MARTINS FERREIRA LIMA DAS CAJAZEIRAS - POUCO ESFORÇO E DESAPEGO A HERANÇA
Por Antonio Anicete de Lima | 29/07/2020 | HistóriaMARTINS FERREIRA LIMA DAS CAJAZEIRAS - POUCO ESFORÇO E DESAPEGO A HERANÇA
1. FAMÍLIA DE MARTINS FERREIRA LIMA
Raimundo Ferreira Lima, sucessor do patriarca José Ferreira Lima um dos pioneiros da sesmaria Monte Alegre, foi bem-sucedido em todos os seus empreendimentos, durante o seu longo período de vida de 98 anos, de 1798 a 1886. Deixou um grande legado em bens e terras que foram distribuídas de forma equitativa entre seus filhos, após a sua morte.
Os filhos de Raimundo Ferreira Lima com Joana Josefa Batista (Batista Ferreira) foram: Vitalina Ferreira Lima (nasceu 1828), Lourenço Ferreira Lima (n. 1831), Senhora Ferreira Lima (n. 1833), Antônia Ferreira Lima (n. 1836) e Martins Ferreira Lima (n. 1838).
Martins nasceu em 1838 na Fazenda Monte Alegre, Freguesia de Nossa Senhora do Carmo do Inhamuns, casou-se com a sua prima Carolina Ferreira Lima na Freguesia de Icó, Ceará em 1864. Para realização de seu sonho, precisou da ajuda de seu pai, pois era muito acanhado.
Ainda em pleno vigor e lucidez, Sinhô Raimundo Ferreira Lima se preocupou com os casamentos endogâmicos de seus filhos, porém, se empenhou pessoalmente para casar o mancebo Martins, o mais matuto da família, desprovido de airosidade, pois herdou as características fisionômicas de sua irmã mais velha, cognominada de ‘Bicota’, uma referência ao formato e tamanho de seu nariz, meio atucanado.
Mais ou menos no ano de 1861, Raimundo Ferreira Lima partiu da fazenda Monte Alegre juntamente com o seu filho Martins Ferreira em direção a fazenda São Romão, situado na Freguesia de Icó, a fim de tratar pessoalmente com o seu irmão Antônio Ferreira Lima, acerca do casamento de seu filho com uma de suas filhas, chamada Carolina Ferreira Lima, pois, naquela época os casamentos eram arranjados pelos pais, muitas vezes sem o conhecimento da noiva e, às vezes, contrariando a vontade dos próprios filhos.
Carolina era uma moça muito bonita, no entanto, Martins seu primo era meio desajeitado. Mas a moça, assim mesmo, aceitou ficar noivo naquele mesmo dia. É interessante, que os noivos não tiveram muito tempo para conversar, durante aquela rápida visita ao Senhor Antonio Ferreira Lima, proprietário do Sítio São Romão (Icó). No dia seguinte, pai e filho voltaram à fazenda Monte Alegre, sendo a festa de casamento realizada posteriormente, na data acertada com os pais da noiva.
O casamento foi realizado provavelmente pelo Padre Manuel Antônio de Lemos Braga, Vigário Colado de São Mateus (Jucás), ano de 1861, mas que infelizmente veio a falecer a 29 de maio de 1862, vítima da epidemia da cólera. Antes tinha sido inspetor de aulas públicas daquele município (DIÓGENES, 2016).
Essa epidemia de cólera ocorreu no início de fevereiro de 1862, o Ceará foi invadido por uma epidemia que matou grande parte da população, somente na região de Iguatu a Arneiróz (incluindo São Mateus) dizimou mais de 460 pessoas (CORDEIRO, 1970).
Martins Ferreira Lima e Carolina Ferreira Lima permaneceram em Monte Alegre, mais especificamente nas Cajazeiras, após a divisão das terras entre os herdeiros do Capitão Raimundo Ferreira Lima. O casal teve doze filhos: Aniceto Ferreira Lima, Manoel Martins de Lima, Antonio Martins de Lima, Francisco Martins de Lima, Ingraça Martins de Lima, Joaquim Martins de Lima, José Martins de Lima, Juliana Ferreira Lima, Manoel Martins de Lima, Petronílio Martins de Lima, Raimundo Martins de Lima e Donana Ferreira Lima.
2. VENDA DE PARTE DA FAZENDA MONTE ALEGRE A PREÇO DE BANANA
Martins morava nas Cajazeiras, recebeu uma grande herança em terras de seu pai Raimundo Ferreira Lima, mas teve uma atitude perdulária. Depois de tomar posse das terras, com o passar do tempo, começou a vendê-las a vintém[1] (R$ 4,61) por braça1 com até 6 km de extensão, ficando apenas com a propriedade das Cajazeiras. Esse fato causou empobrecimento dos seus descendentes, por esse motivo, quando o seu filho Aniceto Ferreira Lima se casou com Joana Josefa Pereira, praticamente a única herança que conseguiu foi aquela, proveniente do seu sogro José Higino Pereira, um descendente de judeu, dono da Vacaria.
O nome de Martins, por suas atitudes perdulárias e ociosa ficou no imaginário popular dos seus descendentes como referência de baixa estima, por esse motivo Irene Frutuoso, casada com Victor Ferreira Lima (neto de Martins), quando discutia com o marido por causa de algum problema familiar, dizia:
- “Meu filho, Victor é desse jeito, porque puxou a 'raça dos Martins' e não dos Anicetos”.
Martins era o filho mais novo de Raimundo Ferreira, criado num ambiente de fartura e prosperidade, mimado pelos pais, um pouco ocioso, pois na fazenda havia escravos para as labutas diárias, por isso, não soube valorizar aquilo que herdou, porquanto, não derramou muito o suor do seu rosto, por isso desconhecia o valor dos bens e enaltecia mais ociosidade que o dever.
3. MUNDANÇA DE NOMES POR AUTOINTITULAÇÃO
Durante o período colonial e mesmo imperial, observa-se nas árvores genealógicas, o costume de mudança de nomes, por esquisito que seja, esse fato era bastante comum, por vários motivos: facilitar a aquisição de sesmarias que demoravam a ser ocupadas; álibi por motivos de perseguição política ou crimes cometidos; criptonome para ocultar identidade semita, daí a palavra criptojudeu[2].
Segundo os relatos de Antonio de Aniceto, Carolina esposa de Martins estava muito enjoada de tanto “Ferreira Lima” na família, então sugeriu ao marido que mudassem os seus sobrenomes. Não sabemos como conseguiram isso, o certo é que Martins, passou a ser chamado Martins Filgueira Lima e Carolina, mudou a sua alcunha para Carolina Gurgulino de Lima. Essa alcunha de Gurgulino é meio esquisita, mas, essa foi a sua preferência, pelo menos era muito diferente de todos outros naquele sertão - questão de “gosto”, não se discute. Mas, a escolha do nome indicava, alguma pessoa influente na região com quem Carolina se identificava com os seus ideais políticos.
A razão dessa escolha só pode ser explicada, quando se analisa os fatos históricos da época, quando no estado Ceará se intensificava o movimento abolicionista, a favor da libertação da escravidão. O pai de Carolina, Antonio e Ferreira Lima e seu sogro, o Capitão Raimundo Ferreira Lima eram donos de grandes propriedades rurais e senhores de escravos, durante esse período.
Examinando-se a história, observa-se que Gustavo Gurgulino de Souza, representava os interesses dos senhores escravocratas, nessa época de embate político contra os abolicionistas. Esse debate político foi devidamente marcado pelo os jornalistas da capital, percorreu todos os recantos da província do Ceará, tornando as informações acessíveis as regiões interioranas, inclusive, a Fazenda Monte Alegre em Várzea Alegre.
Gustavo Gurgulino de Souza não nasceu no Ceará, mas fez sua carreira jornalística e política nessa província, “Foi deputado provincial em diversas legislaturas, administrador do Correio, lente substituto de português no Liceu e diretor da instrução pública da Província". Gustavo Gurgulino de Sousa foi redator do jornal Conservador Pedro II, seu grupo polemizava e agredia redatores do jornal Cearense e Constituição do partido Liberal Cearense (FERNANDES, 2004).
Gustavo Gurgulino de Souza, chegou a exercer por duas legislaturas, a Segunda Secretária da Mesa Diretora da Assembleia Legislativa do Ceará Império, de 1858 a 1863, tendo como presidentes, o Padre Justino Domingues da Silva e o Padre Francisco Xavier Nogueira (DIÓGENES, 2016).
Segundo Raimundo Girão, Manuel Soares Bezerra e Gustavo Gurgulino de Souza eram contrários a política manumissora da Província, ou seja, de conceder alforria a todos os escravos. Ambos seriam contrários à ideia de usar o dinheiro público para custear ações no sentido da emancipação dos cativos, assim Manuel Soares Bezerra justificava suas razões:
"Podemos modificar a escravidão, mas não destruí-la, porque ela tem a sua origem no princípio do mundo, e é da natureza humana, para quem tem este mundo por um mundo de expiação. Sou amigo da liberdade do escravo, porque tenho coração de homem, porque não reconheço o direito de um homem sobre outro, e porque o evangelho me diz – ama o teu próximo como a ti mesmo – mas isso não quer dizer que forriemos já os escravos todos. O que será do Brasil com essa multidão de homens sem educação, sem sentimentos, sem brios, como são os escravos, feitos de repente cidadãos e gozando de todos os direitos? Homens acostumados ao trabalho forçado, porque têm senhor que lhes dá o comer e vestiário; a que não ficaria exposta a nossa propriedade? Eu creio, senhores, que seria o maior mal que se poderia fazer ao Brasil" (RODRIGUES, 2012).
Esse discurso aparentemente convincente, agradava aos latifundiários e alguns setores da Igreja Católica, pois essa mão-de-obra era muito lucrativa. O tráfico de negros africanos no Brasil colonial e no império passou a ser um negócio muito rentável para os colonos, sendo também de interesse da metrópole, da coroa portuguesa e até da Igreja Católica, que recebia certa porcentagem sobre cada escravo que entrava no país.
Já Martins teve preferência pelo sobrenome Filgueiras por uma razão muito bem definida, sua irmã Antônia Ferreira Lima casou-se com João Quezado Filgueiras, natural da região do Cariri, neto de José Quezado Filgueiras Lima.
José Quezado Filgueiras Lima, nasceu na Bahia em 1758, veio para o Cariri com seis anos de idade foi eleito capitão-mor da Vila Real do Crato em maio de 1799. Ele foi herói nacional, lutou na Revolução Pernambucana de 1817, combateu as tropas leais a Portugal, ajudando a depor o governo legal do Ceará e tornou-se governador das armas desse estado. Mas, teve um fim trágico, pois participou da Confederação das Províncias Unidas do Equador, proclamada pelo governo de Pernambuco, contra a Constituição do Império, outorgada por D. Pedro I em 25 de março de 1824 (WIKIPÉDIA, 2020).
Após a derrota para as forças imperiais, Filgueiras se entregou e foi conduzido para a Capital do Império, a fim de ter uma conversa com o Imperador, onde segundo a versão oficial, veio a falecer de febre palustre[[3]] ao chegar na vila de São Romão, no Norte mineiro (GRUPO PROFALA, 2020).
O nome Filgueira pela onomástica, estudo dos nomes próprios, indica a sua ligação a elementos da história marrana relacionada a Bíblia ou aos cristãos-novos. O tronco dessa família no Cariri foi o português José Quezado Filgueiras Lima, afirma-se que degredado por motivos políticos, que por lá chegou em meados do sec. XVIII, já casado com a baiana Maria Pereira de Castro.
“A família Filgueiras possuí hábitos curiosos. Costumavam casar-se entre parentes, a carne em algumas casas é lavada com água fervente para retirar todo o sangue, alguns não gostam de entrar em casas de pessoas de fora da família” (PARENTE, 2010).
4. VISITAS DE PARENTES DE CAROLINA À FAZENDA MONTE ALEGRE
Antonio Ferreira Lima, pai de Carolina Ferreira Lima, irmão do Capitão Raimundo Ferreira Lima, morava na Fazenda São Romão, vizinha a Fazenda Tatajuba de Baixo na divisa do Município de Icó com Orós. As fazendas estão situadas na ribeira do riacho Tatajuba um dos afluentes do rio Salgado, cujas águas desaguam atualmente no açude de Lima Campos.
Ocasionalmente, Carolina era visitada por seus irmãos que moravam em São Romão, atualmente município de Orós. Certo dia, um dos irmãos de Carolina, veio lhe fazer uma visita a Fazenda Monte Alegre. Naquele tempo o casal tinha filhos ainda adolescentes, e alguns até maiores de idade. Carolina tinha uma moça que era meio gordinha e muito tímida, cujo nome era Ingraça (in gracia, na graça). Certo dia, quando Carolina olhou pela janela e conheceu que seu irmão estava chegando para visitá-la, gritou para a moça:
- "Filha é seu tio que está chegando! Filha é seu tio do São Romão que está chegando"!
E correu imediatamente em direção ao terreiro para dar-lhe as boas-vindas. A moça que estava no alpendre da casa com vergonha de seu tio, arrancou em direção a uma cerca de pau-a-pique, mas, como usava uma roupa de algodão muito larga e comprida, ficou presa pela barra do vestido a ponta de uma estaca.
O burlesco desse fato é que naquela época, as mulheres não usavam calcinhas, a vergonha foi maior porque ficou com a região glútea desnuda. O seu tio foi até onde estava a sua sobrinha e sem nenhuma cerimônia, batia-lhe nas nádegas dizendo:
- Oia Égua! Deixa de ser brava, parece que nunca viu gente!
Dizem que as palmadas não foram de brincadeira, pois os hematomas só desapareceram alguns dias depois que tio voltou para sua casa no Icó.
O casal Martins e Carolina tiveram nove filhos homens e três mulheres: Donana Ferreira Lima, Juliana Ferreira Lima e Ingraça Ferreira Lima. Ingraça casou-se com José Maria e tiveram vários filhos. Antonio de Aniceto conta que foi um dia a uma festa na casa de Chico Martins. Ingraça tinha uma moça muito bonita e que gostava de dançar. Ela o convidou para dançar e Ingraça, meio encabulada falava pausadamente:
- Oiah! Antoim oceis são primo, né! Ocê dança marrela! Dança marrela, Antoim!
Senhor Antonio aproveitou a festa e dançou até de madrugada, 'marrela' (mais ela). Tempos depois a filha da Ingraça foi embora para os Inhamuns e nunca mais voltou ao Monte Alegre, morreu por lá.
5. ENTRENTANDO O FLAGELO DA SECA DE 1877
A grande seca de 1877 foi umas mais cruéis para o sertanejo do agreste cearense, de Monte Alegre a Vacaria, segundo os relatos de Anicete mais de 70 pessoas morreram vitimadas pela fome e outras doenças gastrointestinais infeciosas, devido especialmente as aglomerações humanas nas cidades, a desnutrição e a contaminação de águas por coliformes fecais.
Martins era mais afeiçoado a criação de gado solto na mata, pois na região havia muito espaço disponível, tanto dentro como fora da fazenda, já que os tabuleiros menos arbustivos não eram cercados. Havia muito pasto nativo na época do 'inverno' chuvoso e grande escassez na época da seca.
Durante o período da longa seca e de fracas chuvas, por três anos consecutivos, não somente a população foi dizimada como praticamente todos os animais. Martins sentiu na própria pele o flagelo da seca, perdeu todos seus animais de criação, inclusive o seu plantel de gado de leite, pois algumas reses foram abatidas para saciar a fome.
Mas, com muito sacrifício, sapecando no fogo os cladódios colunares espinhosos do xique-xique[4] e do mandacaru, consegui manter com vida sua melhor vaca leiteira. Certo dia, porém, ao amanhecer, quando ia ordenhar a vaquinha não a encontrou, simplesmente ele tinha sumido. Então ele saiu desesperado procurando pela 'Mimosa', ouviu um barulho ululante de vozes na mata, foi adentrando sorrateiramente, ladeando a Grota Funda, parou de longe absorto, observando entre os arbustos um grupo de homens famintos, esfolando o animal. A sua decisão naquele momento foi bastante sabia, voltou em silencio para casa. Naquela época, asnos, equinos, bovinos, caprinos, animais de estimação e de caça nativa quase desapareceram, foram abatidos, ou morreram de fome.
Não existia naquela época, nenhuma obra de infraestrutura do governo imperial de prevenção à seca, pois a construção do mais famoso açude do Ceará, só foi iniciada depois da tragédia da seca. A construção do Açude do Cedro localizado em Quixadá, foi autorizada por D. Pedro II, mas, só foi realizada nos primeiros anos do Governo Republicano entre os anos de 1890 e 1906 (WIKIPEDIA, 2020).
Ninguém tinha silos para guardar as suas colheitas, os grãos eram cobertos e armazenados nas areias escaldantes do Riacho Fortunas, às vezes, uma pequena chuva causava prejuízo total aos agricultores.
Martins teve que conviver com a saudade dos filhos e irmãos que se mudaram para outras regiões e de familiares que foram vítimas da cólera. Um dos filhos, Joaquim Ferreira Lima era uma das pessoas mais experta da família, era expansivo, gostava de conversar e contar anedotas, mas, tinha uma habilidade especial como cozinheiro, por isso sempre era convidado para todas as festas de casamento da região. No entanto, quando a borracha na Amazônia fazia fortuna, lá pelos idos de 1890, ele como muitos nordestinos saíu em busca do ouro branco que era extraído dos serengais nativos. Mas o mais fatidico dessa aventura para o interior do Pará é que, nunca mais ele retornou a sua casa paterna.
Dizem que ainda mandou notícias para a família nas Cajazeiras, na carta dirigida a sua querida mãe Carolina, dizia que estava trabalhando em uma granja e era cozinheiro dos seringueiros. Era um moço muito trabalhador e econômico, já tinha juntado uma boa grana, porém, tudo ficava nas mãos do patrão.
Certo dia, tendo saudades de sua terra natal, foi acertar as contas com o seringlista, no entanto, ele se recusou pagá-lo e mandou os seus capangas assassiná-lo, numa trilha da mata, enquanto ele volta para sua cabana. Essa história só veio a tona, porque um dos seu colegas consegui escapar com vida do terrivel assassino.
Durante o período da grande seca do Nordeste que começou em 1877, milhares de retirantes acossados pela sede, pelo chão resequido, testemunharam a devastação de suas lavouras, a morte de suas crianças e de suas cabeças de gado. Isso causou um grande êxodo da sua população para São Paulo, mas principalmente para a Amazônia, atraídos pela propaganda de ganho rápido e fácil na exploração da borracha.
"Conforme um estudo elaborado pelo professor Samuel Benchimol no período de 1877 a 1900, pelo menos 158.125 nordestinos, mais conhecidos como cearenses, haviam emigrado para a Amazônia. Dorneles Câmara em seu trabalho intitulado “Colocação no Amazonas dos flagelados do Nordeste”, publicado em 1919, calcula que de 1877 a 1890 a população cearense ficou reduzida a um terço, 300 mil pessoas desapareceram umas porque faleceram e outras porque emigraram" (SANTOS, 2020).
Naquela época houve uma peste conhecida como cólera no Ceará, muitas pessoas morrem da Vacaria ao Monte Alegre. Uma das filhas de Raimundo Martins, neta de Martins, foi uma dessas vitmas. Ela foi sepultada ali mesmo nas Cajazeiras, a beira da estrada, sua catatumba se encontra perto da casa de seu pai, até o dia de hoje.
Na propriedade que Antonio de Aniceto, herdou de seu pai Aniceto Ferreira Lima no sítio Vacaria, existe um pé de tamarindo, perto da casa de Gonzaga, onde muitas pessoas foram enterradas nesse local dizimadas pela fome, cólera, varíola e até febre amarela. Diziam os mais antigos, que lá se via assombração e vozes de almas penadas, especialmente nas luas cheias e novas.
A cólera (ou cólera asiática) é uma doença causada pelo vibrião colérico (Vibrio cholerae), uma bactéria em forma de vírgula ou bastonete que se multiplica rapidamente no intestino humano produzindo uma potente toxina que provoca diarréia intensa. Ela afeta apenas os seres humanos e a sua transmissão é diretamente dos dejetos fecais de doentes por ingestão oral, principalmente em água contaminada (WIKEPÉDIA, 2020).
Texto de um jornal da época: “O povo está desesperado. A fome vai acabar gerando a violência”. Viam-se jovens mulheres, cobertas de trapos, desgrenhadas, os pés ensanguentados, a pele terrivelmente queimada, caindo pelas ruas. Os homens, levando duas ou três crianças, andavam dezenas de quilômetros. Vendiam até as próprias roupas do corpo em troca de alguma coisa para comer. Muitas pessoas ficaram cegas, pela exposição contínua ao sol. Apareciam casos de cólera, de febre amarela e de varíola (NANNI, 2008).
6. OS IRMÃOS DE MARTINS FERREIRA LIMA E SEUS DESCENDENTES
Os filhos do casal Raimundo Ferreira Lima e Joana Josefa Batista, nascidos em Monte Alegre foram: Vitalina Ferreira Lima, Lourenço Ferreira Lima, Senhora Ferreira Lima, Antônio Ferreira Lima e Martins Ferreira Lima.
6.1. DESCENDESTE DE LOURENÇO FERREIRA LIMA
Lourenço Ferreira Lima permaneceu na fazenda Monte Alegre, mesmo depois do período da grande seca de 1878. Os descendentes de Lourenço Ferreira Lima nascidos na fazenda foram: Rafael Ferreira Lima casou-se Ana Pereira de Alencar; Profiro Ferreira Lima, Militão Ferreira Lima, João Lourenço Ferreira Lima, Cecília Ferreira Lima (Batista), Maria Ferreira Lima, Félix Ferreira Lima.
Grande parte da família do Baixio dos Dantas, Várzea Alegre são descendentes de Rafael Ferreira Lima e Ana Pereira de Alencar, o casal teve dez filhos, um deles chamado Lourenço Ferreira Lima, casou-se com Luísa Regina Dantas Souza, filha de Manoel Dantas. O casal morava na propriedade do sogro no Baixio, Várzea Alegre, viviam tranquilos e felizes, mas essa harmonia foi quebrada quando no final da década de 1940, se converteram ao protestantismo, através do trabalho do Seminário Batista do Cariri, iniciado naquela localidade por Antonio Ângelo, Francisco de Assis Oliveira e o Missionário Thomas Willson, a partir de 1946.
Lourenço era agricultor e tinha feito um grande plantio nas terras férteis do baixio, ribeira do Machado, as chuvas naquele ano foram regulares, o arroz já estava soltando o cacho, mas, Manuel Dantas inconformado com a decisão do casal, numa época de muita intolerância religiosa, pediu para desocuparem as suas terras. Assim em 1949, Lourenço muito desapontado com decisão do seu sogro, resolveu ir embora para São Paulo. Naquele mesmo ano, Lourenço resolve partir do seu torrão natal, mas ao chegar na Rodoviária de Crato, descobre que o dinheiro não era suficiente para comprar todas as passagens com destino as terras sulinas.
Naquele momento, em que não sabia para onde ir, alguém lhe faz uma sugestão:
- "Por que você não vai para o Maranhão? Lá é uma terra muito boa para se criar a família, tudo que se planta colhe, chuva não falta".
Aquela sugestão surgiu como uma direção divina. Ele imaginou:
- "Para onde devo ir, meu Deus"?
Foi aí que se lembrou de um amigo que tinha ido para uma localidade, perto da Mata do Nascimento, atual cidade de Dom Pedro, no estado do Maranhão. Então ele partiu com um destino em mente, viver num lugar onde pudesse criar a sua família e exercer a sua fé. Já morando naquele novo lugar, com a ajuda de seus filhos, construiu uma nova vida. A terra era produtiva, o cultivo de arroz vicejava e a produção era garantida, devido ao regime regular de chuvas na região dos Cocais. Com suor de seu rosto, foi juntando dinheiro até conseguir comprar uma propriedade próximo de um lugarejo conhecido com Centro do Paciência.
O pioneiro dessa localidade foi Manoel Paciência que por lá chegou em 1930. Seu Manoel trouxe sua família e também os senhores Faustoso Pereira e José Caetano, para os trabalhos de agricultura (IBGE, 2020). Anos depois, já no início da década de 1950, o senhor Lourenço, que havia chegado com a sua família na cidade de Dom Pedro, mudou-se definitivamente para o Centro da Paciência. O local cresceu rapidamente foi elevado à categoria de Vila em 1º de janeiro de 1958, através do decreto-lei nº 01/58, no governo de Sebastião Archer. Depois a vila foi elevada à categoria de município e distrito com a denominação de Governador Archer, pela lei estadual nº 5, de 10 outubro de1959, desmembrando-se de Dom Pedro (IBGE, 2020).
Nesse lugar Lourenço prosperou juntamente com sua família, chegou a possuir mais de 500 hectares de terra, tornou-se criador de gado, porém, dedicou-se com muita habilidade ao ramo de farmácia, essa atividade o fez muito conhecido na cidade, por esse motivo foi eleito Vice-Prefeito do município, recém-criado em 1959.
Lourenço não ficou remoendo o passado, nem guardando mágoas no seu coração, mas, prosseguiu na sua labuta diária sempre grato, pois, compreendeu que essa foi a melhor coisa que aconteceu na sua vida. Deus transformou aquela situação desagradável em uma grande bênção, porquanto, a tristeza do passado se tornou em motivo de riso.
Às vezes, brincando entre filhos e amigos, Lourenço, gostava de dizer:
- "Regina vamos voltar para o Ceará? Lá é tão bom!"
Regina, com um sorriso espontâneo e gracioso, respondia:
- "Não Lourenço, jamais voltarei para morar no Ceará. Lá eu só comia arroz uma vez por mês, aqui como todo dia e bem temperado".
Dois de seus filhos Antonio Dantas Sobrinho e José Dantas Lima, estudaram nos Estados Unidos da América. Antonio Dantas estudou na Universidade de Wisconsin, em Stevens Point em 1963. Em 1968, fez Mestrado na mesma Universidade no Campus principal, em Madison. Em 1970, foi convidado, por indicação de um professor, para lecionar na Universidade de Brasília no Departamento de Economia, participando com professor do primeiro Curso de Mestrado em Economia. Com 31 anos de idade, assumiu interinamente a chefia do departamento promovendo uma reforma acadêmica que deu bons resultados até hoje (SOBRINHO DANTAS, 2016).
Em 1972, voltou para os Estados Unidos com uma bolsa de estudos da Fundação Ford e apoio da Universidade de Brasília para fazer Ph.D. em Economia na Universidade de Cornell, estado de Nova York. Foi contemporâneo de ilustres brasileiros, como José Serra, Luciano Coutinho, Yoshiaki Nakono, Sérgio Mindlin, Lívio Reis de Carvalho e outros brilhantes colegas. Aposentou-se pela Universidade de Brasília em 2001, lecionando posteriormente, administração pública e planejamento estratégico na Escola Nacional de Administração Pública, ENAP em Brasília (SOBRINHO DANTAS, 2016).
O outro filho de Lourenço, José Dantas de Lima formou-se em Teologia pelo Seminário Batista do Cariri, Juazeiro do Norte, CE, fez Bacharelado em Teologia pela Campbellsville University, Kentucky, EUA, depois fez Mestrado e Doutorado em Filosofia com especialização em Aconselhamento Clínico Cristão pela Flórida Christian University, USA (ESUTES, 2020).
Pastoreou a Igreja Batista Luz Brilhante em Belém, PA, a Igreja Batista Central de Fortaleza - CE, a Primeira Igreja Batista Brasileira em Orlando - Flórida, EUA, a Primeira Igreja Batista em Jacksonville - Flórida, EUA, a Primeira Igreja Batista em Ocala - Flórida, EUA e a Comunidade Batista de Hartford Connecticut - EUA. Foi Ministro de Educação Cristã na PIBI – Primeira Igreja Batista de Itaparica, Professor do Curso de Teologia Esutes - CETI na PIBI. Foi também Professor do Seminário Cristão Evangélico do Norte de São Luís – MA (ESUTES, 2020).
Todos os seus filhos foram bem-sucedidos, como agropecuaristas, comerciantes, professores e pastores. Lourenço e Regina foram agraciados com o dom da longevidade, chegando a quase cem anos de idade, viram os filhos de seus filhos e descaçaram em paz. Isso faz-nos lembrar as palavras de Davi, o pastor, harpista e cantor solitário do deserto, quando foi o último da família a ser convocado pelos pais para receber a unção do profeta Samuel que o levaria ao trono de Israel:
"Porque, se meu pai e minha mãe me desampararem, o Senhor me recolherá" (Salmos 27:10, ARA).
O próprio Jesus respondendo a um questionamento de Pedro:
"Eis que nós tudo deixamos, e te seguimos. Qual será a nossa recompensa?"
A resposta de Jesus foi:
"Em verdade vos digo que ninguém há, que tenha deixado casa, ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe, ou mulher, ou filhos, ou campos, por amor de mim e do evangelho,
"Que não receba cem vezes tanto, já neste tempo, em casas, e irmãos, e irmãs, e mães, e filhos, e campos, com perseguições; e no século futuro a vida eterna" (Marcos 10:29,30).
6.2. DESCENDENTES DE FÉLIX FERREIRA LIMA
Depois do desastre da seca de 1877, os filhos de Lourenço, irmão de Martins: Félix e Militão, venderam as suas terras e resolveram morar na região serrana do Quincuncá, num lugar chamado Amaro, Assaré. Segundo Vaudenio Nergino Ferreira, Félix foi o fundador da vila do Amaro distrito de Assaré, nesse lugar vivem até hoje, muitos descendentes da Família Ferreira. Os filhos de Félix foram Alfredo Félix, Israel Félix e Celso Ferreira.
O distrito do Amaro foi criado pelo decreto estadual nº 1156, de 04 de dezembro de 1933, e anexados ao município de Assaré. A vila está situada no maciço do Quincuncá na ribeira do riacho Amaro, cercado por baixas colinas que enfeitam a sua paisagem, sendo um lugar aprazível para moradia e veraneio, com temperaturas amenas à noite, devido a altitude de até 700 m acima do nível do mar. No centro da vila, há uma pequena Igreja Católica com duas belas torres que se erguem acima das árvores, devidamente podadas em formato abauluado, enfeitando a pracinha central.
6.3. DESCENDENTES DE MARIA FERREIRA LIMA
Maria Ferreira Lima, irmã de Martins, após o seu casamento com José Quezado Filgueiras, foi morar na região do Cariri, mais especificamente em Barbalha. O casal teve três filhos: João Quezado Filgueiras Sobrinho, Francisco Quezado Filgueiras e Cirilino Quezado Filgueiras, moradores de Missão Velha e Barbalha, entre os anos de 1850 a 1930. Hoje talvez, ainda estejam vivos e morando nessa região, Luís Clébio Basílio Quezado e Maria Clélia Basílio Quezado.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CORDEIRO, J. A. A epidemia de cólera de 1862. Coisa Cearense, Postado em 01 de janeiro de 1970. Disponível em: < http://coisadecearense.com.br/a-epidemia-de-colera-de-1862/>. Acesso em: 22 de junho de 2020.
DANTAS SOBRINHO, A. A saga de Antônio Dantas Sobrinho. Blog do Antonio Morais, 18 de fevereiro de 2016. Disponível em: <https://blogdosanharol. blogspot.com/2015/08/a-saga-de-antonio-dantas sobrinho. html>. Acesso em: 11 de junho de 2020.
DIÓGENES, O. MESAS DIRETORAS DO PODER LEGISLATIVO DO CEARÁ IMPÉRIO E REPÚBLICA 1835 – 2016. Fortaleza, CE: INESP, Assembleia Legislativa. Memorial Pontes Neto, 2016. 118 p. : il.
ESUTES - ESCOLA DE TEOLOGIA DO ESPÍRITO SANTO. Conselho Consultivo ESUTES. Vila Velha, ES ESUTES. Disponível em: <https://www.esutes.com.br/conselho-consultivo-esutes.php>. Acesso em: 11 de junho de 2020.
FERNANDES, A. C. S. A Imprensa em pauta: entre as contendas e paixões partidárias dos jornais Cearense, Pedro II e Constituição na segunda metade do século XIX. Fortaleza, CE: UFCE. 2004. 206 p. (Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Ceará Ivone Cordeiro).
GRUPO PROFALA. Região do Cariri. Universidade Federal do Ceará. Disponível em: <https://profala.ufc.br/o-portugues-falado-no-Ceará-2/dados-das-cidades/>. Acesso em: 11 de junho de 2020.
IBGE. Nossa história. Prefeitura Municipal de Governador Archer, MA. Disponível em: . Acesso em: 23 de junho de 2020.
NANNI, R. O drama das secas - 1958. Disponível em: . Acessado em: 19 de junho de 2009.
PARENTE, A. Um diletante à sombra dos coronéis - João Paulo Filgueiras. Salgueiro, PE: FACHUSC, 2010. (Trabalho de Conclusão de Curso apresentado a Faculdade de Ciências Humanas do Sertão Central – FACHUSC).
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Antonio Anicete de Lima
Antonio Ferreira Lima (relatos históricos familiares)
Porto Velho, junho de 2020.
[1] Um vintém valia 37,5 Reis. 1 Réis corresponde a R$ 0,123, logo, 37,5 x 0,123 = R$ 4,61. Braça é uma antiga medida de comprimento equivalente a 2,20 metros linearmente.
[2] O termo criptojudeu se refere aos judeus que praticavam sua fé e seus costumes em segredo, por receio de perseguições religiosas, ao mesmo tempo que publicamente praticam outra religião. Destes grupos destacam-se os xuetes das Ilhas Baleares, os marranos na Península Ibérica ou ainda os "neofiti" da Itália. Disponível em .
[[3]]Doença infecciosa febril aguda, cujos agentes etiológicos são protozoários transmitidos por vetores (mosquito). Também é conhecida por: paludismo, impaludismo, febre palustre, febre intermitente, além de nomes populares, como maleita, sezão, tremedeira, batedeira ou febre. No Brasil, três espécies de protozoários do gênero Plasmodium acometem seres humanos: Plasmodium malariae, Plasmodium vivax e Plasmodium falciparum. A transmissão e feita através da picada da fêmea do mosquito gênero Anopheles, popularmente, chamados de “carapaña”, “muriçoca”, “sovela”, “mosquito prego” e “bicuda”. Disponível em: < http://cidadao.saude.al.gov.br/saude-para-voce/saude-de-a-a-z/doenca_m/>. Acesso em: 11 de junho de 2020
[4] O Pilosocereus polygonus, conhecido no Brasil como xique-xique, é uma cactácea cuja distribuição compreende grande parte da região intertropical das Américas, nomeadamente do sul da Flórida. Sua formação pode ser arbustiva ou arbórea, chegando a atingir a altura de quatro metros, desenvolvendo-se em solos rasos e pedregosos e apresentando numerosos espinhos, fortes e pontiagudos em suas aréolas. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Pilosocereus_polygonus.