Mcdonaldização da sociedade: trabalho de campo
Por Amanda Noronha Fernandes | 26/11/2010 | FilosofiaVisita ao McDonald?s
É possível avistar o símbolo do McDonald?s estando ainda longe. Quando vai se aproximando é possível consultar cardápios de "McOfertas" logo no estacionamento. Estava de bicicleta. Demorei a encontrar um local para prendê-la, mas havia um bicicletário- não muito prático e bem escondido, mas um bicicletário- e isso me surpreendeu: nunca tinha visto isso antes e acredito que eles tenham pensado nisso como forma de atrair os universitários moradores do bairro.
Ao entrar no estabelecimento, me deparei com muitas pessoas- por causa do horário, acredito, por volta de 18h. Escolhi um local para me sentar e passei a observar. Os móveis do local eram mais sofisticados dos que muitos McDonald?s que já frequentei, provavelmente por se encontrar em um bairro de classe média e alta. As poltronas eram razoavelmente confortáveis, mas tornavam-se incomodas depois de certo tempo. Chamou bastante minha atenção que havia uma televisão ligada em um canal de clipes musicais e uma estante com diversas revistas disponíveis aos clientes, que iam de tablóides a noticiários.
Era difícil contar quantos funcionários estavam no balcão e na cozinha, porque eram muitos e em constante movimento, mas podia contar-se por volta de 30, incluindo duas faxineiras que estavam limpando o estabelecimento do lado de fora do balcão, caixas, cozinheiros, dois supervisores (distinguidos por suas roupas sociais) e os responsáveis pelo serviço de drive thru, pelo qual se compra sem ser necessário sair do carro. Havia quatro caixas registradoras e cerca de dois funcionários para cada, sendo um para registrar o pedido e outro para levá-lo ao balcão e entregá-lo ao cliente. Era possível ver os supervisores darem broncas nos funcionários algumas vezes por ineficiência ou falta de agilidade. Há uma linha de montagem na cozinha, na qual cada pessoa é responsável por uma ou poucas tarefas. Não é possível ver com detalhes o que fazem os funcionários da cozinha, apenas o empregado responsável pela fritadeira. Sabe-se, no entanto, que há uma enorme grelha, na qual hambúrgueres são feitos ao mesmo tempo e de forma uniforme e um local onde ficam todos os temperos para que sejam distribuídos também de maneira uniforme.
Há máquinas diferentes para quase todas as operações. Na caixa registradora, os funcionários não precisam sequer registrar valores, precisam apenas clicar nos itens pedidos. Há uma máquina para sucos e refrigerantes, que tem um botão para ligar e desliga sozinha quando o copo está cheio. A máquina de sorvete tem uma manivela e quem vai utilizá-la já sabe quantas vezes deve puxá-la para que todos recebam a mesma quantidade de sorvete. Há também uma máquina que controla a quantidade de cobertura para cada sorvete. A fritadeira de batatas tem um dispositivo que apita quando a batata já está no ponto certo. Há também uma espécie de espátula que tem o formato dos pacotes onde as batatas são colocadas, com a qual o funcionário consegue fazer porções sempre iguais.
Para fazer um pedido, o cliente que adentra o estabelecimento se direciona diretamente ao balcão de atendimento, onde pode visualizar ao alto o cardápio, que, todavia, não possui muitos detalhes, apenas as McOfertas e algumas sobremesas. Se o cliente quiser pedir algo em tamanho menor, apenas o lanche sem os acompanhamentos ou quiser saber o preço de cada item, precisa solicitar o cardápio ao atendente, mas essa atitude não é muito comum. As McOfertas constituem-se de um lanche, batatas fritas e refrigerante médios. Antes era possível pedir acompanhamentos pequenos, mas agora se o cliente assim o desejar, tem que pedir separadamente. Geralmente, ele acredita que é vantagem pedir médio ou grande.
O atendente pergunta ao cliente o que deseja e, geralmente depois da resposta do cliente, o atendente pergunta se o pedido do cliente acompanha alguma coisa que ele mesmo sugere, como refrigerante e batata grandes por mais uma pequena taxa ou se o cliente pedir uma torta doce, por exemplo, ele pergunta se o cliente não gostaria de mais uma para ganhar um desconto. Terminado o pedido, o atendente pergunta se o cliente deseja algo mais e se ele diz que não, diz o valor total da compra e em seguida chama o próximo da fila, muitas vezes quando o cliente que acabou de pedir nem saiu da fila ainda. Enquanto o cliente ainda está fazendo o pedido, o outro funcionário já está correndo de um lado para outro para pegar tudo e colocar na bandeja que está em cima do balcão.
Observei um pedido feito para um supervisor e é possível ver que ele tem mais liberdade de ação, não se utilizando do mesmo discurso decorado, apesar de agir de forma parecida.
Para as crianças há brindes chamativos e para os adultos, além de papéis coloridos e informativos entre a bandeja e o lanche, no atual momento, há uma promoção de lanches da Copa do Mundo: cada dia o lanche que representa um país e na compra com cartão Visa, o cliente ganha um sorvete. Há também uma promoção que funciona como um bolão da Copa em que o cliente pode ganhar dois milhões, mas para palpitar, é preciso ter um cupom de compra.
Com a bandeja na mão, o cliente se direciona a uma mesa, algumas vezes passa pela máquina de catchup, senta-se, come rapidamente, na maioria das vezes, pega sua bandeja e caminha até o lixo, onde despeja os restos e embalagens. Há lixos grandes e visíveis e todos os clientes já sabem que devem levar suas próprias bandejas até eles para o descarte do lixo. Há inclusive um local para que os clientes derramem o líquido que não foi consumido. Depois de fazer isso, a maioria dos clientes vai embora. Alguns passam antes pelo sanitários, mas muito poucos. Tendo feito estas observações, me retirei do local.
Conclusão
A McDonaldização consiste num processo de racionalização que abrange cada vez mais diferentes âmbitos da sociedade. Faz parte de um processo histórico consequente da burocratização e racionalização das instituições. Isso se deu ao longo do tempo em situações como a racionalização das mortes no Holocausto, a organização científica do trabalho, que é resultante do Taylorismo e mais tarde do Fordismo, com a produção em série e em massa, que foram aprimoradas ao longo do tempo, por exemplo com o just-in-time japonês e uma série de fatores que levaram a uma urbanização e um desenvolvimento da sociedade, que, por sua vez, passou a viver em função da rapidez e praticidade. Recebe este nome porque o McDonald?s tornou-se um símbolo de todo esse processo.
Algumas vezes, os fast-foods precisam se adaptar as realidades locais, em algumas situações até mesmo para evitar manifestações contrárias. No McDonald?s visitado, o fato de os móveis serem sofisticados e da presença de um bicicletário demonstram como essa adaptação pode ocorrer.
A racionalidade dos restaurantes de comida rápida e outras diversas instituições tem tido êxito, porque oferece eficiência (ou ao menos supostamente oferece um método eficiente para satisfazer necessidades), calculabilidade (que tem ênfase nos aspectos quantitativos, como tamanho, preço, tempo), previsibilidade (que garante que o serviço será sempre o mesmo em todos os momentos e locais) e controle (controle sobre o cliente e também de funcionários através de supervisão e principalmente através de tecnologia não humana).
A eficiência se evidencia na rapidez do atendimento seja para o cliente que entra no estabelecimento, seja para o cliente do drive thru. O cliente tem uma necessidade e ela é atendida quase que imediatamente. A calculabilidade está presente nas quantidades de produto adquiridos, bem como pelo preço (maior pelo menor preço) e também o tempo que o cliente gasta para satisfazer sua necessidade. A previsibilidade é garantida pelo atendimento sempre igual em qualquer franquia, além de um produto sempre igual: mesmo gosto, mesmo tamanho, mesmo preço. Além disso, a previsibilidade está na atitude dos clientes, que agem quase que de forma homogênea. O controle se demonstra pela utilização de máquinas, de supervisão, da disposição dos objetos (exemplo: a presença do lixo leva os clientes a quase sempre levar suas bandejas até ele; os cardápios limitados que se encontram visíveis limitam os pedidos dos clientes; ofertas, promoções e brindes manipulam muitas vezes a escolha do cliente;), entre outros.
Segundo Ritzer (1995), a burocratização da sociedade tem como objetivo aplicar experiências acumuladas que se demonstram ótimas para alcançar fins desejados. Sem dúvida, esse processo traz consigo diversas facilidades para as pessoas, como tirar dinheiro de madruga, tratamento igual para todas as pessoas, ausência de surpresas, entre outros aspectos. O problema da racionalidade para Weber e mais especificamente nesse contexto para Ritzer, é que essa racionalidade leva a uma irracionalidade, chamada pelo primeiro de "jaula de ferro".
Cada trabalhador tem uma ou poucas funções. Por exemplo, aquele que registra os pedidos não pega o lanche e quem pega o lanche, não registra pedidos. "A seres humanos, equipados con una amplia gama de habilidades y capacidades, se lês exige la realización repetitiva de um número limitado de tareas altamente simplificadas." (Ritzer, 1995, p. 65) Os empregados de instituições McDonaldizadas são desumanizados a partir do momento em que passam a praticar poucas ações repetidas, sobre as quais não precisam refletir, que deixam suas habilidades de lado e também através de interação com máquinas, que passam a controlá-los. "En una sociedad que experimenta la McDonaldización, la gente representa la mayor amenaza a lo predecible." (Ritzer, 1995, p. 186) É por isso, que, cada vez mais, máquinas tomam o lugar de trabalhadores. Os clientes também são desumanizados, pois têm atitudes mecânicas: já sabem para onde devem se dirigir, já sabem muitas vezes de cor o que vão pedir.
As pessoas deixam de ser imprescindíveis, pois qualquer pessoa está apta a fazer o trabalho após um treinamento e por isso, os donos das empresas podem pagar o que quiserem e exigir o que quiserem, pois sempre terão pessoas dispostas a fazer o trabalho por necessitarem dele. O atendimento aos clientes deixa de ser personalizado, a interação entre as pessoas é a mínima possível, o que se demonstra pelo rápido atendimento e o discurso decorado.
Outro resultados disso são que a qualidade dos produtos é muitas vezes mediana e negócios familiares acabam muitas vezes falindo, por não ter condições de disputar com as grandes franquias.
Tendo isto em vista, esta breve descrição de uma visita ao McDonald?s tem o intuito de evidenciar os conceitos de racionalização e burocratização estudados ao longo da disciplina, além de fazer refletir sobre a magnitude do processo de McDonaldização, o que ele acrescenta a sociedade e como devemos agir diante disto. Temos nos tornado robôs, que agem de forma mecânica, sempre buscando um objetivo. Embora seja pouco provável que o processo recue, precisamos refletir sobre como lidaremos com as conseqüências dele antes que não se possa mais escapar das cadeias da racionalidade.
Bibliografia
Ritzer, George. S. d. La Mcdonaldizacion de La sociedad. Madri: 1995, Editorial Popular. Capítulos: 1, 2, 6 e 10.