MALANDRO É MALANDRO, MANÉ É MANÉ!

Por Marianna Mousinho Dutra | 06/08/2015 | Direito

MALANDRO É MALANDRO, MANÉ É MANÉ!

Considerando as seguintes hipóteses:

01. Um militar aposentado usa contatos no alto escalão para “furar” a fila de doações de órgãos e salvar a vida de sua filha;

02. Um jovem motorista (alcoolizado) oferece dinheiro ao guarda que o parou numa blitz;

03. Uma empreiteira superfatura as obras de uma ponte, dando uma carga porcentagem ao deputado que lhe garantiu a vitória na licitação;

04. Um aluno do curso de direito entrega ao professor um paper copiado do trabalho de um colega;

05. Um recém desempregado, com 4 filhos, frauda documentos para obter um maior seguro desemprego;

06. Um deputado manipula o processo licitatório da construção de uma ponte para beneficiar o empreiteiro, em troca de uma farta soma de dinheiro.

Pergunta-se qual dos personagens é o mais corrupto, e por que. E também, em qual dos casos podemos identificar com mais clareza o chamado “jeitinho brasileiro”.

Na Constituição Federal Brasileira existe o princípio da isonomia, ou princípio da igualdade, onde todos são iguais perante a lei, que está estabelecido no artigo 5º desta mesma. Porém, como é falado por Da Matta (O modo de navegação social: a malandragem e o “jeitinho”. Página 95), os brasileiros são acostumados a burlar o sistema normativo para conseguir o que desejam, se for de encontro às normas jurídicas vigentes, ficando assim, ainda segundo Da Matta, a lei um pouco desmoralizada.

As maneiras de deixar as coisas mais “fáceis” são o uso do chamado jeitinho, o “você sabe com quem está falando?” e a malandragem. De acordo com a tese de Da Matta, o dilema brasileiro residia numa trágica oscilação entre um esqueleto nacional feito de leis universais cujo sujeito era o indivíduo e situações onde cada qual se salvava e se despachava como podia, utilizando para isso o seu sistema de relações pessoais (O modo de navegação social: a malandragem e o “jeitinho”. Página 95).

O tão famoso jeitinho brasileiro, nada mais é do que um modo pacífico e até mesmo legítimo de resolver tais problemas (Da Matta, O modo de navegação social: a malandragem e o “jeitinho”. Página 95), criando entre os indivíduos certo elo de amizade, que pode ter surgido naquele exato momento por algo em comum, ou já ter vindo de antes, como por exemplo, uma amizade antiga. O problema de quem está solicitando será resolvido não havendo choque entre nenhuma das partes, principalmente com a lei. Francisco de Oliveira, afirma, na revista Piauí, no texto jeitinho jeitão: “Penso que o peculiar modo nacional de livrar-se de problemas, ou de falsificá-los, constitui o famoso jeitinho brasileiro.” E ainda finaliza afirmando, “ele (o jeitinho) é uma das maiores marcas do moderno atraso brasileiro”.

O homem-cordial de Sérgio Buarque de Holanda está intimamente ligado ao jeitinho brasileiro, já que as relações pessoais e de afeto (para o bem ou para o mal) se sobrepõe à impessoalidade da lei e à norma social (Holanda, 2006).

Já o “você sabe com quem está falando?” segue a mesma linha de raciocínio do jeitinho, porém, ele não se da de forma amigável. É a negação do “jeitinho”, da “cordialidade” e da “malandragem” (Da Matta, O modo de navegação social: a malandragem e o “jeitinho”. Página 140). Quer estabelecer de imediato uma hierarquia entre os sujeitos, mostrando que nunca irão existir objetivos em comum e que sempre existe um cargo mais elevado que o outro. “O “você sabe com quem está falando?” seria como o racismo e o autoritarismo: algo que ocorre entre nós como por acaso, sendo dependente apenas de um “sistema” implantado pelos grupos que detêm o poder” (Da Matta, O modo de navegação social: a malandragem e o “jeitinho”. Página 142).

A malandragem é a profissionalização do jeitinho. Ou seja, uma pessoa que vive encontrando meios de se livrar de certas coisas, dar desculpas “esfarrapadas” etc. Como diz Da Matta, é um modo, um jeito, estilo de vida de certos brasileiros, que desejam o máximo de prazer com o mínimo de esforço. Para Francisco de Oliveira, foi algo herdado do escravismo.

Após estabelecer essas maneiras de burlar o sistema, deve-se conceituar corrupção. De acordo com o dicionário online de português, corrupção é: s.f. Ação ou efeito de corromper, de fazer degenerar; depravação. Ação de seduzir por dinheiro, presentes etc., levando alguém a afastar-se da retidão; suborno.

Existem várias formas de corrupção, não é somente a política, que envolve muito dinheiro, como se imagina. Existem também aquelas que envolvem atitudes, a moral de cada um. Qualquer ato que visa o bem de uns em detrimento dos outros ou da própria lei, principalmente, é corrupção. Os atos corruptos muitas das vezes acontecem diariamente, e não nos damos conta disso. É a corrupção que não é vista como corrupção. Por exemplo, uma simples “furada” de fila.

Dessa forma, pode-se afirmar que não existe um mais corrupto do que o outro, já que não existe uma escala "corruptível” em que se possa medir a corrupção de cada um. Em todas as hipóteses as pessoas foram corruptas. Falando especificamente de caso em caso:

01-  O militar usou do famoso “você sabe com quem está falando?” mostrando a hierarquia dele, e se colocando como mais importante do que os outros que estavam na fila.

02-  Nitidamente uma corrupção ativa, em que o estudante oferece dinheiro para obter um favor ilícito, e pode-se falar ainda em concussão, se for o caso do funcionário público pedir dinheiro para fingir que aquilo não aconteceu.

03-  Mostra o estelionato e corrupção ativa. Nesse caso, saíram beneficiados a empreiteira e o deputado, porém, indiretamente a sociedade saiu prejudicada, já que atingiu os cofres públicos.

04-  Tentou se beneficiar em cima do trabalho do amigo. O amigo que fez o seu trabalho não terá seu reconhecimento, e todo o tempo que foi destinado a fazer o paper, não valeu de nada. No fim, nenhum dos dois sairá beneficiado.

05-  Estelionato também, porque vai trazer benefícios somente para o requerente, e malefícios para os cofres públicos.

06-   Assim como o número três, vai ser estelionato, e vai ser também corrupção passiva, pois o deputado aceitou o dinheiro. Além disso, tem também o peculato, já que o deputado abusou da confiança pública.

E, em relação ao jeitinho, pode ser bem observado em todas as situações aqui descritas. Porém, a que pode ser identificada com maior clareza é a hipótese de número II. Na qual o jovem alcoolizado oferece dinheiro ao policial da blitz. Nesta situação o jeitinho brasileiro foi bom para ambas as partes. No qual os dois fingem que aquela situação não ocorreu, já que estão agindo de forma ilegal.

REFERÊNCIAS

 

BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Organização do texto: Juarez de Oliveira. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 1990, 168 p. (Série Legislação Brasileira)

Corrupção passiva. Disponível em <http://www.jusbrasil.com.br/topicos/295574/corrupcao-passiva> Acesso 20.04.2013 às 13:53

DA MATTA, Roberto. O modo de navegação social: a malandragem e o “jeitinho”. IN O que faz o brasil, Brasil?

DA MATTA, Roberto. Você sabe com quem está falando? Um ensaio sobre a distinção entre indivídui e Pessoa no Brasil. IN Carnavais, Malandros e Heróis, Rio de Janeiro, Zahah, 1979.

Dicionário online de português. Disponível em < http://www.dicio.com.br/corrupcao/> Acesso em 20.04.2013 às 17:28

HOLANDA, Sério Buarque de. O Homem Cordial, IN O significado de Raízes do Brasil, São Paulo, Companhia das Letras, 2006.

OLIVEIRA, Francisco de. Jeitinho e jeitão, IN Revista Piauí, ed 73, Rio de Janeiro, outubro de 2012 (disponível para leitura online e download no site http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-73/tribuna-livre-da-luta-de-classes/jeitinho-e-jeitao)

Filme

BIANCHI, Sérgio. Cronicamente inviável. Brasil, 2000.