Lugares Violentos
Por Arnaldo Eugênio | 24/11/2008 | FilosofiaLUGARES VIOLENTOS
O crescimento generalizado da insegurança objetiva e subjetiva em todos os países, principalmente nas últimas quatro décadas, como um dos aspectos constituintes do processo de “institucionalização dos temores urbanos” (Zukin, 1995), tem servido de justificativa para se preferir alimentar a indústria privada da segurança em detrimento de políticas públicas que visem à eliminação das fortes desigualdades de condições e de oportunidades de vida entre os indivíduos.
“A alternativa entre o tratamento social da miséria e de seus correlatos – ancorado numa visão de longo prazo guiada pelos valores de justiça social e de solidariedade – e seu tratamento penal – que visa às parcelas mais refratárias do subproletariado e se concentra no curto prazo dos ciclos eleitorais e dos pânicos orquestrados por uma máquina midiática fora de controle (...)” (Wacquant, 2003), são aspectos cruciais que permeiam as discussões sobre a insegurança pública.
O estigma de lugares violentos (p.ex. Vila Irmã Dulce, em Teresina; Jardim Ângela, em São Paulo; Morro do Alemão, no Rio de Janeiro) – preferencialmente localidades de concentração de pobres - corrobora a “guetificação que é parte orgânica do mecanismo de disposição do lixo ativado à medida que os pobres não são mais úteis como ‘exército de reserva da produção’ e se tornaram consumidores incapazes, e, portanto inúteis” (Bauman, 2003). É um “poderoso estigma territorial ligado à moradia numa área publicamente reconhecida como ‘depósito’ de pobres, de casas de trabalhadores decadentes e grupos marginais de indivíduos” (Wacquant, 1993).
Na verdade, trata-se do “mecanismo de segregação e exclusão que pode ou não ser complementado e reforçado por fatores adicionais de raça/pele, mas no limite todas as suas variedades são essencialmente a mesma” (Bauman, 2003): “ser pobre numa sociedade rica implica em ter o status de uma anomalia social e ser privado de controle sobre sua representação e identidade coletiva (...); uma privação simbólica que torna seus habitantes verdadeiros párias” (Wacquant, 1993).
Ou seja, o estigma de lugares violentos imprime nos pobres, tanto físico e simbolicamente, uma marca identitária que serve para segregá-los nos porões da miséria – uma construção metafórica às “prisões da miséria” (Wacquant) e à ”gaiola de ferro” (Weber) - das periferias urbanas e excluí-los de quaisquer possibilidades de mobilidade social ou de qualquer forma de pertencimento a um sistema social de significação e utilidade funcional, já que a prévia definição de que são portadores de inclinações endemicamente criminosas os identifica como pessoas perigosas, que, logo, se satisfazem em viverem nos guetos.
A imposição do estigma revela o fato de que, “a guetificação é paralela e complementar à criminalização da pobreza; há uma troca constante de população entre os guetos e as penitenciárias, um servindo como grande e crescente fonte para a outra. Guetos e prisões são dois tipos de estratégia de ‘prender os indesejáveis no chão’, de confinamento e imobilização” (Bauman, 2003).
Segundo Wacquant (2003), “a sociedade brasileira continua caracterizada pelas disparidades sociais vertiginosas e pela pobreza de massa que, ao se combinarem, alimentam o crescimento inexorável da violência criminal, transformada em principal flagelo das grandes cidades”.