público de justiça no Brasil, como de resto, toda a gestão pública, vivencia uma crise profunda, o que coloca em risco a garantia de direitos dos cidadãos, portanto, a justiça, ao invés de assegurar direitos como é de sua competência, por vezes apresenta-se como um obstáculo ao acesso a esses direitos. O sistema de justiça, na compreensão de Santos (2011, p. 3):
Enfrenta obstáculos econômicos, organizacionais e processuais [que] dificultam, e, por vezes, inviabilizam o exercício do direito fundamental de acesso à justiça no Brasil, especialmente para aqueles que se alocam na condição de marginalizados em relação ao gozo de prestações positivas do Estado, a exemplo de serviços básicos como saúde, educação, transporte, lazer e tutela jurisdicional.
Ou seja, vise-se no Brasil em uma sociedade caracterizada por desigualdades sociais e disparidades regionais, cenário propício à existência de conflitos de toda ordem, desde aqueles ocorridos no ambiente familiar, até os que ocorrem no âmbito social e comunitário. A solução de conflitos, no caso brasileiro, tem se dado, de preferência, através dos mecanismos judiciários, como demonstra Nascimento (2011, p. 2):
Na sociedade atual cabe ao Estado fixar normas gerais e abstratas de condutas dirigidas a todos os cidadãos, com a finalidade de manter a convivência estável e pacífica, sem exclusão dos costumes locais, que muitas vezes são utilizados de paradigmas para elaboração de futuras normas.
Mesmo assim, a sociedade civil pode e deve resolver seus próprios conflitos através de recursos como a mediação. A via da mediação, além de se apresentar como um recurso competente para a solução de conflitos de forma pacífica demonstra um nível de
amadurecimento social e de empowerment da sociedade construído a partir de princípios de autonomia e de democracia. Assegura Vedana (s/d, p. 1) que “a mediação comunitária não é apenas mais um instrumento de pacificação social, mas é também meio para o exercício da cidadania e para a independência da comunidade”. Neste caso, a comunidade, ao adotar a mediação como recurso para a solução de conflitos, não despreza os estatutos jurídicos e normativos, mas prioriza a mediação porque ela fortalece a independência da comunidade em relação ao Estado, por vezes paternalista, e promove a participação cidadã nos assuntos de interesse direto dos cidadãos, como é o caso da construção de uma convivência harmônica entre os membros de uma comunidade. A cidadania não se configura como uma dádiva, mas como uma conquista do cidadão. Na compreensão de Carvalho (2011), a cidadania só se consolida e alcança sua plenitude, através da participação social em que todos os cidadãos, de forma consciente e livre, se integram visando o bem estar da coletividade, o que vai de encontro ao individualismo exacerbado que caracteriza a sociedade atual para começar a se apresentar como a gênese de uma cultura de participação social, inclusive em órgãos como os conselhos gestores e de controle de políticas públicas que começam a se consolidar no Brasil e através da adoção de recursos como a mediação comunitária para a solução de conflitos. Conforme Teixeira (2002 apud SPENGLER e RIGON, 2012, p. 123):
Ao termos uma sociedade participativa, estamos diante de um instrumento que controla o Estado político e socialmente, pois os cidadãos irão aqui orientar a ação pública. Assim, a participação no processo decisório tem papel fundamental, a qual contribui para melhorar a qualidade das decisões mediante o debate público.
A participação da sociedade civil no controle e gestão de políticas sociais, no Brasil, se configura como uma conquista importante alcançada durante os embates e debates pela redemocratização político-administrativa do Estado, cuja conquista está assegurada na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. De acordo com Brasil (1988), a participação da sociedade civil na gestão e controle de políticas públicas está prevista em vários artigos. Por exemplo, o Art. 198, Inciso III, estabelece que o Sistema Único de Saúde (SUS) deve ser estabelecido com a participação da comunidade; por sua vez o Art. 204, Inciso II estatui sobre a organização da assistência social, devendo haver a participação da sociedade na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis, por meio de organizações representativas e o Art. 216, § 1° assegura
que a promoção e proteção do patrimônio cultural brasileiro devem ser organizadas pelo poder público em conjunto com a comunidade. Isso, no entanto, não implica na eliminação dos conflitos, uma vez que cada membro de uma comunidade percebe o real de forma personalíssima e possui interesses que lhe são próprios, para cuja defesa, podem resultar conflitos. Por outro lado, a adoção de uma política pública nem sempre responde todas as demandas sociais, uma vez que uma política pública é constituída por aquilo que o governo faz e também pelo que ele deixa de fazer. A despeito disso, implica sim, na possibilidade de se buscar os meios e recursos mais adequados à solução de tais conflitos, como é o caso da mediação comunitária, o que só é possível, se a comunidade tiver consciência de seu poder e se disponha a participar de forma efetiva no sentido de encontrar solução para seus problemas e ao mesmo tempo, assegurar o respeito a seus direitos. Cabe ressaltar, que de acordo com Bueno (2010), a partir de uma análise da percepção de John Rawls sobre a justiça, há um princípio que não pode ser olvidado. Para Rawls, conforme Bueno (2010, p. 668), a justiça é uma “virtude das instituições sociais ”. E diante disso, assegura Bueno (2010), que para Rawls não importa se as leis e instituições estejam organizadas de forma ordenada e eficiente. Se forem injustas, devem ser reformadas ou abolidas, e isso deve ocorrer com a participação das instituições sociais, as principais interessadas em que as instituições e leis estejam organizadas de forma ordenada, sejam eficientes, e, principalmente, justas. Para que a comunidade possa contribuir para que as instituições ineficientes sejam reformadas e as leis injustas revogadas, é necessário que ela tenha conquistado uma situação de empowerment, a qual decorre sempre da efetiva participação da comunidade nos diversos níveis de organização, inclusive estatal, neste caso, através da gestão e controle de políticas públicas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A história do Brasil tem sido marcada, desde o período colonial, por profundas desigualdades socioeconômicas, de forma que a maior parte da população brasileira viveu historicamente uma situação de exclusão dos bens e serviços públicos básicos, dentre eles, a dificuldade de acesso à justiça estatal.
Além disso, o País, ao longo do tempo, tem vivenciado momentos alternados de sistemas de governo mais centralizados e menos centralizados, até se conquistar, no final do
século XX, um estado de democracia que ainda se encontra em construção, após longo período de regime ditatorial imposto pelo regime militar.
Assim, pode-se afirmar que o Brasil, em especial por causa das desigualdades e da instabilidade dos sistemas de governo, tem convivido em estado de conflito quase permanente. Tal situação, embora negativa, contribuiu para o amadurecimento da sociedade brasileira, a qual conquistou, na década de 1980, um regime democrático, o qual consagrou a participação comunitária na gestão e controle de políticas públicas através da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
As formas mais comuns de participação comunitária na gestão pública são através de órgãos colegiados como os conselhos normativos, deliberativos e fiscalizadores, das conferências e dos fóruns setoriais. Todos se configuram como arenas políticas em que ocorrem embates, por vezes profundos que resultam em conflitos.
Esses conflitos são ou devem ser equacionado no âmbito desses espaços coletivos, o que nem sempre ocorre de forma pacífica, de modo que há a necessidade de se encontrar fórmulas para sua solução e restabelecimento do convívio entre as partes conflituosas. Uma das formas de resolução de tais conflitos é a mediação comunitária.
O recurso à mediação comunitária demonstra o desenvolvimento de uma consciência coletiva que se opõe ao individualismo, bem como a capacidade que a comunidade adquiriu de participar de nos debates e nas ações de políticas públicas de seu interesse direto, isso demonstra que a sociedade civil brasileira desenvolveu a capacidade de conviver de forma democrática, inclusive resolvendo seus problemas e conflitos no âmbito comunitário, dispensando, em grande parte, a busca de solução de conflito nos tribunais.
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