May Day
Por Bernard Gontier | 27/02/2008 | CrônicasMay Day, may day
Alô Houston, Houston,
Estamos perdendo contato...
Mayday...
Estamos precisando de algumas coisas também. O contato acho que já perdemos faz tempo. Ou não. Mas víveres, alento e quem sabe lá algumas palavras de incentivo...
Quem sabe um pacote de macarrão?
E uma casa. Clara. Espaçosa.
Quente no inverno e arejada no verão.
Seria possível trocar a casa por um abraço apertado?
Acho que não é só contato que estamos perdendo.
E o macarrão?
O avô de um amigo meu, muito rico então, vivia dizendo aos empregados: pára de reclamar que tá com fome. Come macarrão, come banana. Quem ouvia isso numa primeira instância nãodeixava de achá-lo um rematado imbecil. Mas aoconhecê-lo melhor conhecia-se então o discurso por trás do discurso. Que em curtas e nada rebuscadas palavras expressava – seja forte porque a vida é dura, e não se esqueça de agradecer ao pão e às bananas.
Ocorre que, todo final de ano ele dava festas homéricas justamente aos empregados, e eramcentenas, e todos sem exceção eram contemplados com umpresente, que variava de uma super tv ou geladeira, até um espremedor de laranja, um liquidificador, uma camiseta que fosse.
Ninguém saía daquele natal de mãos abanando.
Era o momento em que ele chorava e me dizia: quando criança eu tinha de empalhar cadeiras para sobreviver.
May day....may day... o mundo precisa de mais gente assim, muito mais.
Alô Houston, a comunicação está ficando fraca.
A gente aqui não quer muita coisa,
"a gente só quer ser um cidadão,
a gente quer ser uma nação".
Lembra dessa? Gonzaguinha.
Filho do Gonzagão, que costumava cantar
"minha vida é andar, por esse país, pra ver se um dia descanso feliz, guardando as recordações, dos lugares por onde passei e das pessoasque lá deixei".
Bacana, né?
Canções...
A nossa história se escreve nas entrelinhas
da coragem que tece a nossa história.
Também se escreve no brado de coragem dos guerreiros.Também se cresce na melodia dos poetas. E nas canções. Oh sim, o mundo sem canções, imagine só....
De resto, sem coragem não há espaço a ser conquistado. E o filme cotidiano das nossas vidas passa a chamar-se Perdidos noEspaço. Como uma luva, não?
No espaço e no tempo. Um par de luvas.
E o tempo das nossas vidas, quase sempre uma coisa gelatinosa. E nesse instante a enorme vontade de citar: "Oh Deus, o meu barco é tão pequeno e o seu mar é tão grande".
May day....alô?
Estamos cada vez mais, mais o que?
Com vontade de voltar no tempo, é isso.
1957. Um conversível desliza sem sobressaltos.
As moças muito mais coloridas. As festas orquestradas que não tinham fim, o amanhecersorridentee etílico sem a ingrata surpresa de um bando de tarados, com metralhadoras, alfinetes e coca, a fim de te esquartejar por mais coca. E não é cola.
Houston, por favor nos ouça.
Voltar no tempo, voltar para "um choppgelado em Copacabana, andarpela praia até o Leblon". Ôrra meu, vai dizer que isso não soa como mitologia grega?
Ou seria gringa?
Ou não seriam esses caras os verdadeirosgringos, tão diferentes de nós, cheios de celulares e computadores, nós, e por aí a fora, nós, tão distantes de "um chopp gelado em Copacabana, andarpela praia até o Leblon".
Alô...qual! A estática dificulta um tanto.
Houston? Vocês estão aí?
Ainda há tanto a dizer.
E a medida que o tempo passa aumenta adistância entre nós. E o subproduto dessa distância se veste de uma palpitante indiferença face aoperpétuo noticiário infernal, e hoje depois de tantas lágrimas vertidas adentramos senão no universo dos bocejos ao vácuo das equações impessoais, onde talvez seja válido pronunciar: "Isso não são trevas, mas ignorância".
Tanto a dizer, tanto a percorrer.
O caminho de volta, talvez?
Alô...? Não sei não. Acho que é uma viagem como todas as viagens dessenaipe – sem volta. Ou seria gringa?
Alô?
Que coisa estranha. Não estamos sobre a América, nem a do sul nem a do norte. Tampouco nos livramos da órbita terrestre. Continuamos aqui.
Estamos mas não estamos. Como os santos. E as crenças. E tantas outras coisas tão fugidias.O caso é que aqui circundamos, circundamos oplaneta, circundamos um pedaço de queijo como um famélico roedor, eis como salivamos.
Help!
Quem sabe uma nova linguagem.
Novas linguagens sempre provocaram novas reações. Help...
Help. Lembra desta? Fez sucesso, não?
Acho que nos desgarramos devez, o destino agora é claro, rumamos às ilhas, "as ilhas, onde os homens morrem loucos e felizes", e onde quem sabe eu mesmo também possa dizer, com quase tanta autoridade, "eu quero aliar o meu cantar vagabundo, àqueles que velam pela alegria do mundo".
Por hoje é só.