Maquiavel E Rousseau Como Motivação Para Participação Política
Por Albio Fabian Melchioretto | 21/06/2008 | Filosofia1. NICOLAU MAQUIAVEL
Em plena aula onde o tema era Maquiavel, um aluno levanta-se e diz:
- Professor, vou me retirar da sala, pois, recuso-me assistir a esta aula sobre um sujeito que parece o demônio. Já ouvi diversas vezes que quando alguém faz mal a outra pessoa é chamado de maquiavélica e que a gente pode fazer tudo àquilo que quiser o que vale é a intenção. Eu não concordo com nada disso.
Antes de começar propriamente minha fala, gostaria de fazer um pequeno parêntese a aquilo que o senso-comum credita a Maquiavel. O fato citado aconteceu comigo em sala de aula. Quando falamos do filósofo florentino corremos o risco de erroneamente associar a idéia de que "os fins justificam os meios" ao pensador. Em nenhum de seus escritos encontramos tal idéia ou menção a tal frase. Quem muito contribuiu pela distorção das idéias maquiavélicas fora a Igreja Católica Romana (ICAR) da época. Interessada nas formas de governo e de manutenção de seu império criticava e condenava duramente todos aqueles que ousavam discordar da política dominante de Roma. Usava da fé como instrumento de imposição aos domínios terreno. As teorias defendidas por Maquiavel são idéias fortes pautadas numa situação histórica delicada vivida pela "Itália" de sua época e diferente da ICAR, por isso ele foi chamado de pagão. A "Itália" era um povo dividido em pequenas cidadelas com leis próprias que viviam em conflitos entre si. As idéias de Maquiavel são direcionadas para uma conquista e manutenção do poder diante do homem corruptível que não consegue estabelecer princípios necessários de ordem para bem viver, idéias direcionadas para a unificação da "Itália". Vamos tentar fugir da idéia de relação de Maquiavel com maldade ou coisa semelhança e tentar analisar o pensador sem os preconceitos que possuímos.
Despidos dos pré-julgamentos vamos analisar alguns aspectos importantes para a compreensão de Maquiavel. Duas questões preliminares para iniciar a discussão: (a) Qual o objetivo de Maquiavel e (b) Qual a perspectiva de suas obras? Maquiavel dentro do cenário político renascentista queria dar certo ordenamento a três questões que relacionavam diretamente o governante e o povo: o funcionamento das instituições sociais, a conquista da cidadania e o controle das massas. Através desta análise entenderemos os objetivos e suas perspectivas. Vejamos individualmente cada uma.
O funcionamento das instituições. As instituições sociais são organizações que tendem a durar independentemente da vontade de seus integrantes. São organizações superiores aos indivíduos. Como exemplo pode-se tomar as instituições religiosas, políticas, educacionais e familiares. O tempo de Maquiavel é um tempo de transição do período medieval ao moderno fortemente marcado pela Renascimento. O período de transição propõe as instituições sociais determinadas mudanças estruturais, uma desconstrução do status quo para uma construção de novos objetivos. Quando falamos de política devemos ter bem claro as estruturas sociais que se fazem presente tanto na sustentação da política como simbolismo do poder político, porque são usadas para justificar determinadas posturas. Tanto no tempo de Maquiavel como nos dias atuais, estas estruturas são fundamentais para a conquista e para a manutenção do poder. A nomeação de pessoas ligadas a partidos políticos para administrarem ministérios, secretarias, autarquias, escolas mostram uma situação onde a importância da relação que há entre o poder e o bom funcionamento das instituições são de importantíssimo valor para a otimização da máquina administrativa.
Conquista da Cidadania. Basta abrir os PCNs, a LDB ou qualquer outra orientação para a prática pedagógica que logo nas primeiras linhas são abordadas as formas metodológicas que devem levar o educando ao exercício da cidadania . Mas antes do exercício é preciso a conquista. Conquistar a cidadania para Maquiavel é ter a possibilidade livre do exercício da reflexão, sem a dominação de agentes externos, como fizera a ICAR na época de Maquiavel. Agora analisando sob a ótica do tema central: Juventude: participação política seria uma análise de das reflexões despida de uma pseudo-orientação ideológica.
Controle das massas. Não somente as instituições sociais, mas o poder dominante (como mostra a história) sempre buscou ter o controle sobre as massas que estão envolvidas no processo de construção da realidade. Não distante de nosso tempo vimos situações onde os governantes buscaram controlar a informação, os meios de comunicação, os livros didáticos a fim de que as massas estivem devidamente adestradas. Para Maquiavel a formação do Estado passa necessariamente pela ação das massas. Esta relação vai determinar a relação entre o sábio que escolhe o executor . Neste caso o sábio é representado pelas massas e o executor é o próprio governante.
Os três objetivos descritos por Maquiavel nos sugerem a idéia de que uma estrutura política não é algo estático, mas sim uma grande ação. Ação entre o governante o povo governado. Esta relação estará pautada sobre a compreensão da natureza e dos limites da política. O executor a representar as massas deve ter consciência dos limites impostos pela mesma a fim de orientar suas ações. Não que os limites seja uma tênue linha entre o lícito e o ilícito, mas sim uma linha que separa os objetivos das massas (enquanto grupo consciente) e as necessidades do Estado. Para uma compreensão atual a participação jovem na política, seguindo os critérios de Maquiavel, dever-se-ia estabelecer uma ponte entre a participação ativa como agentes fiscalizadores das ações governamentais e o executor. Um agente fiscalizador capaz de conhecer as reais necessidades do Estado em harmonia com as massas. Para tal ação é necessário estar desprovido de qualquer influência ideológica e dominante, além de estar consciente da realidade que o cerca. Para Maquiavel tal situação seria possível, porque ele não parte da análise utópica e psicológica do ser humano, mas sim, o observa através da concretude das possibilidades racionais de ação do humano.
A linha que é direcionada aos jovens não é uma linha anarquista, como alguém poderia pensar. Mesmo em trechos onde Maquiavel defende o uso da força, de métodos enérgicos, de revolta contra o executor (no caso, o príncipe) ele não está justificando a desordem e o caos. É necessário um princípio de autoridade que justifique a ordem e busque estabelecer normas e regras claras para o exercício da cidadania. A ação das massas deve ser capaz de unir duas virtudes necessárias para o sucesso: a qualidade e a capacidade. Somente será possível o exercício daquilo que ele chama de virtú se o ser humano partir de seu estado concreto. Novamente chegamos ao mesmo ponto.
A ação do governante segundo o "manual" político de Maquiavel parece ser algo fabuloso e perfeito, mas será que Maquiavel se esqueceu da corrupção humana diante do poder? Faremos uma pausa em Maquiavel. O termo corrupção na discussão sobre política é tratado desde a Grécia Antiga. Platão (século III a.C.) em suas obras separava o mundo em duas divisões: o mundo ideal e o mundo sensitivo (das sensações), no mundo sensitivo o ser humano estava fadado à corrupção de sua alma diante dos desejos e da cobiça, no mundo perfeito não há corrupção. A corrupção era levada do campo pessoal ao público. Somente o ser de alma dominante racional (sobre a emotiva e a prazerosa), no caso o filósofo, poderia superar a corrupção pessoal. A este então deveria ser oportunizado a administração da polis. Fechando o parêntese platônico e voltando para Maquiavel a solução para a corrupção deveria ser a desmistificação (que é um ato racional) dos credos dogmáticos que existem dentro da política. Fico aqui imaginando o Maquiavel diria se conhecesse nosso "parlamento". Além das divisões partidárias (desprovidas de ordem ideológica e de qualquer princípio) encontraria ainda alguns grupos que se denominam, entre outros, como a bancada evangélica; os ruralistas. Sem mencionar as famílias que se perpetuam no poder (Konder Reis, Bornhausen, Magalhães, Sarney), e ainda, a forte influência da ICAR através da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Todas essas agremiações buscam fazer valer seus direitos, mas muitas vezes usam das instituições sociais e corrompem (sem trocadilho) o exercício da cidadania através do controle das massas, feriando assim o direto do Estado existir. Aqui então caberia lembrar o filósofo social Max Weber quando afirma que o "o Estado está além do bem e o mal".
2. JEAN-JACQUES ROUSSEAU
O verdadeiro fundador da sociedade foi o primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou de dizer, isto é meu e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditá-lo.
O filósofo francês foi base referencial de sustentação teórica à Revolução Francesa. Um dos nomes mais importantes da França Iluminista. Critica abertamente a propriedade privada e culpa esta por todos os males da sociedade. A transição do estado natural para o estado de direito deu-se única e exclusivamente pelo direito da posse. O direito da posse feriu diretamente os grandes valores que havia no ser humano no estado natural: a igualdade perante o poder e a liberdade de escolhas. O que fazer a partir do direito da posse? Buscar formas que garantam novamente a igualdade e a liberdade de escolhas.
Para falar em política a partir das idéias de Rousseau devemos fazer uma concessão. Para dar conta do problema da posse e da falta de liberdade e de igualdade Rousseau estabelece um novo pressuposto. O pressuposto do pacto social. Como os seres humanos não estão mais um estado natural agora é preciso construir condições sociais para garantir a sobrevivência da espécie. A primeira condição de garantia é a formação de um pacto social. Os seres humanos se reúnem renunciam o direito pessoal em nome de uma pessoa para que ela administre em nome da vontade geral. Trocando por miúdos, aqui o ser humano renuncia o direito pessoal em nome do direito coletivo. Mas aqui não temos ainda a idéia do voto e da maioria defendida pela democracia como conhecemos. Quando Rousseau fala da vontade geral ele não está dando os parâmetros para a ditadura da maioria, mas sim está falando que o executor deve administrar a fim de atender a vontade geral. Ele deve garantir através deste atendimento a participação de todos no processo político administrativo. A formação do estado de direito é a formação de um estado de convenções onde o executor do poder vai administrar a vontade geral a partir das convenções estabelecidas frente às necessidades sociais gerais. A primeira grande necessidade do estado de direito é fazer o ser humano corrompido pela posse viver de forma adequada sem ferir o direito alheio. Portanto, política e direito em Rousseau forma uma interligação necessária para a sobrevivência do Estado.
Uma das criticas que podemos estabelecer observado a aplicação de Rousseau é que muitas vezes o sistema do estado de direito é corruptível. Ela não é uma aplicação perfeita, como na teoria iluminista. A crítica dar-se-á diante da corrupção, não mais do ser humano como em Maquiavel, mas sim agora a corrupção do estado de direito enquanto sistema. Quando a máquina do Estado torna-se muito grande e não consegue mais realizar aquilo que é tomado como princípio básico em Rousseau: atender a vontade geral, ela se perde. Para isso deveríamos partir do pressuposto que todos os estados tivessem o tamanho exato para a administração. Qual seria este tamanho? O tamanho da compreensão da vontade geral – uma medida extremamente subjetiva. Estados demasiadamente grandes estariam fadados a uma enxurrada de corrupção e se desmantelariam facilmente, porque, neste caso, "o sistema deve trabalhar apenas para resolver os problemas do próprio sistema" (cf. Filme Tropa de Elite, o personagem Capitão Nascimento comentando sobre o sistema da Polícia).
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Agora entrando na última parte desta discussão, onde temos o problema explicita é preciso buscar uma resposta para tais problemas. Ao analisar as obras Emílio de Rousseau e O Príncipe de Maquiavel encontramos um ponto chave para a questão do poder e da participação política. A educação seria este ponto primordial – uma solução. Como diria Pitágoras de Samos, é preciso educar as crianças para não punir os homens. Mas os dois pensadores vão além do termo e falam que para adentrar no universo da política é preciso gerar no ser humano a autonomia e a criatividade, além da educação. A partir destes princípios poderíamos olhar para os jovens propondo a atitude do comprometimento afim de que o dever-ser se torne apenas o ser.
O texto chama de Itália, toda a península romana: dos Alpes ao Mar Mediterrâneo. Ainda não há a idéia de Itália como nação, do jeito como ela é conhecida hoje, no tempo de Maquiavel. Mas, o filósofo propunha, ainda que indiretamente, formar uma nação todos estes povos da península romana que vivia com costumes similares. No período renascentista há a formação dos primeiros "estados nacionais" na Europa e este desejo disseminava entre os intelectuais.
Cf. OLIVEIRA, Pérsio de. Introdução à Sociologia. São Paulo: Ática, 2007.
PCN, Plano Curricular Nacional, normativa que rege as disciplinas da grade regular curricular, orientada pelo MEC.
LDB, Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional, lei n °. 9.394 de 1996.
Todas as vezes que aparecer a palavra "executor" neste texto ele estará se referindo ao governante. Refere-se à pessoa que possui o poder de administrar o Estado, aquilo que Maquiavel chama de o Príncipe.
Traduzido vulgarmente como virtude.