Loteamento fechado e as Associações de Moradores

Por Renata Rugna Vaqueiro | 23/10/2013 | Direito

LOTEAMENTO FECHADO E AS ASSOCIAÇÕES DE MORADORES

 

 

1.1      Do parcelamento de solo urbano

 

 

Parte o presente estudo da definição oferecida por Sérgio A. Frazão do Couto quanto ao parcelamento do solo: “Parcelamento do solo é, pois, a divisão de uma grandeza territorial em número legalmente limitado de grandezas territoriais menores, regidas e protegidas pelo direito”[1] Em sentido amplo, tem-se no parcelamento do solo uma forma de promover uma ocupação demograficamente mais proveitosa do solo, a medida que divide-se um espaço antes subutilizado por unidades menores e autônomas, de forma a acomodar o crescimento populacional, em especial em torno dos núcleos urbanos.

Fixado conceito e propósito do parcelamento de solo lacto sensu, cumpre estudar as especificidades normativas do parcelamento de solo urbano, disciplinado pela Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979.

Estabelece a Lei nº 6.766/79 em seu artigo 3º que “somente será admitido o parcelamento do solo para fins urbanos em zonas urbanas, de expansão urbana ou de urbanização específica, assim definidas pelo plano diretor ou aprovadas por lei municipal.”,. Assim sendo, não estão abarcados por esta legislação o parcelamento com finalidade rural, que continua a ser regido pelo Decreto-Lei nº 58, de 10 de dezembro de 1937, bem como o parcelamento de imóvel rural para finalidade urbana, que deve ser precedido da inclusão do respectivo imóvel como de zona urbana ou de expansão urbana pelo Município de forma a adequar-se ao artigo 3º supracitado.

No tocante à finalidade urbana do parcelamento de solo disciplinado pela Lei nº 6.766/79, conceitua Diógenes Gasparini[2]

:

Fins urbanos são os que dão ao parcelamento características de bairros, vilas ou cidades. Implicam a implantação de lotes destinados à edificação (residencial, comercial ou industrial), dotados de equipamentos urbanos (rede de água, de esgoto, de iluminação pública, de telefonia, etc.) e comunitários (áreas de recreio, educação e cultura etc.). Em suma, fins urbanos são os que se obtêm por exclusão, já que o ordenamento jurídico só indica os rurais. São rurais os voltados às atividades extrativa, agrícola, pecuária e agroindustrial (art. 4º, I e II, da Lei federal n. 4.504/64 – Estatuto da Terra), sendo, portanto, urbano qualquer outro. Em outras palavras, preocupa-se a Lei com os parcelamentos destinados à implantação de novos núcleos populacionais (residenciais, comerciais, industriais e de recreio). Pode-se dizer, então, que não se tem parcelamento, nos termos da Lei em apreço, se dele não surgir um núcleo urbano.

 

Observa-se ainda que não serão passíveis de parcelamento de solo as áreas urbanas das seguintes espécies, conforme previsto no parágrafo único do artigo 3º da Lei nº 6.766/79: (i) em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, antes de tomadas as providências para assegurar o escoamento das águas; (ii) em terrenos que tenham sido aterrados com material nocivo à saúde pública, sem que sejam previamente saneados; (iii) em terrenos com declividade igual ou superior a 30% (trinta por cento), salvo se atendidas exigências em específico das autoridades competentes; (iv) em terrenos onde as condições geológicas não aconselham a edificação; (v) em áreas de preservação ecológica ou naquelas onde a poluição impeça condições sanitárias suportáveis, até a sua correção.

Por fim, para que se cumpra a finalidade urbana dos parcelamentos de solo, especificamente dos loteamentos urbanos, são estabelecidos requisitos urbanísticos específicos, conforme tratados mais adiante.

 

 

1.2      Loteamento Urbano

 

 

A legislação vigente prevê duas formas de promover o parcelamento de áreas urbanas: o loteamento e o desmembramento. Ambas se assemelham no propósito de originar terrenos da subdivisão de um imóvel, mas distinguem-se no quanto disposto no artigo 2º da Lei nº 6.766, conforme segue:

 

Art. 2º. O parcelamento do solo urbano poderá ser feito mediante loteamento ou desmembramento, observadas as disposições desta Lei e as das legislações estaduais e municipais pertinentes.

 

  • § 1º - Considera-se loteamento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes.

 

  • § 2º- considera-se desmembramento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique na abertura de novas vias e logradouros públicos, nem no prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes.

 

Em síntese, tem-se loteamento e não desmembramento sempre que a subdivisão do terreno demandar uma alteração no plano viário, seja pelo prolongamento, modificação e/ou ampliação das vias já existentes.

Ambos os institutos, loteamento e desmembramento, já se encontravam previstos em diplomas legais anteriores, Decreto-Lei federal nº 58/37 e Decreto-Lei federal nº 271/67, respectivamente. Não compondo o escopo do presente artigo o estudo do desmembramento, enquanto forma de parcelamento de menor complexidade, passaremos as tratar exclusivamente do parcelamento de solo urbano realizado na forma de loteamento.

De acordo com o artigo 1º do referido Decreto-Lei nº58/37, sujeitam-se aos requisitos do loteamento “Os proprietários ou co-proprietários de terras rurais ou terrenos urbanos, que pretendam vendê-los, divididos em lotes e por oferta pública, mediante pagamento do preço a prazo em prestações sucessivas e periódicas”. Já a lei vigente, conforme elucida Arnaldo Rizzardo[3], parte de outro critério para conceituar os loteamentos, sem explicitar a forma de venda dos terrenos, mas conceituando-o como a operação que se utiliza de dados técnicos de agrimensura para dividir uma área em outras porções autônomas, com possibilidade de vida própria.

Assim, observado a redação da Lei nº 6.766/79, conceitua João Baptista Galhardo[4]: “Considera-se lote o terreno servido de infra-estrutura básica cujas dimensões atendam aos índices urbanísticos definidos pelo plano diretor ou lei municipal para a zona em que se situa (art. 2º, § 4º, da Lei 6.766/79).”

Ainda, verifica-se que tanto o loteamento quanto o desmembramento pressupõem a destinação à edificação, de forma que resta evidente a finalidade de social de constituição de um novo núcleo urbano. Nesse sentido, leciona Diogenes Gasparini[5]:

 

O resultado do parcelamento (lotes) há de ser destinado à edificação residencial, comercial ou industrial, ou, ainda, a uma função de lazer. O fim imediato do loteamento ou do desmembramento é a edificação ou o lazer. Loteia-se para edificar ou para recreação. Só assim o parcelamento subsume-se à Lei n. 6.766. Se não for para edificação ou lazer, não se trata do loteamento por ela acolhido e disciplinado. Não se desconhece que qualquer área no futuro poderá ser edificada, notadamente se estiver em zona urbana. Mas isto não significa que o parcelamento sempre tenha por escopo a edificação. Parcela-se para fins rurais, ou para desfazer situação condominial, ou para atribuir a cada herdeiro sua cota certa e determinada. Nessas hipóteses, embora a área resultante do parcelamento possa vir a ser edificada posteriormente, a divisão não se constitui num loteamento ou desmembramento nos termos da nova Lei.

Isto não é tudo. As edificações hão de se constituir em um novo núcleo (residencial, comercial, industrial ou de lazer). O parcelamento há de caracterizar, inequivocamente, um novo aglomerado, assim qualificada. Não basta, portanto, que os lotes sejam destinados à edificação. Pode-se ter edificação sem se ter, juridicamente, um loteamento, como é o caso dos condomínios, regulados pelo art. 8º da Lei federal n. 4.591/64.

 

 

1.3      Requisitos urbanísticos e transferência de áreas à Municipalidade

 

 

Sendo o parcelamento do solo urbano, e por consequência o loteamento, mecanismo para acomodação do crescimento populacional e para constituição de novos núcleos urbanos, a legislação tem o dever de tutelar o direito da população que lá será inserida a fim de assegurar certos requisitos urbanísticos primordiais, proporcionais à densidade de ocupação prevista. Desta feita, são elencados os requisitos do loteamento nos artigos 4º e 5º da Lei nº 6.766/79:

 

 

Art. 4º. Os loteamentos deverão atender, pelo menos, aos seguintes requisitos:

I - as áreas destinadas a sistemas de circulação, a implantação de equipamento urbano e comunitário, bem como a espaços livres de uso público, serão proporcionais à densidade de ocupação prevista pelo plano diretor ou aprovada por lei municipal para a zona em que se situem.

II - os lotes terão área mínima de 125m² (cento e vinte e cinco metros quadrados) e frente mínima de 5 (cinco) metros, salvo quando o loteamento se destinar a urbanização específica ou edificação de conjuntos habitacionais de interesse social, previamente aprovados pelos órgãos públicos competentes;

III - ao longo das águas correntes e dormentes e das faixas de domínio público das rodovias e ferrovias, será obrigatória a reserva de uma faixa não-edificável de 15 (quinze) metros de cada lado, salvo maiores exigências da legislação específica;

IV - as vias de loteamento deverão articular-se com as vias adjacentes oficiais, existentes ou projetadas, e harmonizar-se com a topografia local.

§ 1º - A legislação municipal definirá, para cada zona em que se divida o território do Município, os usos permitidos e os índices urbanísticos de parcelamento e ocupação do solo, que incluirão, obrigatoriamente, as áreas mínimas e máximas de lotes e os coeficientes máximos de aproveitamento. (Redação dada pela Lei nº 9.785, de 1999)

§ 2º - Consideram-se comunitários os equipamentos públicos de educação, cultura, saúde, lazer e similares.

§ 3º - Se necessária, a reserva de faixa não-edificável vinculada a dutovias será exigida no âmbito do respectivo licenciamento ambiental, observados critérios e parâmetros que garantam a segurança da população e a proteção do meio ambiente, conforme estabelecido nas normas técnicas pertinentes.

Art. 5º. O Poder Público competente poderá complementarmente exigir, em cada loteamento, a reserva de faixa non aedificandi destinada a equipamentos urbanos.

Parágrafo único - Consideram-se urbanos os equipamentos públicos de abastecimento de água, serviços de esgostos, energia elétrica, coletas de águas pluviais, rede telefônica e gás canalizado.

 

Válido ressaltar que o estabelecimento de critérios urbanísticos no cerne de uma legislação federal é bastante discutido, a medida que, nos termos do artigo XXX da Constituição Federal, cumpre aos  Municípios legislar sobre questões urbanísticas. Todavia, tal discussão pôde ser mitigada com o advento da Lei nº 9.785 de 20 de janeiro de 1999, que estabeleceu, dentre outras importantes alterações, que cumprirá ao Município estabelecer, por meio de lei própria, os usos permitidos e os índices urbanísticos de parcelamento e ocupação do solo, na fora do §1º ao artigo 4º da Lei nº 6.766/79.

Tem-se que para a concretização de tais requisitos, deve ser desempenhado pelo loteador papel tipicamente exercido pela Municipalidade no estabelecimento de áreas públicas e serviços de infraestrutura, ainda que essa determinação ocorra com a anuência do respectivo Munícipio ao aprovar o projeto de loteamento. Contudo, tais realizações do loteador não permanecem, via de regra, sob sua responsabilidade e competência após a conclusão das obras, sendo transferidas a Municipalidade para que esta busque sua manutenção.

Nesse sentido, dispõe João Baptista Galhardo[6]:

 

Os espaços livres de uso comum, as vias e praças destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo, não poderão ter sua destinação alterada pelo loteador, desde a aprovação do loteamento, salvo as hipóteses de caducidade ou desistência do loteador, sendo, neste caso, observadas as exigências do art. 23[p.499] (art. 17 [p.495]). E desde a data do registro do loteamento passam – ex vi legis – a integrar o domínio do Município (art. 22 [p. 499]). A Constituição do Estado de São Paulo  (art. 180, VII [p. 463]) não permite que as áreas definidas em projeto de loteamento, como áreas verdes ou institucionais, tenham em qualquer hipótese, sua destinação, fim e objetivos originariamente estabelecidos, alterados.

 

Em acréscimos aos requisitos urbanísticos previstos na legislação e na lei municipal, conforme aplicável, os loteamentos urbanos sujeitam-se ainda a restrições urbanísticas convencionais, que constarão do memorial descritivo ou do ato de aprovação do loteamento, bem como do contrato-padrão de alienação dos lotes indicado no inciso VI do artigo 18 da Lei nº 6.766/79. É facultado ao loteador estabelecer contratualmente restrições a construção e destinação da área dos lotes, tais como sua destinação residencial ou certo padrão arquitetônico, sendo que, tal qual os restrições urbanísticas legais, a restrições convencionais devem ser observadas e são tuteladas pelo artigo 45 da Lei nº 6.766/79, na forma que segue: “O loteador, ainda que já tenha vendido todos os lotes, ou os vizinhos, são partes legítimas para promover ação destinada a impedir construção em desacordo com restrições legais ou contratuais.”

Sendo que compõe o escopo deste trabalho apenas a discussão das especificidades de uma modalidade atípica de loteamento, os loteamentos fechados, o estudo do loteamento urbano tradicional será amplo e teórico e terá maior detalhamento apenas à medida que certos pontos servirão de comparação às particularidades dos referidos loteamentos fechados. Assim, importante destacar que não cumpre ao presente estudo debruçar-se sobre a vastidão dos aspectos práticos dos loteamentos urbanos, qual sejam, a elaboração dos projetos de loteamento e aprovação junto ao Município, seu registro em Ofício de Registro de Imóveis, a forma de alienação dos lotes, dentre outros. Diante do exposto, e já satisfatoriamente apresentado as características gerais do instituto disciplinado pela Lei nº 6.766/79, passa-se ao estudo da modalidade dos loteamentos fechados.

 

 

1.4 Loteamento Fechado

 

 

Em virtude do crescimento populacional e do consequente aumento dos problemas urbanos na prestação de serviços básicos e segurança pela Administração Pública, surge uma forma especial de loteamento, denominado como “loteamento fechado” (ou, impropriamento, como “condomínio fechado”), no qual, a fim de garantir maior proteção aos seus moradores e prestar serviços normalmente superiores aos providos pela Administração Pública, são edificados muros ao redor do loteamento e implantada forma de controle do acesso ao loteamento, permitido exclusivamente aos moradores e pessoas por eles autorizadas, contando ainda com equipamentos de segurança e serviços urbanos próprios para auto-suficiencia da comunidade.[7]

Conceitua loteamentos Vicente de Abreu Amadei[8]:

 

A expressão loteamento fechado – que não é nova, mas indevidamente é confundida com condomínio especial – deve ser compreendida apenas para aquelas situações de loteamento propriamente dito (no quadro, pois, da Lei nº 6.766/79) em que a municipalidade autoriza cercar ou murar o perímetro da gleba parcelada, mantendo acesso controlado ao loteamento com portaria.

 

Os loteamentos fechados, mesmo sendo modalidade crescente de loteamento, não encontram previsão expressa na Lei nº 6.766/79. Importante destacar, todavia, que não é possível analisar os loteamentos fechados a luz da Lei nº 4.591/64, conquanto inaplicável a este instituto, sendo os loteamentos fechdaos são regidos pela Lei nº 6.766/79, observando-se alguns requisitos adicionais.

Em síntese, caracteriza Elvino Silva Filho[9] os loteamentos fechados:

 

a) é aprovado exatamente como um loteamento comum;

b) os lotes são de exclusiva propriedade dos adquirentes, que nele construirão da forma que lhes aprouver, respeitados os requisitos municipais;

c) os lotes são tributados individualmente;

d) o perímetro da gleba é fechado por autorização municipal, sendo que o acesso é efetuado por entrada submetida a controle;

e) a Prefeitura Municiapl, no ato da aprovação do loteamento, outorga concessão de uso aos proprietários precedida de Lei;

f) O loteador deve apresentar minuta do regulamento de uso e manutenção dos equipamentos comunitários, obrigando-se a partir de cada venda, fazer constar nas escrituras de compra e venda ou mesmo no contrato de promessa de compra e venda, a obrigação do adquirente contribuir para a manutenção e assinar o regulamento.

 

Ainda, importante estabelecer a possibilidade jurídica dos loteamentos fechados, questão controversa que encontra tanto argumentos favoráveis quanto desfavoráveis na doutrina. Isto porque, conforme analisado acima, constitui requisito objetivo para a constituição de loteamento urbano a destinação de áreas à Municipalidade, as quais, via de consequência, passam a ser áreas públicas o que, em primeira analise, inviabilizaria a utilização restrita destas áreas apenas por certos particulares, no caso os moradores do loteamento fechado.

Nesta questão, esclarece Luis Manuel Fonseca Pires[10]:

 

E, de fato, há uma colisão de direitos fundamentais quando se questiona sobre a possibilidade de um loteamento ser fechado – leia-se sobre a possibilidade de atribuir o uso privativo de bens públicos (vias, logradouros e demais espaços comuns do loteamento) aos moradores. Há uma colisão de direitos fundamentais que não são regra, mas são princípios de um lado, em favor dos moradores do loteamentos, há o princípio da segurança pública, de outro lado de quem não mora no loteamento, mas almeja circular e usufruir desses bens públicos, há o princípio da liberdade de locomoção (direito de ir e vir).

 

Com semelhante preocupação, leciona Melhim Namem Chalhub[11]:

 

A tensão entre esses princípios só se soluciona mediante exame do caso contreto, pois em abstrato, todas as normas permissivas da criação de espaços fechados nos loteamentos, aprovadas pela legislação municipal, são válidas e eficazes, dada a competência que a Constituição confere ao Município.

A situação reclama ponderação dos princípios em colisão, método pelo qual, em busca do melhor equilibro possível, se procura identificar, entre os direitos fundamentais em choque, qual deles relama maior grau de satisfação no caso específico, por sua maior relevância no contento considerado, em face das peculiaridades do momento ou da situação, sem que a priorização de um princípio importe em negação do outro, mas apenas em seu afastamento naquele momento ou naquela circunstância.

 

Conforme assinalado acima, encontra-se no direito administrativo a solução para o dilema enfrentado. Isto porque, por Lei Municipal, há a possibilidade de autorizar o fechamento do loteamento com a restrição de uso dos bens públicos aos seus proprietários através da concessão de uso. Desta forma, através de contrato particular de concessão de uso de bens públicos e Lei Municipal específica, o Município pode afetar seus bens e destiná-lo a categoria de bens de uso especial, nos termos do artigo 99, inciso II do Código Civil.[12]

Assim sendo, constituem requisitos dos loteamentos fechados “a) lei municipal que faculte, para o caso concreto, a possibilidade de uso privativo dos bens públicos em favor dos moradores – o que caracteriza uma lei-medida – com a previsão das respectivas contraprestações; b) contrato de concessão de uso privativo de bens públicos”[13]

A despeito da discussão de sua possibilidade jurídica, os loteamentos fechados são prática em expansão e já disciplinados em diversas legislações municipais do pais, tais como: Lei nº 9.431/81, do município de São Paulo – SP, que permite o fechamento de determinados loteamentos mediante outorga de direito real de uso para as vias de circulação e para 1/3 das reservas desitnadas a áreas verde; Lei nº 8.736/96, do município de Campinas – SP, que institui a “permissão a título precário de uso das áreas públicas de lazer e das vias de circulação, para constituição de loteamentos fechados”; Lei nº 5.441/99, do município de São José dos Campos – SP, que autoriza o fechamento dos loteamentos, vilas e ruas sem saída, observados determinados critérios; Decreto nº 14.618/96, da cidade do Rio de Janeiro – RJ, que permite a instalação de guaritas e traves basculantes em logradouros públicos de uso estritamente residencial, sempre a título precário e mediante requerimento de pelo menos 3/4  dos  moradores; Lei Complementar nº 246/2005 de Caxias do Sul – RS, cujo Capítulo VII regulamenta o “loteamento fechado”, especificamente para determinadas localidades, com outorga de permissão de uso dos espaços públicos à associação dos proprietários; e Lei nº 2.561/2008, do Município de Niterói – RJ, que permite, “a título precário, a instalação de portões e grades em ruas sem saída, desde que mediante proposição de mais da metade dos respectivos moradores do logradouro público”, concedida essa permissão à associação de moradores do local[14].

Ainda, tratando-se de um loteamento fechado, em que as áreas públicas serão concedidas para uso privativo dos moradores, é fundamental que se estabeleça um regulamento de uso desses bens, bem como que sejam estabelecidas contribuições para as despesas comuns, uma vez que a Administração Pública não proverá os serviços de conservação das áreas concedidas. Desta forma, este regulamento, conceitualmente similar à convenção de condomínio da Lei nº 4.591/64, deve abarcar certos tópicos, quais sejam[15]:

 

  • §  Discriminação das partes e frações comuns e as que forma objeto de concessão pela Município bem como obrigatoriedade de contribuição para fazer frente a essas despesas, discriminando as ordinárias e extraordinárias bem como a forma e destino de fundos de reserva;
  • §  Disposição acerca da proibição da alienação em separado dos bens comuns;
  • §  Especificação da destinação das partes comuns, tais como piscinas, churrasqueiras etc.;
  • §  Modo de uso dos bens públicos objeto de concessão;
  • §  Especificação da administração, fazendo referência a associação que exercerá a administração e que firmou o contrato administrativo de concessão;
  • §  Modo de escolha da direção do órgão administrativo, que é a associação que recebeu a concessão dos bens públicos, repetindo os seus termos;
  • §  Modo de destituição do administrador;
  • §  Determinação das assembleias ordinárias e extraordinárias dos proprietários, forma e data de convocação bem como o quórum para as diversas deliberações que também devem estar discriminadas;
  • §  Discriminação dos direitos e obrigações dos moradores e do órgão administrativo;
  • §  Criação de sanções civis para a transgressão do regulamento, bem como pela mora no pagamento das contribuições;
  • §  Transcrição da concessão de uso em seus exatos termos;
  • §  Estabelecimento de força obrigatória do regulamento, bem como a nulidade de qualquer negócio que não conste a submissão do adquirente aos seus termos.

 

 

1.5      Das Associações de Moradores e da obrigatoriedade de pagamento de taxas mensais

 

 

Conforme indicado acima, as áreas comuns dos loteamentos fechados decorrem da concessão ou permissão de uso de áreas públicas pela Municipalidade. Todavia, uma ve que estas áreas passam a destinar-se ao uso exclusivo dos moradores do loteamento, é necessário que alguém faça as vezes da Administração Pública no tocante a manutenção e conservação destas áreas comuns.

Neste sentido, usualmente é constituída pelo loteador uma Associação de Moradores, sociedade sem fins lucrativos a qual exercerá as funções de órgão administrativo do loteamento fechado, sendo estabelecido, via de regra, já no contrato-padrão de aquisição dos lotes a associação do adquirente a esta sociedade e sua adesão ao Regulamento do loteamento, cumprindo aos adquirentes dos lotes arcarem com as despesas do loteamento através do pagamento de taxas mensais a esta sociedade.

Todavia, diferentemente do quanto estabelecido na Lei nº 4.591/64, a qual prevê em seu artigo 12 que “cada condômino concorrerá nas despesas do condomínio, recolhendo, nos prazos previstos na Convenção, a quota-parte que lhe couber em rateio.”, a obrigatoriedade de contribuição para as Associações de Moradores dos loteamentos fechados não encontra fundamentação legal, encontrando posicionamentos divergentes na doutrina pátria.

Os argumentos contrários a obrigatoriedade do pagamento de taxa mensais nos loteamentos fechados fundamentam-se no direito constitucionalmente protegido da liberdade de associação, o qual tutela que ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado. Sob este raciocínio, as Associações de Moradores somente obrigam e vinculam aqueles que expressamente aderem a elas, de forma voluntária, sendo inconstitucional a cobrança de taxas mensais ao proprietário de lote pelo simples fato deste ser proprietário, sem sua associação à Associação de Moradores.

Em sentido contrário, argumenta-se que o não pagamento da taxa mensal em loteamentos fechados configura enriquecimento sem causa, a medida que os proprietários dos lotes, ainda que não associados, usufruem do serviço prestado pelas Associações de Moradores, tendo uma valorização patrimonial de seus imóveis sem a necessária contrapartida financeira. Tal linha argumentativa alcança mais adeptos quando diante de casos em que já no contrato de compra e venda do lote consta cláusula indicativa de que trata-se de um loteamento fechado e que este será administrador por uma Associação de Moradores. Nesta situação o adquirente adere a Associação de Moradores e obriga-se a arcar com as respectivas taxas em razão de convenção entre as partes, sendo legítima a cobrança de tais valores.

Nesse sentido leciona Luiz Antonio Scavone Junior[16]:

 

Entretanto, duas importantíssimas considerações devem ser tecidas.

A primeira, é que a obrigação de contribuir para as despesas comuns não decorre do fato do adquirente estar ou não associado à sociedade sem fins lucrativos que, a rigor, será o órgão administrativo do loteamento fechado. Em verdade, a obrigação de contribuir para as despesas de manutenção, conservação, segurança e as demais no loteamento fechado, decorre da publicidade dada ao regulamento pela averbação no Oificial de Registro de Imóveis onde estiver registrado o loteamento.

A segunda, é que o regulamento previamente averbado junto à matrícula do loteamento fulmina de nulidade qualquer cláusula tendente a elidir a obrigação em venda posterior que não conste a submissão do adquirente às suas cláusulas. Náo se trata de submissão ilegal da propriedade privada, mesmo porque, o adquirente conhece a circunstância da necessidade de contribuir pela própria aparência do imóvel e pelo próprio registro.

 

CONCLUSÃO

 

 

Antes todo exposto, conclui-se que:

                       I.      O elevado crescimento populacional e o aumento da demanda habitacional levaram ao desenvolvimento de formas de parcelamento do solo urbano com a finalidade gerar um melhor aproveitamento o territorial.

 

                      II.      A Lei nº 6.766/79 estabelece a figura dos loteamentos urbanos, nos quais há a divisão do solo em lotes e a execução, pelo loteador, de obras de infraestrutura e abertura de novas vias de circulação que, após concluídas, são atribuídas à Admministração Pública a quem competirá sua manutenção.

 

                    III.      Os loteamentos fechados surgem como forma de suprir a deficiência na prestação, pela Administração Pública, de serviços básicos e de segurança, sendo tal prática convalidada pela legislação municipal de diversos municípios, que concedem o uso das áreas públicas privativamente aos moradores do loteamento.

 

                   IV.      A ausência de previsão legal expressa na Lei nº 6.766/79 e a controvérsia doutrinária e jurisprudencial quanto a legalidade dos loteamentos fechados torna esta modalidade de parcelamento de solo forma precária de acomodação do crescimento populacional, que pode acabar por fomentar a desordem urbana e sobrecargar do Poder Judiciário com demandas relativas a cobrança de taxas de manutenção das áreas comuns, questão ainda ensejadora de grande controvérsia nos tribunais do país.

 

REFERÊNCIAS

 

 

AMADEI, Vicente de Abreu. Urbanismo Realista. Campinas: Millenium, 2006.

AMORIN, José Robero Neves e ELIAS FILHO, Rubens Carmo. Direito imobiliário: Questões contemporâneas. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.

CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de Lotes de Terreno Urbano. São Paulo: Revista de Direito Imobiliário, 2009, nº 67.

COUTO, Sérgio A. Frazão do. Manual teórico e prático do parcelamento urbano. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1981.

GALHARDO, João Baptista. O registro do parcelamento do solo para fins urbanos. Porto Alegre: IRIB, 2004.

GASPARINI, Diogenes. O município e o parceamento do solo. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 1988.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito de Construir. 9ª edição. São Paulo: Malheiros, 2005.

RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas: Lei 10.406, de 10.01.2002. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

SCAVONE JÚNIOR, Luiz Antonio. Loteamento fechado e loteamento irregular. Disponível em: <http://www.scavone.adv.br/index.php?loteamento-loteamento-fechado-e-loteamento-irregular>. Acesso em 12 setembro 2013.

 



[1] COUTO, Sérgio A. Frazão do. Manual teórico e prático do parcelamento urbano. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1981, pág. 5

[2] GASPARINI, Diogenes. O município e o parceamento do solo. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 1988, pág. 5

[3] RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas: Lei 10.406, de 10.01.2002. Rio de Janeiro: Forense, 2007, pág. 966

[4] GALHARDO, João Baptista. O Registro do Parcelamento DO Solo Para Fins Urbanos. Porto Alegre: IRIB, 2004, página 32 e 33.

[5] GASPARINI, Diogenes. O município e o parceamento do solo. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 1988, pág. 13

[6] GALHARDO, João Baptista. O registro do parcelamento do solo para fins urbanos. Porto Alegre: IRIB, 2004, pág 34

[7] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito de Construir. 9ª edição. São Paulo: Malheiros, 2005, página 138

[8] AMADEI, Vicente de Abreu. Urbanismo Realista. Campinas: Millenium, 2006, página 68.

[9] Elvino Silva Filho apud SCAVONE JÚNIOR, Luiz Antonio. Loteamento fechado e loteamento irregular. Disponível em: <http://www.scavone.adv.br/index.php?loteamento-loteamento-fechado-e-loteamento-irregular>. Acesso em 12 setembro 2013.

[10] AMORIN, José Robero Neves e ELIAS FILHO, Rubens Carmo. Direito imobiliário: Questões contemporâneas. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, página 61

[11] CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de Lotes de Terreno Urbano. São Paulo: Revista de Direito Imobiliário, 2009, nº 67.

[12] SCAVONE JÚNIOR, Luiz Antonio. Loteamento fechado e loteamento irregular. Disponível em: <http://www.scavone.adv.br/index.php?loteamento-loteamento-fechado-e-loteamento-irregular>. Acesso em 12 setembro 2013.

[13] AMORIN, José Robero Neves e ELIAS FILHO, Rubens Carmo. Direito imobiliário: Questões contemporâneas. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, página 75

[14] CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de Lotes de Terreno Urbano. São Paulo: Revista de Direito Imobiliário, 2009, nº 67.

[15] SCAVONE JÚNIOR, Luiz Antonio. Loteamento fechado e loteamento irregular. Disponível em: <http://www.scavone.adv.br/index.php?loteamento-loteamento-fechado-e-loteamento-irregular>. Acesso em 12 setembro 2013.

[16] SCAVONE JÚNIOR, Luiz Antonio. Loteamento fechado e loteamento irregular. Disponível em: <http://www.scavone.adv.br/index.php?loteamento-loteamento-fechado-e-loteamento-irregular>. Acesso em 12 setembro 2013.

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