Macabeus, Charlie Hebdo e anti-ocidentalismo
Por Gustavo Uchôas Guimarães | 09/02/2015 | HistóriaMacabeus, Charlie Hebdo e anti-ocidentalismo
Gustavo Uchôas Guimarães
Vem sendo comuns na mídia, em especial nos últimos 14 anos, as notícias sobre ataques, invasões, atentados e conflitos envolvendo algum grupo originário do Oriente Médio ou que tenha se "alimentado" de pensamentos vindos da mesma região. A maioria das pessoas certamente conhecem ou já ouviram falar em Al Qaeda, Jihad Islâmica, Hamas, Boko Haram, Al Fatah, Estado Islâmico, entre outros nomes que frequentam os noticiários do mundo todo. Esses grupos têm em comum , principalmente, as seguintes características: atribuem a si mesmos uma interpretação supostamente correta da doutrina islâmica, tentam aplicar esta doutrina em todas as áreas da vida, combatem ferozmente os que eles chamam de “moderados” ou “infiéis” e consideram como grande inimigo o Ocidente (em especial os Estados Unidos) com tudo aquilo que o Ocidente pode apresentar e representar. Tais grupos mostram grande ousadia em seus ataques, bastando vermos os atentados contra as Torres Gêmeas de Nova York (11/09/2001), o ataque à sede da revista Charlie Hebdo em Paris (07/01/2015), entre outras ações que chocam o mundo na história contemporânea.
Na verdade, apesar de atualmente a maior parte destes grupos terem uma origem comum muçulmana, é fato que ao longo da História a resistência contra o Ocidente partiu de grupos com as mais diversas origens religiosas, também assumindo várias faces, tendo diversas intenções e gerando intensos conflitos. Se voltarmos no tempo, mais exatamente até o século XI, veremos a ruptura do cristianismo em Igreja Católica Apostólica Romana e Igreja Ortodoxa Grega, que nada mais foi do que uma reação das igrejas orientais (Ortodoxas) às práticas da igreja ocidental (Católica Romana).
Indo mais longe no tempo, chegaremos às lutas dos judeus contra a imposição cultural que vinha primeiro dos gregos e depois dos romanos. Inclusive, o primeiro grande movimento contrário à influência ocidental nasceu no seio do judaísmo, liderado pelo sacerdote Matatias e seus filhos em meados do século II a.C. Quando Matatias vem a morrer, assume seu lugar o seu filho Judas, que tinha o apelido de Macabeu (“martelo”, em hebraico). Judas e seu irmão Jônatas morrem em batalhas, mas Simão, outro filho de Matatias, garante a independência dos judeus e cria o Estado da Judeia, separando-se do Império Selêucida.
Só para contextualizarmos: o Império Selêucida surgiu por volta de 310 a.C., fundado por Seleuco, que era um dos generais do imperador Alexandre, o Grande. Seleuco e seus sucessores quiseram levar adiante o projeto alexandrino de “helenizar” o mundo, ou seja, levar a cultura grega a todos os povos do imenso império que Alexandre conquistara antes de morrer. A revolta dos judeus inicia em 167 a.C., quando o rei selêucida Antíoco IV manda colocar uma estátua de Zeus (divindade mais importante dos gregos) no Templo de Jerusalém, o local mais sagrado do judaísmo.
Na Bíblia católica, os dois livros dos Macabeus trazem detalhes das lutas pela “purificação” do Templo judaico e criação de um Estado Judeu em reação à cultura grega imposta na região. As lutas de poder entre os descendentes de Simão, no entanto, abriram brechas para um novo invasor ocidental, os romanos. E sabemos que, posteriormente, os judeus levantaram-se em duas grandes revoltas contra o Império Romano: na primeira, foram derrotados e tiveram seu Templo destruído (70 d.C.); na segunda, também foram derrotados e expulsos de Jerusalém (135 d.C.), tendo se dispersado pela Europa, Ásia e África.
Este anti-ocidentalismo é uma reação às posturas das potências ocidentais ao longo da História, que constantemente invadiram o Oriente Médio e tentaram impor sua cultura pela força. Vemos estes casos na formação dos impérios comandados pelos generais de Alexandre o Grande, no crescimento do Império Romano, nas Cruzadas que tentaram conquistar a Terra Santa, no domínio francês e inglês sobre o Oriente Médio no século XX e nas ações estadunidenses em sua “guerra ao terror”. Obviamente, as ações das potências ocidentais não justificam os atos terroristas perpetrados principalmente por extremistas religiosos, mas estas ações acabaram originando uma “teia de conflitos” onde todos os lados saem perdendo.
A luta judaica contra a cultura greco-romana foi somente o início de séculos de conflitos entre Oriente Médio e Ocidente, envolvendo questões políticas, sociais, econômicas, religiosas e culturais. O estudo deste passado de conflitos pode nos ajudar a entender os fenômenos que ocorrem atualmente no Oriente Médio e nos fazer pensar em possibilidades para a superação ou amenização destas situações.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
A Bíblia de Jerusalém. São Paulo: SBCI / Paulus, 1994. 1º e 2º Livro dos Macabeus.
CENTRO DE INFORMAÇÃO DE ISRAEL. Jerusalém através dos séculos. Disponível em: http://www.beth-shalom.tv.br/artigos/jerusalem_seculos.html Acesso em: 10.fev.2015.
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PENA, Rodolfo Alves. Principais grupos terroristas da atualidade. Disponível em: http://www.brasilescola.com/geografia/grupos-terroristas-mundo.htm Acesso em: 10.fev.2015.
STEPHANOPOULOS, Robert G. A Igreja Greco-Ortodoxa (Oriental). Traduzido por Luís Gonzaga de Medeiros. Disponível em: http://www.ecclesia.com.br/biblioteca/igreja_ortodoxa/a_igreja_greco-ortodoxa.html Acesso em: 10.fev.2015.