Manoel de Barros em Exercícios de ser criança
Por Ivana Rodrigues Silveira | 24/01/2013 | LiteraturaManoel de Barros em Exercícios de ser criança
SILVEIRA, Ivana Rodrigues.
ORIENTADOR: Prof. Msc. Manoel Messias
A pós- modernidade consolidou a liberdade do trabalho com a palavra. Ampliou a visão artística dos que fazem a literatura, assim a criação literária destinada ao público infantil pode ser desvinculada da função pedagógica a qual ocupou por vários séculos e assumir o seu compromisso, único, com a arte.
A Literatura infantil é, antes de tudo, literatura, ou melhor, é arte: fenômeno de criatividade que representa o Mundo, o Homem, a Vida, através da palavra. Funde os sonhos e a vida prática; o imaginário e o real; os ideais e sua possível/impossível realização. (Cagneti, 1996 p.7)
Manoel Wenceslau Leite de Barros escritor, contemporâneo brasileiro publicou várias obras, dentre elas, estão quatro livros infantis concebidos sob um olhar pueril. Sua poesia trabalha a palavra através de uma biografia inventada representada por um universo imaginário, no qual, os seres e os objetos ganham outros nomes, outros sentidos, diferentes dos já gastos socialmente. Segundo Manoel em Só dez por cento é mentira ¹ O poeta não tem compromisso com a verdade senão que talvez com a verossimilhança. Quem descreve não é dono do assunto quem inventa é.
Bauman, ao tratar dos precursores da pós-modernidade, denomina-os de estranhos, justamente pela reação da sociedade diante de uma inovação. Esses estranhos estão presentes em qualquer sociedade. Deles ele afirma que:
Se os estranhos são as pessoas que não se encaixam no mapa cognitivo, moral ou estético do mundo – num desses mapas, em dois ou em três; se
[1] Só dez por cento é mentira (a desbiografia oficial de Manoel de barros) Filme de: Pedro Cezar, 2008.
eles, portanto, por sua simples presença, deixam turvo o que deve ser transparente, confuso o que deve ser uma coerente receita para a ação, e impedem a satisfação de ser totalmente satisfatória; se eles poluem a alegria com a angústia, ao mesmo tempo que fazem atraente o fruto proibido; se, em outras palavras, eles obscurecem e tornam tênues as linhas de fronteira que devem ser claramente vistas; se, tendo feito tudo isso geram a incerteza, que por sua vez dá origem ao mal-estar de se sentir perdido – então cada sociedade produz esses estranhos. (BAUMAN, 1998. p. 27)
O universo lúdico de Manoel de Barros vem sempre acompanhado por imagens, algumas de sua autoria, outras feitas em parcerias. As ilustrações feitas pelo poeta são tão subjetivas quanto as suas palavras, aguçando assim a imaginação de seus leitores. A falta de compromisso com a realidade, a concepção semântica inovadora, a linguagem mista (palavra e imagem) é o que o classifica como um estranho no universo literário infantil.
No livro Exercícios de ser Criança, Manoel passeia pelo imaginário infantil utilizando a metalinguagem em busca da essência da palavra e da sua desconstrução.
No aeroporto o menino perguntou:
-E se o avião tropicar num passarinho?
O pai ficou torto e não respondeu.
O menino perguntou de novo:
-E se o avião tropicar num passarinho triste?
A mãe teve ternuras e pensou:
Será que os absurdos não são as maiores virtudes da poesia?
Será que os despropósitos não são mais carregados de poesia do que o bom senso?
Ao sair do sufoco o pai refletiu:
Com certeza, a liberdade e a poesia a gente aprende com as crianças.
E ficou sendo.
(BARROS, Manoel de, 2010. p. 469)
A obra é composta por uma prosa/poética, narrada em linguagem simples, na qual a natureza e as criações são elementos importantes. O menino que carregava água na peneira e a menina avoada são representações desta inocência verbal, a mesma que se concebe novos sentidos para as palavras, novas funções para os verbos, tornando-os livres.
Manoel de Barros é um manipulador da palavra. Em sua linguagem o que importa é o novo, as possibilidades carregadas de sentindo, e as novas sensações que estas palavras vão causar no leitor. Assim, o exercício de ser criança é o trabalho do poeta, pois é só através da arte ou na infância que a realidade pode ser Inventada/ reinventada.
REFERÊNCIAS
CAGNETI, Sueli de Souza. Livro que te quero livre. Rio de Janeiro: Nórdica, 1996
BARROS, Manoel de. Poesia completa. São Paulo, Leya, 2010.
BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1998.
SITES CONSULTADOS
http://www.sodez.com.br/index.htm