MANDADOS DE SEGURANÇA NOS PROCEDIMENTOS DISCIPLINARES (Felipe Genovez)

Por Felipe Genovez | 22/02/2018 | Direito

O mandado de segurança não se constitui instrumento hábil para se questionar o procedimento e as decisões disciplinares. No entanto, qualquer vício de legalidade na observância dos preceitos legais poderá ensejar que o acusado possa se socorrer da Justiça no sentido que lhe assegure direito líquido e certo por meio do “mandamus” (art. 5º, inciso LXIX e LXX, CF (proteção contra ilegalidades e abusos de poder não amparado por meio  de habeas corpus ou habeas data).

Há que se questionar se a autoridade sindicante ou os membros de comissões processantes poderão impetrar mandado de segurança contra autoridades superiores por tentarem interferir nos trabalhos internos ou no senso e isenção dos membros das comissões processantes. No nosso entendimento isso não seria possível, pois lhes é facultado que exerçam o direito de arguir suspeição ou impedimento antes e durante o curso da condução dos trabalhos disciplinares. Entretanto, qualquer negativa ou restrição quanto aos  argumentos apresentados â instância administrativa superior, uma vez configurado “ação ou omissão por parte do Poder Público (v.g.: fornecer as condições necessárias de trabalho, indeferimento de concessão de diárias para viagens necessárias, liberação dos membros das comissões para que possam se dedicar aos trabalhos procedimentais...) , ilegalidade ou abuso de poder (v.g.:  interferir na liberdade dos membros das comissões processantes de produzir  seus atos, restringir por qualquer meio a prática de qualquer ato no curso do procedimento, assegurar vistas dos autos à defesa ou acusado, fornecer de certidões, deferir perícias e diligências...), lesão ou ameaça de lesão a direito líquido e certo (v.g.: restringir direitos do acusado ou da defesa...) e, ainda, direito não protegido por habeas corpus nem habeas data”,  poderá facultar aos membros das comissões processantes lançar mão do “writ o mandamus”.

Outra situação factível é a convocação de servidor para atuar em procedimento disciplinar. Há que se entender que baseado no poder hierárquico o servidor convocado não poderá se negar a participar dos trabalhos procedimentais, exceto nos casos de arguição de suspeição ou impedimento. Caso lhe seja negado o direito de deixar os trabalhos, nada obsta que possa buscar guarida da Justiça - que dependendo das circunstâncias - poderá lhe assegurar a substituição nos trabalhos disciplinares.

Registre-se que a negativa do Poder Público ao fornecimento das informações englobadas pelo direito de certidão configura o desrespeito a um  direito líquido e certo, por ilegalidade ou abuso de poder, passível, portanto, de correção por meio de mandado de segurança. Celso de Mello aponta os pressupostos necessários para a utilização do direito de certidão: legítimo interesse (existência de direito individual ou da coletividade a ser defendido); ausência de sigilo; res habilis (atos administrativos e atos judiciais são objetos certificáveis), (...)”. E, por derradeiro, registrou que: “Ademais, a emissão da certidão nos termos requeridos não fere a ordem interna d Polícia Civil, tampouco prejudica a sua fiscalização por outros órgãos que exercem o controle interno e externo, pois os atos que se pretende tomar conhecimento são de natureza pública e não meros atos decorrentes da gestão administrativa interna. Lembra-se ainda, que é princípio constitucional a publicidade dos atos administrativos, esculpido no artigo 37, caput, da Constituição Federal” (in manifestação do MP/Piçarras nos autos n. 048.06.004152-5, também mencionando o jurista Alexandre Moraes, apud Promotora de Justiça Viviane Damiani Valcanaia).

JURISPRUDÊNCIA:

MANDADO DE SEGURANÇA – WRIT – PROCEDIMENTO DISCIPLINAR – ATO DISCIPLINAR

“I. Mandado de segurança. Ato disciplinar. Reexame dos fatos apurados no inquérito administrativo. O mandado de segurança não é meio hábil a alcançar-se, no Judiciário, a substituição da moldura fática delineada no processo administrativo. A regra segundo  a qual não se dará segurança quando se tratar de ato disciplinar , salvo se praticado por autoridade incompetente ou preterida formalidade essencial – inciso III do artigo 5º, da Lei n. 1.533/51 – afina-se com a exigência sobre a liquidez e certeza do direito, porquanto impossível é confundir o enquadramento jurídico dos fatos apurados com a revisão destes, somente passível de ser alcançada em fase própria, ou seja, a probatória, em que viabilizadas altas indagações sobre os acontecimentos envolvidos na controvérsia (...)” (MS 21.297/DF, Rel. Ministro Marco Aurélio, in DJ 28.02.92).

“(...) A jurisprudência é absolutamente pacífica no sentido da independência das esferas penal e administrativa, de forma que eventual punição administrativa prescinde de condenação criminal para ser aplicada. A análise de mandado de segurança, onde se pretenda a anulação de procedimento administrativo que tenha imposto penalidade ao servidor, restringe-se à observância dos princípios do contraditório e ampla defesa, proporcionalidade da pena aplicada ou outros aspectos procedimentais, sendo incabível a rediscussão dos próprios fatos e atos originários no apuratório administrativo (...)” (MS n. 7.019, DF, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, in DJ 05.03.2001).

“(...) O mandado de segurança desempenha, nesse contexto, uma função instrumental do maior relevo. A impugnação judicial de ato disciplinar, mediante utilização desse ‘writ’ constitucional, legitima-se em face de três situações possíveis, decorrentes (1) da incompetência da autoridade, (2) da inobservância das formalidades essenciais e (3) da ilegalidade da sanção disciplinar. A pertinência jurídica do mandado de segurança, em tais hipóteses, justifica a admissibilidade do controle jurisdicional sobre a legalidade dos atos punitivos emanados da administração pública no concreto exercício do seu poder disciplinar.  O que os juízes  e tribunais somente não podem examinar nesse tema, até mesmo como natural decorrência do princípio da separação de Poderes, são a conveniência, a utilidade, a oportunidade e a necessidade da punição disciplinar. Isso não significa, porém, a impossibilidade de o Judiciário verificar se existe, ou não, causa legítima que autorize a imposição da sanção disciplinar. O que se lhe veda, nesse âmbito, é, tão-somente, o exame do mérito da decisão administrativa, por tratar-se de elemento temático inerente ao poder discricionário da administração pública (...)” (STJ, Terceira Seção, MS n. 6.853, DF, data da dec.: 10.12.03).