Marca dos Mestres

Por Levi Beltrão | 06/02/2016 | Educação

Há uma parábola que ouvi quando ainda era um adolescente, isso há muito tempo, claro, em que um professor fora destinado a ministrar aulas de alfabetização a alunos adolescentes em situação de risco em uma comunidade carente de uma grande cidade brasileira invadida pelo tráfico de entorpecentes. Pois bem, esse professor, aplicado e amoroso que era, segundo a estória que ora relatamos, percebeu a ausência de um determinado aluno em sua sala de aula. Enviou em vão vários recados para que aquele aluno voltasse a frequentar a sua aula, até que decidiu que iria procura-lo pessoalmente.

Foi até uma loja de roupas e comprou um belo par de trajes para que esse aluno se vestisse bem, no intuito de convencê-lo que a educação seria o melhor caminho. Chegando no morro onde se situava a comunidade o professor foi subindo as escadas e indagando sobre o endereço que tinha em mãos num pedaço de papel, quando de repente sentiu uma forte pancada em seu olho esquerdo e caiu desacordado. No hospital soubera que tinha sido alvejado por uma pedra enorme e, que por sorte não estava morto. Ainda convalescente o professor retomou a sua busca por aquele aluno que tanto considerava precioso.

Chegando ao morro outra vez o professor conseguiu encontrar seu aluno em sua residência onde, na companhia de sua vó habitava entre chão de barro e poucos móveis. Convencido que houvera feito uma boa ação o professor cumprimenta seu aluno e entrega o pacote contendo a sua oferta de presente. Ao ver aquela cena o adolescente começou a chorar e disse que não poderia aceitar tal presente. O professor confuso tenta entender mas prefere insistir e pergunta: - Você não precisa de roupas rapaz? Essas roupas não são do seu agrado? O aluno respondeu: - Eu preciso mas não mereço. O professor pediu que explicasse melhor, foi então que confessou que ele mesmo o alvejara com a pedra que quase o matou. O professor então compreendeu que aquele aluno precisava bem mais do que conteúdos, bem mais que presentes materiais e decidiu que dali em diante não somente o ajudaria a prover boas condições de sobrevivência mas também o proveria de valores e de princípios éticos.

Sempre pensei nessa parábola como um norte em meus anos de docência e sempre olhei para um professor como um grande provedor de inspiração, mesmo quando alvejado em sua moral, em sua dignidade e até mesmo em sua integridade. A necessidade do provimento de princípios éticos aos alunos, alinha-se com o provimento de conteúdos que estão presentes em nossas grades curriculares. Infelizmente aos professores falta um plano de impetração ética em suas disciplinas.

No texto “Ensinar é, no máximo esperar que o melhor aconteça” Prabhu afirma que o ensino ajuda a causar a aprendizagem, dessa forma é provável que uma forma de ensino seja mais eficaz do que outra. Minha concordância com essa máxima reside na crença da individualidade e da personalidade única de cada ser, de cada aluno. Um professor, independente de qual nível de ensino que seja deve ter em mente que embora atue em uma profissão que sugere a coletividade, sua relação é única com cada aluno, são seres e realidades diferentes acontecendo ao mesmo tempo, daí entendermos que não é uma tarefa simples nem desprovida de complexidade.

A busca pelo aperfeiçoamento da relação de ensino – aprendizagem não conseguiu e talvez, nunca consiga estabelecer uma pratica ou um método estático para maximizar essa relação. O que temos são experimentos que produzem paradigmas e que estabelecem, temporariamente uma inspiração ao professor que terá que contar sempre com a sua sensibilidade e dedicação para encontrar a forma e a metodologia adequada para o momento, tanto para o seu momento quanto para o momento dos seus alunos. A valorização do “ser” dentro desse contexto é, invariavelmente o que prevalecerá sempre em qualquer que seja o método, a prática ou metodologia.

O contato com as teorias, concomitantemente com a prática sempre me fizeram refletir na relação em sala de aula como uma troca às vezes justa, às vezes injusta, também comparado a uma semente em cada terra, representada pelos alunos. Nem sempre o conteúdo agrada, nem sempre desperta interesse, dessa forma, em alguns casos é desanimador e até desesperador quando entendemos a necessidade do conteúdo numa grade curricular e esse mesmo conteúdo não desperta a atenção do aluno. Mais uma vez, a insubstituível figura do professor se apresenta preponderante nesse processo de despertar. Há em toda a disciplina uma essência indispensável que trará a luz toda a sua necessidade e indissociabilidade com a vida do acadêmico, com a sua profissão, com a sua atuação na sociedade.

Com o tempo, com a constância e dedicação o professor aperfeiçoa a sua prática, com o tempo também entende que precisa ter resiliência para resistir os desafios que permeiam a tarefa de ensinar. Ouvindo testemunhos de outros professores mais experientes, procurando estar em alinhamento com as novas formas de se organizar da sociedade o professor já dá um passo à frente em sua carreira profissional. Os neologismos, as novas formas de entender o mundo sempre estarão presente e, imprescindivelmente, o professor sempre estará na vanguarda da disseminação dessas novidades. Os valores são inegociáveis e os princípios não customizáveis, mas o professor sempre terá uma alma aberta e sedenta pela felicidade de seus alunos, pela prosperidade da sociedade onde vive, pela classe que representa e, pela sua sucessão.

Assim como todos os professores já experimentei sensações indizíveis e coisas das quais também prefiro não lembrar dentro da profissão. Encontrar um lugar na vida do seu aluno que te permita ser uma referência tanto de ensino de conteúdo quanto de essência e isso dará todo sentido e significado político-pedagógico ao seu trabalho. Existe na docência o suprimento de carências não apenas do estudo da matéria mas também da compreensão dos seres e das suas relações com o meio. Essa relação que Freud tão precisamente estuda e relata, chegando a usar metáfora de “pais substitutos” é permeada dessas vicissitudes que ora nos faz concordar e discordar com o profundo envolvimento da formação do caráter do aluno.

O suprimento de todas as necessidades educacionais dos alunos vai além daquilo que o professor pode promover, obviamente, coexiste na formação de um cidadão as orientações familiares, religiosas, acadêmicas, além dos seus talentos e suas inclinações naturais. Tudo isso deve ser respeitado e utilizado nessa construção. Não obstante a presença do professor na vida de um aluno deve ser caracterizada por uma forte atuação que exige autenticidade, honestidade e acima de tudo dedicação. Tenho muito orgulho de ter exercido esse papel de professor dentro de uma sociedade tão autêntica e ao mesmo tempo tão sedenta de elementos construtores de cidadania e assim poder imprimir a minha marca dentro do espaço de tempo em que vivo entre os mortais.

Levi Lima de Oliveira (Levi Beltrão)

Economista (CORECON/PA 3552)

Aluno do Curso de Pós Graduação e Docência do Ensino Superior – ITPAC/FAHESA – Faculdade de Ciências Humanas, Econômicas e da Saúde de Araguaína.