Mariana, a mais Romântica personagem em Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco

Por Indiaíra Rios dos Santos | 25/05/2011 | Literatura

"Amava, e tinha ciúmes de Teresa, não ciúmes que se refrigeram na expansão ou no despeito, mas infernos surdos, que não rompiam em lavareda os lábios, porque os olhos se abriam pronto em lágrimas para apagá-la." (Camilo Castelo Branco. Amor de Perdição. p. 138)
INTRODUÇÃO
Por meio desde estudo, pretendemos analisar a personagem feminina Mariana, da obra de Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição (1868), discutiremos sobre o romantismo vivido, através da personagem supracitada e falaremos sobre a escola literária o Romantismo Português do século XIX.
Amor de Perdição de Camilo Castelo Branco, pode ser considerada como um verdadeiro marco do Ultra-Romantismo Português, uma obra que foi recebida com euforia pela crítica e pelo público, tornando-se um dos grandes clássicos da literatura universal. Podemos dizer uma nova versão de "Romeu e Julieta" português.
De acordo com Doutor Vitor Hugo (2006), Camilo Castelo Branco (1825-1890), era escritor prolífero, foi poeta, folhetinista, novelista, romancista, contista, historiador, polemista, crítico literário, epistológrafo (escrevia cartas), teatrólogo. Foi na prosa de ficção, mais especificamente na novela (narrativa longa,plurifabular, de estrutura frouxa, articulada por um princípio de coordenação das fábulas, tendo caráter semidocumental e semificcional) e no romance (narrativa longa, plurifabular de estrutura densa, articulada por um princípio de subordinação de fábulas, tendo caráter essencialmente ficcional) que se destacou na Literatura Portuguesa.
O romance romântico Amor de Perdição, trata de uma tríade amorosa, amor entre jovens modulado em expressão trágica e conflitos. Este romance, desde logo chama-nos a atenção por inúmeras razões. Pelo escritor, pelo enredo, pela personagem Mariana e por ser um romance Ultra-Romântico. Para a concretização deste artigo, fundamentamos em alguns críticos literários, historiadores, no próprio autor e principalmente na nossa visão crítica.
O artigo esta dividido em três seções, a saber, na primeira seção que tem por título O Romantismo, na qual discutiremos através da história, como foi esse estilo e suas características, na segunda O papel da mulher no século XIX, falaremos sobre o perfil feminino e na terceira, intitulada Mariana a mais romântica personagem de Amor de Perdição de Camilo Castelo Branco, analisaremos a personagem Mariana considerada a mais romântica personagem, pois entrega-se ao amor sem nenhuma expectativa de ser correspondida.
O ROMANTISMO PORTUGUÊS
Segundo alguns estudiosos críticos, Romantismo foi um movimento artístico, político e filosófico, surgido nas ultimas décadas do século XVIII na Europa que perdurou por grande parte do século XIX, caracterizou-se como visão do mundo contraria ao racionalismo que marcou o período do neoclássico e buscou um nacionalismo que viria a consolidar os estados nacionais na Europa.
Os autores românticos, voltavam-se cada vez mais para si mesmo, retratando o drama humano, amores trágicos, idéias utópicas e desejos de escapismo. Se o século XVII foi marcado pela objetividade, pelo iluminismo e pela razão, o inicio do século XIX seria marcado pelo lirismo, subjetivismo, pela emoção e pelo eu.
O termo romântico refere-se a tendência idealista ou poética de alguém que carece de sentido objetivo, dentre as características do Romantismo, destacamos as centrais, são elas: o lirismo, o subjetivismo, o sonho, o exagero, a busca pelo exótico, nacionalismo, idealização do mundo e da mulher, o pessimismo, o gosto pela morte e o sentimentalismo exacerbado.
No subjetivismo, o romancista trata dos assuntos de forma pessoal, de acordo com sua opinião sobre o mundo. Pode ser notado através do uso do verbo na primeira pessoa, trata-se sempre de uma opinião particular, por um indivíduo que baseia suas perspectivas naquilo que suas sensações captam com plena liberdade de criar, o artista romântico não se acanha de expor suas emoções pessoais e fazer delas sempre retomadas em sua obra.
A idealização é empolgada pela imaginação, o autor idealiza temas, exagerando em algumas de suas características. Desta forma a mulher é uma virgem frágil, o índio é um herói nacional e a pátria é sempre perfeita.
O sentimentalismo exacerbado, praticamente em todos os poemas e obras românticas apresentam (já que essa escola é movida através da emoção) sendo da mais comum a saudade e a tristeza.
As obras românticas expressam sentimentalismo do autor, suas emoções e como retratam sobre uma vida. O romantismo analisa e expressa a realidade por meio dos sentimentos e creditam que só sentimentalmente se conseguem traduzir aquilo que ocorre no interior do indivíduo retratado.
O segundo momento romântico que se desenvolve mais ou menos entre 1838 e 1860, inicia-se um período que corresponde ao pleno domínio da estética romântica, os novos grupos literários emergentes neste ano praticam ao extremo o ideal romântico na parte da sensibilidade e da liberdade moral; e sendo cem por cento românticos, ultrapassam os limites da estética, transformando-se nos chamados "ultra-românticos".
Purificam a tal modo as características do Romantismo que fatalmente caem no exagero e no esparramento, tudo com base num conceito meio místico de poeta e da sua missão social expresso numa linguagem fácil e comunicativa. Embora o ultra-romantismo se coadune essencialmente com a poesia, muitos dos seus ingredientes também são expressos em prosa.
O eixo ao redor do qual gira toda a envergadura de Camilo Castelo Branco é constituído pela novela passional, definiu-a no gosto público e nos ingredientes fundamentais, monopolizou-a totalmente depois de uma certa altura e acabou por ser o seu mais alto representante. Para alcançá-la Camilo contava com determinado fatores, dentre os quais predominavam os lances de aventura galante com que pontilhou a sua existência e um especial talento para tratar dos problemas do coração.
As novelas camilianas mudam apenas e sempre no tocante do enredo, permanecendo invariavelmente o mesmo módulo central: sempre o amor impossível e superior, ou marginal aos preconceitos sociais que brotam do mais fundo da carne e da alma, levando ao desvario os apaixonados com as promessas duma bem-aventurança via de regra, malograda.
A MULHER PORTUGUESA NO SÉCULO XIX
A mulher portuguesa no século XIX tinha a situação idêntica à da maioria das mulheres da Europa, por imposição histórica ela ocupava um papel secundário na família, dependendo sempre do homem e sendo totalmente responsável pelos filhos. Isto significava que o poder estivesse todo concentrado no pai ou no marido, de forma que era permitido que o homem a maltratasse e que deveria obedecê-lo.
A mulher era privada de seriedade da razão. A sociedade que a puseram neste patamar e era feita para obedecer.
- Hás de casar! Quero que cases! Quero... Quando não, serás amaldiçoada para sempre, Teresa! Morrerás num convento! Esta casa irá para teu primo! Nenhum infame há de aqui pôr um pé nas alcatifas de meus avós. Se és uma ama vil, não me pertences, não és minha filha, não podes herdar apelidos honrosos que foram pela primeira vez insultados pelo pai desse miserável que tu amas! Maldita sejas! Entra nesse quarto, e espera que daí te arranquem para outro, onde não verás um raio de sol. (Camilo Castelo Branco. Amor de Perdição. p. 141.)

Elas não tinham liberdade de escolha, obedecer era dever, as mulheres eram preparadas para o casamento, em que o pretendente era escolhido pelo pai, ressaltando que o noivo deveria ser da mesma classe social, muitas vezes era de 10 a 20 anos mais velho. O ato do matrimonial para o pai da mulher era um leilão, quem paga mais "leva".
A mulher portuguesa era totalmente submissa, sua obrigação era servir ao pai ou ao marido. Elas não detinham nenhum direito de cidadã. Quando era burguesa vivia para se casar e quando camponesa da mesma forma, ou casava, oi ia para o convento até morrer.
A mulher desta época não tinha identidade, o homem que a dominava, mesmo presa ao tradicionalismo, regras, imposições, muitas cometiam adultério pois eram infelizes, eram violentadas pelos maridos.
Hoje, século XXI a mulher portuguesa conquista pouco a pouco sua identidade e seu espaço, mas falta muito para que a sociedade machista aceite que as mulheres tenham o mesmo direito que os homens. Essas conquistas chegaram através de grandes mulheres.
MARIANA, A MAIS ROMÂNTICA PERSONAGEM DE AMOR DE PERDIÇÃO, DE CAMILO CASTELO BRANCO
O Romantismo consagra a imagem da mulher tradicional e a visão do verdadeiro amor como destino fatal. Na Literatura Portuguesa quem aparentemente mais contribui para isso, foi Camilo Castelo Branco, particularmente com seus romances Amor de Perdição e Amor de Salvação, destacando para nosso estudo apenas Amor de Perdição.
Amor de Perdição, bem ao gosto romântico, sua característica principal é o seu tom trágico, suas personagens estão sempre em luta contra terríveis obstáculos para alcançar a felicidade no amor.
Nesta novela passional de temática exemplar, é levada as últimas consequências a idéia de que o sentimento deve sobrepor-se à vida e a razão. Ao tratar um amor impossível e discutir a oposição entre a emoção e os limites impostos pela sociedade à realização da paixão, as personagens confirmam o seu destino trágico sem conseguir o objetivo da paixão. Nele o mesmo amor que redime resulta em morte, conforme antecipa o narrador na introdução do livro, "Amou, perde-se e morreu amando" (p. 17)
Normalmente essa busca é frustrante, os direitos do coração, frequentemente, vão de encontro aos valores sociais e morais. A obra focaliza dois apaixonados que tem como obstáculo para a realização amorosa a rivalidade entre as famílias e deste obstáculo surge uma terceira personagem, Mariana a que estudaremos neste trabalho.
Nossa personagem em estudo é Mariana, filha de João da Cruz, é a amante silenciosa, mulher mais velha de 24 anos, criada no campo, pertence a uma classe social mais popular. Dela o narrador diz ter "formas bonitas" e um rosto "belo e triste", para realçar a grandeza de seu amor-renúncia. O despreedimento que mostra a moça amando Simão em silêncio e, por isso, ajudando-o a se aproximar da felicidade pela figura representada por Teresa, faz parte do ideário romântico.
Abnegada e fiel, Mariana jamais diz uma palavra e controla obstinadamente seu ciúme. É a personagem que mais sofre no romance, é uma das personagens que nunca se realiza sentimentalmente e tem um final trágico.
Percebemos não só na personagem, como na temática da obra, uma abordagem ao amor nas suas formas mais exaltadas, acima do controle da razão inevitavelmente ligada a morte.
A essência da atitude romântica reside no subjetivismo, individualismo e o egocentrismo que decorrem da noção de liberdade do indivíduo, caracterizando a importância do eu do artista a toda realidade.
Mariana é uma personagem diferente, rara. Determina-se no decorrer da obra para direções talvez não prevista pelo autor, dedicando-se a um homem que sabia muito bem estar louco por outra, num amor-vassalagem, aparentemente assexuado.
É uma espécie de confidente e moderadora de impulsos passionais. Dona de casa muito cedo, Mariana começou por ser para Simão uma espécie de mãe, deslizando logo para a situação de companheira amorosa, esperando contra toda esperança unisse ao infeliz moço que um dia lhe apareceu ferido em casa.
Encontramos representados em Mariana a personificação da mulher proposta pela escolha literária, sujeito idealizado subjetivamente pela natureza romântica em que se torna objeto admirável e ao mesmo tempo inalcançável, no tocante à nobreza de comportamento incorruptíveis, Mariana supera o próprio sentimento, anulando-se em função do amor de Simão por Tereza. A sua atitude de resignação total a o ser amado, sem que possa esperar reciprocidade, também caracteriza uma simbologia de caráter perfeito, modelo mistificado do feminino romântico, podemos perceber no trecho seguint.
- Ouça-me, Mariana: que espera de mim?
- Que hei de eu esperar!...
Por que me diz isso o senhor Simão?
- Os sacrifícios que Mariana tem feito e quer fazer por mim só podiam ter uma paga, embora mos não faça esperando recompensa. Abre-me o seu coração, Mariana?
- Que quer que eu lhe diga?
- Conhece a minha vida também como eu, não é verdade?
- Conheço. E que tem isso?
-Sabe que eu estou ligado pela vida e pela morte àquela desgraçada senhora?
- E daí? Quem lhe diz menos disso?!
-Os sentimentos do coração só os posso agradece com amizade.
-E eu já lhe pedi mais alguma coisa senhor Simão? (Idm, ibdm. p. 136)

Outra característica do Romantismo que percebemos na obra é o fatalismo e a idéia de morte, a eterna busca da felicidade não é encontrada e os personagens têm um final trágico:
Dois homens ergueram o morto ao alto sobre a amurada. Deram-lhe o balanço para o arremeçarem longe. E, antes que o baque do cadáver se fizesse ouvir na água; todos viram, e ninguém já pode segurar Mariana, que se atirara ao mar.
À voz do comandante desamarraram rapidamente o bote, e saltaram homens para salvar Mariana.
Salvá-la!...
Viram-na, um momento, bracejar, não para resistir a morte, mas para abraçar-se ao cadáver de Simão, que uma onda lhe atirou aos braços. (Idm, ibdm. p. 158)

Com a morte de seu amado, Mariana se atira ao mar para acompanhar Simão e poder cumprir a realização de estar ao lado do homem que ama.
O mundo romântico é idealizado, povoado de personagens virtuosos e sem contradições, nesse contexto, podem-se contrapor às regras sociais, mas sempre guiados por seus sentimentos. E o suicídio de Mariana é uma das marcas desse sentimento acima de qualquer coisa, resultando na morte para obter a vitória do amor.
A figura mais complexa e humana da obra, o narrador salienta a beleza física a respeito de Mariana:
O ferrador tinha uma filha, moça de 24 anos, formas bonitas, um rosto belo e triste. Notou Simão os reparos em que ela se demorava a contemplá-lo e perguntou-lhe a causa daquele olhar melancólico com que ele o fitava.Mariana corou, abriu um sorriso triste e respondeu.(Idm ibdm p. 48)

Mariana, moça pobre e do campo, de olhos tristes e belos, tem sido considerada como a personagem mais romântica da história porque o sentir a satisfazer, sem necessidade ao menos de esperança de concretizar-se o seu amor por Simão. Independente do amor entre Teresa e Simão, Mariana o ama e tudo faz por ele: cuida de sua ferida, arruma-lhe dinheiro, é cúmplice da paixão proibida, abandonando o pai para fazer companhia e prestar-lhes serviços na prisão e finalmente suicida-se após a morte de Simão, essas atitudes abnegadas, resignadas e totalmente desvinculadas de reciprocidade, fazem de Mariana uma personificação do espírito de Sacrifício e assim caracteriza-a como uma personagem romântica, capaz de abandonar a tudo e a todos para servir ao seu amado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir desta análise, pretendemos especificar a mulher romântica da literatura portuguesa, não apenas como mais uma pessoa da sociedade e sim mais uma pessoa com sentimentos capaz de viver intensamente suas emoções, colocando uma nova ênfase nos obstáculos sociais à realização do amor.
Buscamos na época do romantismo, classificar a nossa personagem em estudo, Mariana em uma personagem romântica, uma personagem feminina que mesmo na época em que o homem dominava, a mulher não tinha identidade, ocupava um lugar secundário na família e sua obrigação era servir, defendia seus sentimentos e conseguia conciliar a obediência à admiração.

Referencias

BENEDITO, Nunes. Visão Romantica (in romantismo Guiberg, Jacó. (org) 4ª Ed S.P. Perspectiva, 2005 p.51-74).
Massaud Moises. A literatura Portuguesa, 2005
Antonio José Saraíva e Oscar Lopes. História da Literatura Portuguesa, 2004